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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Ainda estamos aqui ...

Hugo Gomes, 18.01.25

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A despedida de David Lynch deixou-nos a todos profundamente abalados. Por isso, na altura, nem me pareceu adequado mencionar que o jornal Público, na sua ramificação brasileira (via o jornalista Jair Rattner), me contactou para partilhar algumas palavras sobre "Ainda Estou Aqui" e a "possível" entrada do cinema brasileiro no cardápio português.


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Make werewolves great again!

Hugo Gomes, 08.01.25

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Garras, dentes e pêlo ... os lobisomens viraram objeto cronenberguiano e Leigh Whannell comprova, mais uma vez, que com pouco faz terror como "gente grande", e com receitas velhas, daquelas mais antigas que o próprio conto.
"Wolf Man" estreia no próximo dia 16 de janeiro, e é tudo aquilo que "Nosferatu" de Eggers não conseguiu ser em nenhum momento.

No Pico, olha-se para o audiovisual com foco. Uma conversa com Terry Costa, diretor artístico do Montanha Pico Festival.

Hugo Gomes, 02.01.25

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"First Date", a curta de Luís Filipe Borges

É no ponto mais alto do território português que se dará lugar o Montanha Pico Festival (3 a 30 de janeiro), uma iniciativa da MiratecArts que visa transgredir a ideia convencional de festival como simples mostra de filmes, entendendo que, a partir deste lugar singular, há espaço para debater o futuro e explorar soluções para o universo audiovisual. Sob a vigilância do “gigante adormecido”, o Pico que empresta o nome à ilha, ao cinema e aos filmes, a tela será novamente palco para histórias que vão além do visual, incentivando tanto o público fiel quanto os recém-convertidos ao simples e poderoso ato de “ir ao cinema”. Um gesto cada vez mais desprezado no continente, onde o cinema se tornou um mero “despacha-tempo” momentâneo, e na ilha, onde a escassez de propostas de projeção transforma esse mesmo ato numa forma de resistência.

Nesta edição, temos a evocação de Natália Correia e o regresso da realizadora, muitas vezes esquecida, Rosa Coutinho Cabral, que abrirá as "honras da casa" [toda a programação aqui]. A grande atração será a estreia da curta-metragem “First Date”, de Luís Filipe Borges, com Cristóvão Campos e Ana Lopes (que não é estranha a este ambiente), e que será apresentada pela primeira vez ao grande público. Mas antes disso, de Correia por Cabral, de romances no Pico, teremos um encontro entre críticos e jornalistas de cinema (o Cinematograficamente Falando … estará presente) para debater o papel fundamental da crítica na divulgação e no percurso das suas obras, dos primeiros passos até os “altos voos”. Quem sabe o que surgirá dessa conversa?

O anfitrião Terry Costa, diretor artístico do Montanha Pico Festival, aceitou o convite do evento para partilhar as suas reflexões e revelar o que podemos esperar desta edição, que, embora tenha como epicentro a ilha cinematográfica do Pico, visa unificar os Açores no panorama audiovisual.

Terry, como director artístico do Festival Montanha, qual foi o maior desafio em criar e manter um festival tão singular como este, focado na montanha mais alta de Portugal e nas questões culturais e ambientais ligadas às montanhas?

O Montanha Pico Festival, ou simplesmente Festival Montanha, realiza-se desde 2015. Anualmente, no mês de janeiro, os ecrãs da ilha acolhem uma seleção diversificada de obras, desde curtas e longas-metragens a documentários, ficção e vídeos experimentais, todos com um tema em comum - a cultura das montanhas ou cenários montanhosos.

Desde 2022, o festival conta com um programa adicional intitulado “Made in Azores”, que celebra produções locais. Contudo, o maior desafio tem sido o financiamento, sobretudo no que toca a apoiar a presença de equipas de outras ilhas ou cineastas estrangeiros interessados em participar, algo que gostaríamos de fazer de forma mais consistente.

O festival é aberto ao público e com entrada gratuita, numa tentativa de atrair as audiências para descobrirem algo novo e inesperado. Sem grande apoio promocional, como anúncios televisivos, convencer as pessoas a saírem de casa e dirigirem-se aos auditórios da ilha para assistirem a obras desconhecidas é sempre um desafio, mas um que encaramos com entusiasmo e dedicação.

