Eis um curioso caso de sucesso no cinema português que se dá pelo nome de “Listen”. A não-tradução é propositada, o filme reage como uma impotência aos mais diferentes níveis, entre os quais a, por vezes, falha de comunicação que limita estas personagens a defender do sistema que os espezinha … e espezinha cada vez mais.
“Listen” conquistou o prémio Leão do Futuro (Luigi De Laurentiis] no último Festival de Veneza, vingando Ana Rocha de Sousa, atriz conhecida pelo grande público, como uma realizadora feita e com vontade de prosseguir. O percurso levaria a obra a tornar-se a candidata portuguesa ao Óscar de Filme Internacional, deixando para trás “Vitalina Varela”, de Pedro Costa (visto por muitos o “cavalo de corrida” de bandeira lusitana na award season), e de consagrar-se como o “filme português mais visto” num ano atípico (confessamos), porém, um feito igualmente impressionante – 34 mil espectadores até à data deste texto.
Contudo, desviando dos seus marcos, “Listen” é uma obra-denúncia de uma realidade de muitos, emudecidos perante as injustiças daquilo que supostamente o deveria os defender. Bela (Lúcia Moniz) e Jota (Ruben Garcia) são um casal de imigrantes portugueses que partiram para Londres em busca de uma vida próspera. Resididos no país, constroem e solidificaram a família, mas as adversidades de um país estrangeiro convertem-se em obstáculos sociais, que por sua vez transformam-se em desesperadas subsistências precárias.
Como “solução”, a Segurança Social britânica retira as suas crianças e inicia um processo de adoção forçada, cabendo agora ao casal de lutar com as forças restantes por um Sistema que os pressiona.
Conversei com a protagonista, Lúcia Moniz, sobre a sua participação num dos filmes do momento no panorama português, mas mais que isso sobre um cenário ocultado para muitos.
Como é que a Ana Rocha de Sousa a convenceu / conquistou a participar no seu filme? E já agora, como trabalhou a sua personagem?
A Ana [Rocha] convidou-me a ler o guião, e não recordo que cena é que foi, mas aquelas “imagens” foram tão fortes para mim que não li mais e contactei-a imediatamente. “Eu ainda não li o guião na sua totalidade, mas podes contar comigo.”
Foi uma sensação boa, essa de ter nas mãos um bom guião, uma narrativa que faça sentido sem existir uma exploração exagerada daquela realidade. Há um cuidado, como também a emergência de retratar essa mesma realidade … e com realidade. No guião estava inicialmente explícito esse oscilar entre o português e inglês falado, de forma a tornar aquele cenário e aquelas pessoas credíveis.
Esta personagem foi um processo, que teve várias fases, a primeira delas foi tentar perceber esta mãe. Está mais que óbvio no argumento que esta mãe tem um temperamento à flor da pele, impulsiva, e diversas vezes perdendo a razão por ter “o coração na boca”, ou seja, agir sem pensar.
Sim, sentimos também um casal que não concorda na sua totalidade, que batalha diariamente por essa confraternização, mas que é evidente os seus contrastes, ou seja, existe um conflito presente neles.
Pois, eles chocam muito, mas ao mesmo tempo existe uma união. E eu e o Rúben [Garcia] tivemos uma cumplicidade tão boa, mas tão boa. Foi especial.
Ana Rocha de Sousa dirige Lúcia Moniz em “Listen” / Foto.: Alex Cornes
O Rúben Garcia referiu que a ligação entre vocês foi tão intensa, que a despedida soou como uma separação difícil.
Não nos vimos durante um ano. Despedimo-nos no aeroporto e passado um ano estávamos no aeroporto para irmos para Veneza. [risos] Encontramo-nos lá.
Lá está, foi uma ligação muito forte. Voltando à minha personagem. Entranhei-me num processo de pesquisa, tendo procurando informação em reportagens e documentários sobre estes casos, depois segui ao detalhe para tentar perceber esta mulher, a sua situação em estado de choque e trauma. Levei o guião à minha psicóloga e estivemos a debatê-lo e a decodificá-lo. Resultando em mais uma prova de como este estava bem escrito. A minha psicóloga deu o seu parecer, “está tudo certo, isto faz sentido no campo emocional e psicológico.”
Isto foi importante para mim, construir esta personagem de uma forma coerente e verdadeira para representar estas mães que passam por estas drásticas situações.
São poucos aqueles que conhecem esta situação, esta “operacionalidade” da Segurança Social Inglesa, mas Ana Rocha de Sousa vincou que investigou a fundo estas práticas (adoção forçada), estas mesmas realidade. É que o drama vivido por esta família pode causar ceticismo.
