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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Verdade ou Consequência?", no mundo de Luís Miguel Cintra: "escolheu o teatro, ser um criador, artista, pensador, e continua nesse caminho até hoje"

Hugo Gomes, 29.08.24

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Verdade ou Consequência? (Sofia Marques, 2023)

As cortinas descem, dividindo os dois mundos em que Camilla (interpretada por Anna Magnani) perdidamente se posiciona, num prolongado dilema existencial. Atriz de teatro, porém magnetizada pela vida civil que a espera sob juras de amor eterno, ou romances das alturas, só que acordada por um chamamento que lhe confronta com a sua “realidade”. Ela não pertence ao mundo dos meros mortais porque já havia feito a escolha, e há muito, o teatro, esse pulso de vida, o resto vencido ao seu estatuto de plateia, viraria num “outro teatro”, inacessível a Camilla

A mesma escolha havia feito Luís Miguel Cintra, e essa passagem integra e entrega a sua alma com uma sina. Trata-se do desfecho do filme de Jean Renoir, “Le carrosse d'or” (1952), o “da vida” do ator, segundo este, desafiado por João Bénard da Costa num certo dia. O derradeiro momento adquiriu uma dualidade simbólica neste “Verdade ou Consequência?”; a primeira, a essência do ator enquanto, e somente, ator, mais que uma profissão, uma vida restringida às dores da performance, do espéctaculo, do pensamento na arte e na forma, e por outro o reflexo emitido em hipotéticos e imaginários lagos encantados onde Luís Miguel Cintra, o próprio e não outro, contempla nesta sua jornada ao passado, à memória, aos tempos áureos e às figuras que o atravessaram, por entre fotos e arquivos abertos, locais manifestantes a essa nostalgia, à génese e ao seu íntimo.

Sofia Marques, também ela atriz, persiste na compreensão deste vulto maior da cultura portuguesa, não só do teatro, não só do cinema, como na invocação da sua aura, aquela que concentrou e inspirou centenas de artistas hoje em vigor. Depois de “Ilusão”, do qual seguiu de perto a concepção de uma peça no Teatro da Cornucópia, com fascínio à dupla Cintra - Cristina Reis, regressa agora com “Verdade ou Consequência?”, um convite, e um convidado, na busca das sombras, dos recuerdos e dos olvidados. E uma declaração vivida de “Ainda estou aqui!”

O Cinematograficamente Falando … falou com a autora, sobre o autor, sobre o processo de chegada, sobre a sua dimensão e tudo envolto. “Verdade ou Consequência?” chega aos cinemas portugueses, um depois da sua estreia no Doclisboa, em comemoração dos 10 anos do Cinema Ideal

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Verdade ou Consequência? (2023)

Gostaria que me falasse sobre os filmes, e especificamente sobre o tema que gira em torno de um único homem. Aliás, os seus filmes, não refiro apenas este, mas como também o “Ilusão” (2014), que de certa forma, aborda indiretamente esse homem, o Luís Miguel Cintra. Na sinopse oficial, você declara que esteve à procura do Luís Miguel Cintra que conhecia, ou seja, o do passado. Portanto, a pergunta é muito direta: conseguiu encontrá-lo neste filme?

Encontrei, sim! Trabalhei na Cornucópia durante grande parte da minha vida. Não foi a minha vida toda, mas pelo menos metade, porque entrei aos 19 anos e saí em 2016, quando a companhia terminou. E por essa razão, posso dizer que estava à procura de filmar algo que conhecia bem, no sentido de que sabia exatamente o que iria encontrar. Queria filmá-lo para mostrar às pessoas o Luís Miguel Cintra que eu conhecia, a que tinha acesso, e o quão privilegiada era ter esse acesso.

Só que, entretanto, quando comecei a fazer as filmagens [“Ilusão”], coincidiu com o fim do Teatro da Cornucópia. O próprio Luís Miguel estava numa fase muito diferente da vida, numa espécie de balanço, refletindo sobre como viver uma vida totalmente diferente daquela que tinha até então. Fazia três espectáculos por ano, e não tinha quase tempo para mais nada além de pensar e preparar os próximos espectáculos. E de repente, encontrou-se numa outra situação.