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"Os Caçadores", de David Pinheiro Vicente, será uma das muitas curtas exibidas no festival

O Montanha Pico Festival tem recebido atenção internacional, incluindo a nomeação para os Iberian Festival Awards. Que impacto tem esta visibilidade para o festival e, mais importante, para a ilha do Pico?

Sempre que somos mencionados fora do arquipélago, surge inevitavelmente a pergunta: Onde fica isso? Não importa quantos milhões sejam investidos na promoção das ilhas, haverá sempre quem ainda não as conheça. Os projetos culturais e artísticos, como os festivais, desempenham um papel crucial, não apenas em dar visibilidade às ilhas, mas também ao abrir portas para o mercado cultural, que cada vez mais valoriza e investe nos destinos que descobre. Quando um festival é destacado em listas de prémios internacionais, atrai a atenção de profissionais do setor, que pesquisam e, no processo, aprendem mais sobre os Açores.

Sendo o turismo de montanha um tema central nas discussões do festival, que papel acredita que o Montanha Pico Festival desempenha no incentivo ao turismo sustentável e no diálogo entre cultura e natureza?

Quando temos este tipo de conversa no festival, que alternamos ao longo dos anos, os pontos finais acabam sempre por convergir no mesmo resultado. Sim, queremos turismo. Sim, queremos preservar estes cantinhos do mundo que ainda se consideram paraísos. Mas como receber mais visitantes sem comprometer a natureza?

Nas conversas anteriores, discutiu-se bastante a ideia de implementar taxas para visitantes, algo que ainda não é generalizado nos Açores. Na ilha do Pico, por exemplo, já existe uma taxa significativa para quem pretende subir a montanha mais alta de Portugal, precisamente porque há limitações quanto ao número de pessoas que podem usufruir desse espaço. Será esse o caminho para todo o turismo? Cobrar mais e mais? Ou, talvez, devemos incentivar um turismo mais consciente, que valorize e invista em locais frágeis como ilhas, e especialmente numa montanha isolada no meio do Oceano Atlântico?

O festival levanta essas questões e apresenta filmes que provocam reflexão e estimulam conclusões sobre como garantir um futuro melhor. Se conseguirmos aprender com locais que já enfrentaram esta fase de aumento exponencial de turismo, talvez possamos adotar um caminho diferente, mais sustentável. Assim, será possível alcançar um sucesso duradouro sem comprometer irremediavelmente a natureza. 

O programa "Made in Azores" tornou-se um pilar do Montanha Pico Festival. O que o motivou a incluir esta secção, e como tem percebido a recepção do público em relação às produções açorianas?

Com o programa “Made in Azores”, criamos uma oportunidade para que os trabalhos produzidos nas ilhas conseguissem chegar aos grandes ecrãs na ilha. Ano após ano, mais produtoras participaram, e em 2023 produzimos o primeiro Encontro Audiovisual Açoriano devido à necessidade de as equipas conhecerem-se e desta forma aprenderem mais sobre o que se faz nos Açores

O II Encontro Audiovisual Açoriano traz à ribalta talentos regionais e as suas narrativas. Na sua opinião, quais os maiores desafios e oportunidades enfrentados pelo audiovisual açoriano atualmente?

Nas ilhas, há poucas infraestruturas e equipamentos dedicados ao cinema e ao audiovisual. Estamos melhores hoje do que há 10 anos, mas ainda assim, é sempre um desafio para produções maiores conseguirem realizar os seus projetos nos Açores. E, claro, temos o clima instável, que, por um lado, pode ser uma vantagem para a produção, mas também pode facilmente arruinar bons dias de trabalho. Na edição de 2025, apresentamos a segunda edição do Encontro Audiovisual, um evento no qual vamos tentar responder a algumas das questões mais prementes do setor, como, por exemplo, como levar trabalhos produzidos nos Açores, por açorianos, até o continente português. No Encontro, vamos explorar e debater muitos outros desafios. Tenho a certeza de que será um evento muito enriquecedor.

Com Rosa Coutinho Cabral a abrir a edição de 2025, como é feita a curadoria para garantir que filmes como “A Mulher que Morreu de Pé” dialoguem tanto com o público local como com as temáticas globais abordadas pelo festival?