Pois, confesso que também fiquei bastante espantada com este cenário. Com este “esquema” a ser aplicado nas famílias mais desfavorecidas, o qual não tem os recursos necessários ou o facto de não estarem naturalizados com a língua, o de ser migrantes, que lhes impede de comunicar perfeitamente. Não sabia que funcionava desta forma, visto que a Segurança Social tem o dever de proteger e apoiar estas famílias, e só em último recurso … Friso, só em último recurso …não como em primeiro recurso …
Todo este percurso revela-nos uma família resistente, sendo que a sua “força” não chega para vencer. São “engolidos” por esse Sistema que “jurou” protegê-los.
Exato. E são irreversíveis, estas medidas que são tomadas. E quando sabem que são decisões precipitadas, eles não revertem. “Pronto, pedimos desculpas mas já não há nada a fazer.”
E “Listen” não verga por soluções fáceis, nem finais fantasiosos. Aliás, o final traz uma falsa-sensação de harmonia para aquela família. No fundo, vemos ela derrotada / destruída pelo Sistema.
É um final de consequências e sequelas. Esse final suspenso acaba por simbolizar aquilo que é. Uma situação nada confortável. De costas levantadas e muita dor naquela família.
Acha que é um final credível?
Sim, e ainda bem que é assim o final, porque é uma mostra de como a luta é difícil e constante, e de que a força está do outro lado, o oposto do lutador. É uma forma de elucidar-nos. Foi importante para o filme este final. Este que nos inquieta em demonstrar que a força está no sistema.
Na rodagem de “Listen” / Foto.: Leticia Valverdes
Neste momento, julgo que é inevitável não ver este filme e não pensar no BREXIT. Como bem sabemos, “Listen” terminou a rodagem no ano passado. Hipoteticamente, como seria esta história no Reino Unido do BREXIT?
Pois … Nem sei, mas é uma boa questão. Porque nem sequer abordamos isso, apesar de na altura o BREXIT, ainda não sendo uma realidade, era o assunto mais falado no Reino Unido. Mas sinceramente não consigo imaginar como seria este cenário em tempos de BREXIT. Possivelmente haveria menos formas de luta, mas na atualidade acontece isto? Acontece.
Tendo em conta a premiação em Veneza e o mediatismo obtido nos órgãos comunicacionais, é de esperar que este filme chega a muita gente. Que expectativas tem na relação do “Listen” com o grande público?
Aquilo que falamos entre nós era fazer um filme em que as pessoas tenham, por fim, o conhecimento da sua existência. Que se sintam informadas sobre esta situação e destas lutas. Porque a arte também tem esta função, um papel muito importante na sociedade que é o descortinar de situações, de realidades do mundo, muitas delas o qual desconhecemos porque estão ocultados de tudo o resto. E o facto do filme chegar a estas pessoas, revelará essa mesma realidade.
Curiosamente, visto que refere “ao grande público”, não acha que já se torna habitual vê-la como a portuguesa emigrante? [Risos] Estou obviamente a fazer menção ao “Love Actually” (“O Amor Acontece”, 2003).
[Risos] Não acho que tenha sido propósito, mas pensem o que quiserem e como quiserem. Isto partiu de uma escolha da Ana. [Risos]
Sim, mas mesmo assim parece que você é a atriz escolhida para representar os “portugueses lá de fora” … [Risos]
É uma coincidência! [Risos] Por acaso em Veneza, houve uma jornalista que no final da sessão me abordou: “Bem, do ‘Love Actually’ para este! Que diferença surpreendente.” Mas ela disse isto muito agradada por continuar a fazer cinema … quer dizer, não sei. [Risos]. Nem sei bem, responder a isso. [Risos]
Desviando de “Listen”, é sabido que integra o elenco de “Amadeo”, o filme sobre o pintor Amadeo de Souza-Cardoso realizado por Vicente Alves de Ó. Quer falar-nos sobre a sua personagem?
Tudo começou quando o Vicente [Alves de Ó] convidou-me para fazer a série “Solteira, mas Boa Rapariga”, desde então nunca mais nos largamos. Construímos uma sólida amizade. Neste “Amadeo”, a minha personagem representa uma fração na família. É a irmã mais velha, a mais protetora, é a que tem uma visão … não a nível artístico, porque ela é muito limitada … mas em perceber que o irmão sente-se como um “peixe fora d' água", que necessita de desbravar novos horizontes. E é a minha representação, a pessoa que motivará o seu percurso.
E fora Vicente Alves de Ó, tem novos projetos?
Para já não há nada na manga.