Portanto, quando comecei a filmá-lo, nós dois ficámos ali um pouco em processo de descoberta.

Também queria lhe perguntar exatamente isso, porque ao encontro do Luís Miguel Cintra do passado, o filme também tropeça no Luís Miguel Cintra de hoje?

Claro. Porque a minha ideia sempre foi essa. A minha intenção nunca foi fazer um filme recorrendo a imagens de arquivo. Decidi fazer um filme com o Luís Miguel Cintra de agora, aos 74 anos, na sua vida atual, sem a companhia do Teatro da Cornucópia, e um pouco também afastado do cinema enquanto ator. Quis enfrentar a vida tal como ela é, sem fugir da realidade presente, que também é uma busca constante — uma busca não só pelo sucesso e pela felicidade, mas também por tudo o que faz parte da vida dele.

Foi um caminho muito mais difícil de percorrer, mas também me pareceu muito mais interessante e pessoal.

Sim, é verdadeiramente pessoal, mas permita-me dizer que, pelo menos falando da minha experiência, saí da sala um pouco melancólico e triste.

Mas a vida é triste …

Não posso deixar de concordar. Isso também está ligado à escolha da última cena do filme, que é a transmissão da última cena do “filme da vida de Luís Miguel Cintra”, “Le carrosse d'or”, de Jean Renoir. A sequência final, tanto do filme dele como do seu, transmite a ideia de que ele pertence ao mundo dos atores, ao mundo do teatro, enquanto o resto do mundo se torna a plateia. Ou seja, este Luís Miguel Cintra que você filma, que está ligado ao real, esconde um Luís Miguel que se interessava pelos espectáculos e que traz consigo uma certa nostalgia do teatro.

Mas um ator vai sempre ter saudade do espectáculo, porque ser ator é algo que nunca se abandona. Não se demite dessa função; um ator continuará sempre a pensar como ator, ainda mais quando é um criador como ele é. É impossível que isso não faça parte da vida dele todos os dias. Por isso, “Le Carrosse d'Or” é o filme da vida do Luís Miguel, porque Anna Magnani, a personagem principal, escolhe o teatro em vez da vida comum. Ela escolhe permanecer nesse mundo. E, de certa forma, o Luís Miguel também escolheu o teatro, porque viveu toda a sua vida para isso. Ele não criou os laços que talvez outras pessoas tenham criado, como ter filhos e, mais tarde, na vida, recorrer a esses familiares que oferecem mais proteção. Ele escolheu o teatro, ser um criador, artista, pensador, e continua nesse caminho até hoje.

E até no cinema, parece que ele tem estado a afastar-se, praticamente. Lembro-me de um encontro com ele em 2018, quando passaram “A Ilha dos Amores”, em versão restaurada, no Festival de Cannes. Ele respondeu-me a uma questão envolvendo mercado de trabalho e o envelhecimento dos atores de que os jovens já não criam personagens de “velhos”. Ou seja, ele sente que já não tem lugar neste novo “universo” cinematográfico que está a emergir para as novas gerações, porque já não há a tendência de escrever personagens para atores como ele.

Nem para ele, nem para outros atores da sua geração... Não se pode dizer que isso seja uma regra geral, mas o cinema da época dele, desde o início até há relativamente pouco tempo, tinha uma narrativa muito diferente daquela que se vê agora. Talvez por isso ele não se identifique tanto com o cinema atual. Embora seja uma pessoa bastante livre e cheia de vontade de continuar a explorar novas formas de fazer arte, talvez sinta que as coisas estão mais vazias hoje em dia. Parece que tudo quer chegar muito rapidamente ao objetivo, com uma ânsia de alcançar o sucesso de forma imediata.

Ilusão (2014)

Achas que envelhecer é mau para um ator?

Não há nada de mal em envelhecer para um ator. Também digo isso enquanto atriz. Envelhecer é muito bom. Para começar, é sinal de que estamos vivos, e isso já é uma maravilha [risos]. Mas, quer dizer, tens uma noção da matéria dada. Trazes contigo a tua vida, as tuas experiências, o que fizeste e o que encontraste. Ficas com saudades de ‘coisas’ que já fizeste, mas também encontras novos desafios o qual tens que enfrentar, gostando ou não. Aprender com eles faz parte do crescimento. É um processo evolutivo.