Os projetos apresentados no programa “Made in Azores” podem não ter a temática diretamente ligada à montanha. No entanto, em termos artísticos e poéticos, todos são, de certa forma, “projetos montanhosos”, pois são criados por equipas da região.

Ao promover obras como “First Date”, de Luís Filipe Borges, como avalia a importância de contar histórias contemporâneas e diversificadas sobre o Pico, e gostaria que falasse da ilha enquanto cenário cinematográfico?

As ilhas são cenários fantásticos para todo o tipo de histórias, com ou sem sol, com ou sem bruma (chuviscos). Fundámos o Prémio Curta Pico especificamente para incentivar a criação de histórias que tenham a ilha-montanha como ponto central. O projeto de Luís Filipe Borges, “First Date”, venceu a primeira edição do prémio, pois a história só poderia ser realizada na ilha do Pico. Assim, a sua qualificação com nota alta foi essencial para garantir o apoio, e esperamos que o público abrace a sua antestreia, permitindo que o realizador receba um feedback valioso antes de lançar a obra para o mundo.

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Terry Costa (à direita) com o realizador Luís Filipe Borges (segunda pessoa à esquerda) na entrega do Prémio Curta Pico.

O festival celebra também o cinema como forma de diálogo entre crítica, jornalismo e público. Como é que este formato, com paineis e debates, enriquece a experiência dos participantes e cria impacto duradouro? Já agora, como vê a relação da crítica de cinema com a cinematografia açoriana?

As questões colocadas pelos colaboradores são o que incentivam os painéis. Este ano, conseguimos reunir um painel com representantes de órgãos de comunicação social, o que nos dará a oportunidade de conversar sobre esses temas e como eles se relacionam com as produtoras locais. Por que é que um filme recebe mais atenção do que outro? Como chegar aos críticos? Como pode uma obra independente, produzida numa ilha, chegar à capital? Estamos a falar de um setor ainda muito jovem nas ilhas. Como podemos ajudar a elevar e incentivar o desenvolvimento de um futuro mais próspero para esta indústria – essa é a questão.

Por fim, qual é a sua visão para o futuro do Montanha Pico Festival? Existem planos para expandir a programação, incluir novos formatos ou aprofundar ainda mais as questões ambientais e culturais globais?

Existem festivais deste género em todo o mundo. Ainda não fazemos parte da rede de festivais de montanha, mas esse é um dos nossos objetivos. Para alcançá-lo, precisamos de aumentar o orçamento dedicado ao projeto, de forma a expandir a nossa presença internacional. Já conseguimos garantir os filmes, mas ainda há muito trabalho a ser feito para atrair cineastas e documentaristas. Em termos locais, quando as produtoras começarem a produzir com o objetivo de fazer parte do programa principal do festival, com a temática montanha, então alcançaremos um patamar de sucesso similar ao que invejo no Festival de Trento, onde todos os italianos querem participar e produzem para o festival. Trento é o festival mais antigo de temática montanha, enquanto o nosso, na ilha do Pico, é o mais jovem, mas já estamos na décima primeira edição.

Do festival nasceu o Cineclube Montanha, e o nosso desejo é incentivar mais municípios a juntarem-se a nós, para apresentarmos cinema além de Hollywood. Passo a passo, estamos criando audiências. Lembro que grande parte dos jovens e crianças da ilha ainda não teve a oportunidade de ver um filme num grande ecrã, muito menos um documentário - estamos a trabalhar para mudar isso.

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Tendências 2024: os posts mais acedidos do ano

Hugo Gomes, 01.01.25

Globos de Ouro e Cinema de Ouro

Hugo Gomes, 10.12.24

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Os Globos de Ouro continuam a tentar ultrapassar a linha da sua própria insignificância desde o "trambolhão" de 2019. Os nomeados deste ano seguem, como esperado, a linha editorial ditada pelos lobbies e pelas fervorosas campanhas de For Your Consideration (FYC), com uns quantos mistérios pelo meio para confundir até os mais atentos. Zendaya como Melhor Atriz? Mas esta gente droga-se!?

Contudo, se houver justiça neste mundo, Payal Kapadia levaria o prémio de realização sem espinhas. Um fenómeno este “All We Imagine as Light”, um filme que não inventa a roda mas a faz girar com um miraculoso afinco!

Estreia dia 19 de dezembro nos cinemas portugueses.

Uma *carax* experiência!!

Hugo Gomes, 27.11.24

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Experiência única a minha: sozinho numa sala de cinema, primeira fila, eu, o Carax e o seu delírio, no final "Modern Love" - música que me acompanhou anos no Exército enquanto despertador (os camaradas já não podiam com ela), seleção graças ao meu primeiro contacto com "Mauvais Sang" (como esquecer Denis Lavant correr que nem um doido) - uma lágrima correu-me pelo rosto. É Cinema!! Sinto-o violentamente nas minhas entranhas. Poderei estar sozinho, mas não me interessa, como naquele visionamento, sozinho mas igualmente acompanhado pelos espectros projetados em grande tela.

Emocionei, refleti, tentei juntar os pontos enquanto cantarolava:

I catch a paper boy
But things don't really change
I'm standing in the wind
But I never wave bye-bye

Já é cliché afirmar, mas ... filme do *caraxas*

Estreia 5 de dezembro nos cinemas selecionados.

No 11º Olhares do Mediterrâneo a revolução do dia-a-dia faz-se no feminino ... e com Cinema!

Hugo Gomes, 27.10.24

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A Mulher que Morreu de Pé (Rosa Coutinho Cabral, 2024)

Falemos de Cinema, mas também de Mulheres, e da dissociação entre ambos. É com este mote que o Olhares do Mediterrâneo se apresenta, com uma programação forte em filmes e eventos paralelos que discutem o género, as possibilidades e a importância de desvendar um cinema pensado, feito e concretizado por mulheres. Ao ultrapassar a marca de uma década, agora com a sua 11ª edição, o Festival Internacional convida-nos novamente a percorrer as margens do Mar Mediterrâneo, explorando culturas e perspetivas audazes que culminam na arte que tanto valorizamos. Este ano, a Palestina surge não apenas como horizonte, mas como algo tangível através das imagens, já que este olhar traz consigo atualidade, urgência e subversão.

O Olhares do Mediterrâneo arranca no próximo dia 31 de outubro, transformando o habitual “Dia das Bruxas” numa celebração do feminino e da sua cinematografia. O evento prolonga-se até 7 de novembro com várias atividades e exibições em novos espaços, como o Cinema São Jorge, a Cinemateca Portuguesa, o Goethe-Institut e a Casa Comum.

Silvia Di Marco, co-diretora do festival, foi desafiada pelo Cinematograficamente Falando … a descortinar as novidades, a programação de mais um ano e a essência desta importante montra cinematográfica. 

O tema desta edição, "Revoluções Quotidianas", é uma escolha particularmente simbólica no ano em que se comemoram os 50 anos da Revolução de Abril. Pode explicar como se deu a escolha deste tema e de que forma ele se reflecte na selecção dos filmes?

Este ano escolher o tema da “revolução” era incontornável para nós, porque os valores de Abril de democracia e igualdade fazem parte do ADN do Olhares do Mediterrâneo - Women's Film Festival, assim como a ideia de que o quotidiano das mulheres que se empenham pela igualdade tem uma forte carga revolucionária: querer que as nossas vozes sejam ouvidas e não sejam apagadas, que as nossas histórias sejam contadas nos nossos termos e não por outros, é uma revolução que fazemos todos os dias e o Festival é uma forma de ampliar e concentrar a força destas revoluções quotidianas. 

Aliás, não é a primeira vez que trazemos a Revolução ao festival. Em 2021, por exemplo, acolhemos a estreia do documentário “Elas também estiveram lá” de Joana Craveiro. Na programação deste ano uma ideia mais subtil de revolução norteou o programa, exactamente para captar esta ideia de quotidianidade do gesto revolucionário, que é o gesto de quem não se conforma ao status quo, seja qual for. Por exemplo, na primeira sessão de curtas-metragens, a 31 de outubro, apresentamos cinco filmes que questionam o corpo de mulheres e crianças, como ele é vivido e socializado. No documentário “The Desert Rocker”, da argelina-canadiana Sara Nacer, damos a conhecer ao público a vida de Hasna El Becharia, a mulher que transformou a música Gnawa, tradicionalmente tocada exclusivamente por homens. 