Vamos recuar um pouco e falar de “Ilusão”. Apesar de em relação à Cornucópia haver um prenúncio de “fecho de portas” no ar, “Ilusão” foi concretizado em 2014, e a companhia encerrou em 2016. De certa forma, o filme, mesmo que inconscientemente, foi um tributo à Cornucópia e à sua memória?

Ilusão" foi uma homenagem, mas não foi criado com essa intenção consciente. Na verdade, tinha feito outro projeto antes. Em 2010, realizei “Vê-Los Assim Tão Pertinho” (2010), uma experiência com as Comédias do Minho, que trabalha muito com a comunidade e explora emoções e conceitos relacionados ao Minho. Após essa experiência livre, fiz “8816 Versos” (2013) com o ator António Fonseca, um filme em que acompanhei a decoração dos Lusíadas. O Luís Miguel viu esse filme, gostou e como tal me fez uma proposta: visto que estava a trabalhar com não-atores, o público da Cornucópia, e estudantes de teatro, desafiou-me a acompanhar todo o processo e a fazer um filme sobre isso. Aceitei o desafio com muita vontade, porque era algo novo para mim acompanhar o trabalho do Luís Miguel e da Cristina Reis com pessoas sem a disciplina e a rotina de atores.

Assim, comecei e deparei-me com a Cornucópia exatamente como a conhecia: com a mesma seriedade, rigor, alegria e imaginação, mesmo com não-atores. O que fiz foi mostrar o trabalho da companhia através daquele espectáculo, que incluía os primeiros textos de Federico García Lorca, e que resultou numa peça bastante especial.

Com o “Verdade da Consequência?” explorava outras abordagens. O Luís Miguel costuma dizer, e menciono isso no filme, que invento novas formas de me relacionar com ele. Talvez seja verdade. Talvez tenha sentido um pânico ao perceber que o teatro da Cornucópia estava a desaparecer e não quisesse deixá-lo ir embora. Foi uma maneira de manter essa inspiração e a sua influência comigo, de continuar a aprender com ele e a olhar para o mundo da maneira que ele o faz e o qual tanto admiro.

Foi uma experiência muito bonita, emotiva e divertida, e esses momentos refletem-se de alguma forma no filme.

E em “Verdade ou Consequência?” quem é que teve a ideia da viagem?

Fui eu que tive a ideia da viagem porque, na verdade, queria fazer umas quantas com ele. O meu objetivo, desde o início, era viajar para Espanha, porque o Luís Miguel nasceu lá, como ir a Itália, porque isso está muito ligado à sua educação; quando era jovem, ele viajava frequentemente para aprender História da Arte, e também para a França, pelas mesmas razões, relacionadas com a sua educação. Tínhamos, portanto, pensado em fazer várias viagens. Só que, entretanto, aconteceu a pandemia e só conseguimos ir a Espanha, em 2019. Logo a seguir, veio a pandemia, e não conseguimos fazer mais nada. Tudo ficou um pouco diferente.

Decidi, então, planeei que o Luís Miguel me mostrasse o seu “mundo” a partir da sua própria casa, porque a pandemia trouxe-nos uma nova visão sobre o conceito de casa, não é? O confinamento fez-nos pensar nas nossas raízes, onde realmente pertencemos. Ele tem uma casa no Porto e outra em Lisboa. Qual é, então, a sua verdadeira casa? Essa questão abriu uma nova perspetiva o qual não tinha considerado antes, mas que me fez refletir graças à pandemia. A escolha de fazer o filme sozinha, sem equipa, também está relacionado com esse contexto, porque era muito arriscado levar uma equipa de filmagens para dentro da casa dele.

Por isso, resolvi fazer tudo entre mim e ele, e acho que funcionou bem.

O mundo dele, a sua casa, rodeada de imagens sacra …

Sim, a casa dele já é um mundo por si só. A casa dele é, no fundo, uma enorme coleção de mundos. E isso é muito bonito. São imagens, algumas com muito valor, outras sem valor nenhum. É como se ele criasse uma pequena Humanidade dentro da sua própria casa.