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Remember my Name (Elena Molina, 2023)

No filme de encerramento da parte competitiva do festival, “The Girls Are Alright”, da espanhola Itsaso Arana, revela-se o potencial revolucionário de um ensaio de uma peça de teatro numa casa de campo, onde quatro actrizes e uma encenadora usam da palavra no gesto extremamente “feminino” de partilhar vivências  e tecer mundos possíveis em longas conversas imprevisíveis.

O Festival dá especial destaque ao cinema palestiniano, com a secção "Olhares da Palestina". O que motivou a escolha da Palestina como país convidado desta edição e qual a importância de dar visibilidade a estas cineastas, principalmente nos tempos incertos que o Médio Oriente vive hoje?

O Festival chama-se Olhares do Mediterrâneo e é impossível olhar ao e do Mediterrâneo sem ver o que acontece na sua costa oriental. Por isso, sempre nos posicionámos de forma clara relativamente à chamada questão palestiniana. Sem nunca deixar de reconhecer e defender o direito dos judeus a viver em segurança em qualquer lugar do mundo, incluindo Israel, consideramos que a opressão do povo palestiniano é inaceitável e tem de acabar já. 

Os horrores de 7 de outubro de 2023, que o governo de Israel utilizou como carta branca para o genocídio em Gaza, é a razão principal que nos levou a decidir que este ano devíamos ter uma restrospectiva sobre as realizadoras palestinianas. É uma forma de homenagear a vida e o trabalho destas mulheres e ao mesmo tempo oferecer ao público uma oportunidade de descobrir uma cinematografia e uma história amplamente desconhecidas e criar oportunidades de debate. Os filmes que apresentamos são essencialmente filmes da diáspora. Porquê? O que obrigou e obriga estas mulheres a viver fora da Palestina? Muitos deles falam de memória e arquivos perdidos. Que memórias são estas? Porque os arquivos, assim como as pessoas, sofreram uma diáspora ou foram destruídos? Acreditamos que no momento actual é essencial conhecer o trabalho das realizadoras palestinianas para reconhecer a sua humanidade e estamos convencidas de que estes filmes oferecem também  uma oportunidade única para ajudar a compreender como se chegou ao ponto em que estamos no Médio Oriente.

A programação inclui uma forte componente de filmes sobre migrações, colonialismo e racismo. Como é que o cinema pode contribuir para aumentar a consciência sobre estas questões sociais e políticas?

Dando a ver e “sentir”, através do documentário, da ficção, do cinema experimental, as múltiplas facetas das migrações, o colonialismo e o racismo. Apresentando narrativas diferentes daquelas que são habituais. Criando oportunidade de debate e encontro. Despoletar curiosidade, pensamento crítico, mas também empatia. O cinema tem esta capacidade incrível de transmitir conhecimento objectivo e ao mesmo tempo mexer nas nossas emoções, dois elementos essenciais para fomentar a consciencialização sobre questões sociais e políticas.

Com um total de 67 filmes de 28 países, como foi o processo de curadoria para garantir uma diversidade geográfica e temática, especialmente num festival dedicado a realizadoras da região do Mediterrâneo?

Muito trabalho e uma equipa dedicada! A maioria dos filmes são seleccionados a partir de uma chamada. Este ano recebemos cerca de 530 filmes, entre longas e curtas-metragens através desta chamada. Cada um foi visto e avaliado por pelo menos duas pessoas. Além destes, avaliamos mais cerca de 50 filmes que procurámos activamente, vendo quais passaram nos festivais mais importantes e os catálogos de várias distribuidoras independentes. Para os “Olhares da Palestina” contactámos vários arquivos e a selecção foi feita em colaboração com a equipa da Cinemateca Portuguesa.

Este ano, o festival traz várias estreias nacionais e até uma estreia mundial com o filme português "A Mulher que Morreu de Pé", de Rosa Coutinho Cabral, envolto da influência e pensamento da escritora Natália Correia. Gostaria que me falasse dessa estreia e a sua importância num festival como este?

Foi um achado! Nós estávamos já a fechar a programação e a Rosa Coutinho Cabral estava ainda a acabar de montar a versão definitiva do filme quando nos contactou. Pensámos logo que era uma oportunidade imperdível: homenagear a Natália Correia no Festival no ano do 50º aniversário de 25 de Abril tem algo de especial para nós. "A Mulher que Morreu de Pé" é um documentário-ensaio visual fascinante e a sua estreia no Festival será também uma oportunidade para pensar no legado da Natália como pensadora e artista revolucionária, que viveu e pensou de forma autónoma todas as questões, artísticas e políticas, inclusive na sua relação com o feminismo da altura. 