O Luís Miguel Cintra, de certa forma, é um mundo em si mesmo. Lembro-me que no “Dicionário do Cinema Português”, o crítico Jorge Leitão Ramos o declarou como “o melhor ator do mundo” …

John Malkovich afirmou o mesmo …

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Luís Miguel Cintra e Catherine Deneuve em "O Convento" (Manoel de Oliveira, 1995)

O Malkovich … sim, ia acrescentar isso. Após a rodagem de “O Convento” (Manoel de Oliveira, 1995), John Malkovich lançou a hipótese de que Luís Miguel Cintra tivesse ido para Hollywood, seria considerado um dos melhores atores do mundo. Mas apesar de tudo isso, há um sentimento de que o Luís Miguel Cintra permanece um tanto na sombra em Portugal.

Não sei se ele está na sombra... Quer dizer, estar na sombra depende do público. Ele é um ator que, para começar, não tem necessidade de se promover, porque a sua obra já fala por si. Além disso, sempre foi um homem que trabalhou imenso. Se formos a ver, ele trabalhou com praticamente todos os realizadores portugueses, participando nas suas primeiras obras, e isso é incrível. Acho muito bonito alguém aceitar participar nas primeiras obras de realizadores, e ele tinha muito gosto nisso. Isso também diz muito sobre a sua personalidade e o seu comprometimento para com o Cinema.

Ele fez filmes que podemos ver e apreciar. Como ator, trabalhou 45 anos, foi encenador e diretor de uma das maiores companhias de teatro em Portugal, e talvez até na Europa. Para mim, pelo menos, é uma figura de destaque. Portanto, essa ideia de estar na sombra... Não sei, sinceramente, não o partilho.

Sobre a estreia deste filme agora [produzido em 2022, estreado em 2024] ... Sei que é para celebrar os 10 anos do Cinema Ideal, mas também há algo mais pessoal por trás disso. Recordo-me na Cinemateca que deram prioridade à publicação do livro “Luís Miguel Cintra: O Cinema”, e, embora seja um pouco agressivo dizer isto, mas essa urgência estava ligada à preocupação de o fazer antes que ele “partisse”. Ou seja, também há esta intenção de estrear o filme quase como uma homenagem.

Não, não queria de todo... É claro que queria estrear este filme com o Luis Miguel vivo, com saúde, para que ele pudesse acompanhar-me no que será agora o percurso do filme. Conto com ele para ir comigo, viajar, e aproveitar a vida, porque ouvi-lo é sempre uma experiência única. Esse era o meu objetivo. Não fiz o filme a pensar que o Luís Miguel não estaria cá quando o filme ficasse pronto.

Não senti essa urgência de que falas. Demorei o tempo que precisei para terminar o filme. Comecei a prepará-lo em 2019, e agora estamos em 2024. Houve a paragem da pandemia e depois continuei as filmagens, seguiu-se a montagem, e houve outras pausas, porque também sou atriz e faço bastante teatro. Muitas vezes, tinha ensaios e espectáculos, então, o processo foi feito aos poucos.

O Luís Miguel tem uma doença que as pessoas já sabem, ele tem Parkinson, mas não tem mais nada além disso. Apesar de tudo, já tem o diagnóstico há bastante tempo e tem conseguido viver com ela. Não está, de todo, no fim. A doença tem o seu tempo, e ele tem conseguido controlá-la. Ainda está numa fase em que consegue lidar com isso.

Ele continua a fazer as suas peças e a montar os seus espectáculos. Alguns desses projetos acontecem, outras vezes nem por isso, mas ele não está parado. A mente dele continua sempre ativa …

São mais as que acontecem ou as que não acontecem?

Na verdade, já aconteceram três espectáculos desde que a companhia terminou. Pelo menos participei em dois deles; “Dom João”, uma produção longa, com cerca de quatro horas, e “Pequeno Teatro ad usum delphini vanitas”, que aparece no filme e é inspirado em Dom Quixote. Além disso, fez um em conjunto com o pianista João Paulo Santos, que também é mostrado no filme. Ou seja, durante o tempo em que estive a filmá-lo, ele estava ocupado em peças de teatro, numa oratória, e a colaborar comigo nos nossos projetos. E ainda tem muitas outras ideias para futuros projetos.