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A realizadora Farah Nabulsi durante a rodagem de "The Teacher" (2023) / Foto.: Omar Al Salem

O filme de abertura, "The Teacher", de Farah Nabulsi, aborda a complexa questão da violência na Cisjordânia. Que impacto espera que este filme tenha no público português, especialmente no contexto de um festival dedicado às revoluções quotidianas e no vivenciado zeitgeist?

Trata-se de um filme que, a nosso ver, mostra a situação atual na Cisjordânia de forma honesta e equilibrada, tomando claramente uma posição, mas sem desumanizar o outro lado, e questionando a violência como forma de luta. Gostaríamos que o filme oferecesse ao público português a oportunidade de conhecer uma realidade que muitos desconhecem e que atingisse o objectivo da sua realizadora, a britânica-palestiniana Farah Nabulsi, de levar os espectadores numa viagem intensa e emocional dentro das vidas dos protagonistas do filme, que faça reflectir sobre as escolhas e decisões que as personagens tomam e a realidade cruel em que essas decisões são tomadas.

Além das exibições, o festival oferece uma programação rica em workshops e debates. Pode destacar quais as iniciativas paralelas que considera significativas nesta edição?

Sem dúvida os debates sobre colonialismo. São dois, o primeiro na sexta-feira, 1 de Novembro, pelas 16h, à seguir à projecção do documentário “Maria India - Genealogia de Migração e Colonização”, moderado pela jornalista Joana Gorjão Henriques. O segundo, no domingo 3 de Novembro, pelas 18h, intitulado “Colonialismo/Decolonialismo e as Suas Representações”, no seguimento de uma sessão de quatro curtas-metragens que tocam de forma diversa este tema. Em Portugal é impossível pensar a revolução sem pensar no passado colonial do país, portanto estes debates são particularmente importantes. 

Incontornável também o “Debate Travessias” deste ano, cujo tema será a migração de menores não acompanhados e contará com a presença da realizadora do documentário “Remember My Name”, a espanhola Elena Molina. Entre os workshops assinalamos “Género, Autoconhecimento e Empatia”, a 31 de Outubro, com Laura Falésia e André Tecedeiro, da associação Flecha, o workshop Gender Stereotypes and Sexism in Films”, sábado, dia 2 de Novembro de manhã, organizado no âmbito do projecto “Olhares do Mediterrâneo with Eurimages For Equality” e, numa nota mais leve, a Oficina de Cantos do Mediterrâneo, no mesmo dia à tarde, que o ano passado teve grande sucesso.

Sendo o mais antigo festival de cinema no feminino em Portugal, quais foram as principais mudanças que notou no panorama do cinema realizado por mulheres ao longo dos últimos 11 anos? E para onde o Olhares irá “olhar” nas futuras edições?

Há cada vez mais filmes realizados por mulheres e a sua visibilidade vai aumentando, o que nos anima muito. Ao mesmo tempo, as mulheres continuam a ter problemas de acesso aos financiamentos mais substanciais, que tipicamente servem para poder realizar longas-metragens de ficção. O que é muito interessante é que aumenta a capacidade e a vontade das cineastas de se organizar ou criar redes para melhorar e reforçar as suas condições de trabalho, como é o caso da MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento aqui em Portugal

Relativamente aos filmes que apresentamos no Festival, continuamos a notar que os que entram através da chamada para filmes variam muito consoante os anos e o zeitgeist do momento, mas há temas, nomeadamente os que dizem respeito às relações humanas e familiares nas suas múltiplas vertentes e manifestações que continuam a ser recorrentes, confirmando a necessidade das realizadoras de explorar o quotidiano e o privado como elementos fundadores do colectivo e do político. 

Nos próximos anos continuaremos a olhar com muito cuidado para tudo o que acontece, cinematograficamente falando, mas não só, à volta do Mediterrâneo, especialmente ao Sul e ao Leste, mas não excluímos a possibilidade de alargar as nossas fronteiras a outros horizontes. Estamos a criar redes com vários festivais de cinema feito por mulheres e esperamos que em breve isto nos permita criar novas actividades, como, por exemplo, residências artísticas.

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Toda a programação e informação aqui