Enquanto atriz, filmes como estes consomem-lhe muito tempo?

Consome sim. O filme foi feito um pouco por etapas. O Luís Miguel vive no Porto e, de vez em quando, vinha a Lisboa. Então, aproveitava esses momentos ou combinava períodos em que ele ficava em Lisboa para que pudéssemos fazer as filmagens. Outras vezes, ia ao Porto e filmava lá. Foi preciso muita disponibilidade, especialmente para saber ouvir e observar com atenção, para depois conseguir transmitir isso no filme. Tudo foi concebido de uma forma muito espontânea e pouco planeada. Nunca combinamos antecipadamente o que iríamos falar, dizer ou ouvir. Foi um processo bastante orgânico.

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Sofia Marques e António Mortágua em "Ramiro" (Manuel Mozos, 2017)

Em relação ao cinema, constante que tem uma carreira longa e diversificada, contudo, destaco dois papeis, o de “Veneno Cura”, da Raquel Freire (2008), que aliás que também participou na primeira obra dessa realizadora [“Rasganço”, 2001], e “Ramiro”, de Manuel Mozos (2017). Porque olhando para o seu percurso em grande tela, vejo colaborações com João César Monteiro [“As Bodas de Deus”], João Botelho [“Um Filme em Forma de Assim”, “Corte do Norte”], Mário Barroso [“Ordem Moral”], Jorge Cramez [“Amor Amor”], Joaquim Pinto [“Pathos Ethos Logos”] e Christine Laurent [“Demain?”], mas praticamente tudo reduzido a papeis secundários ou de passagem. Portanto, a minha pergunta, é, as suas participações cinematográficas são escolhas suas ou são os papeis que lhe chegam a si?

Deixa-me só acrescentar o “Cinarauma” de Inês Oliveira (2010) … Interessa-me imenso o cinema português, mas também já deves ter percebido que às vezes é muito difícil porque acaba por ser sempre os mesmos atores que fazem cinema em Portugal.

Portanto, é uma questão dos papeis não chegarem a si …

Não me queixo, porque estou sempre disponível e aproveito todas as oportunidades que tenho. O projeto “Veneno Cura” foi algo que adorei fazer, com uma entrega absoluta. Gostei imenso de trabalhar nesse filme, e a colaboração com toda a equipa de cinema foi muito especial. Fiz grandes amigos aí, e que ainda hoje são meus amigos. Foi um projeto realmente bonito. O “Ramiro” foi também uma maravilha, pois adoro o trabalho do Manuel Mozos e o seu cinema. Foi um prazer enorme participar nesse filme.

Gostaria de ter mais oportunidades no cinema, mas, no fundo, é preciso que os realizadores estejam dispostos a arriscar em trabalhar com atores que talvez não estejam sempre em todos os filmes. É legítimo que eles escolham atores e atrizes que imprimem algo especial nos seus projetos, e, se gostarem do trabalho, podem querer incluir esses talentos nos seus filmes.

Curte a Curta: 2ª edição dos Prémios Curtas

Hugo Gomes, 10.04.24

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Fotografia.: Ricardo Fangueiro

Após o seu nascimento e os primeiros passos, chegou a tão aguardada segunda edição dos Prémios Curtas, que teve lugar no Cine-Turim no passado dia 6 de abril, num sábado à noite em Lisboa, cidade com "400 e tal coisas para fazer", como citou o anfitrião da cerimónia, Rui Alves de Sousa. Apesar disso, a sala estava praticamente cheia. Sentia-se no ar o ambiente de premiação, mas acima de tudo um espírito de camaradagem cinematográfica entre produtores, realizadores, atores e outros técnicos, todos ansiosos pelos títulos conquistados e pela promessa de uma terceira edição (provável, mas quem sabe). Aceitei o convite de André Marques (o "outro", não o realizador) em integrar uma equipa de jurados* ainda na sua génese, sempre com o intuito de contribuir e opinar para a formação de um júri de excelência e referência. Já no final da primeira edição e perante uma segunda edição à vista, voltei a aceitar o convite, quanto à terceira, ainda espero por um pedido oficializado. Contudo, saindo do parênteses e voltando ao que “aconteceu”, poderemos encarar a adesão e o falatório (principalmente o gerado na comunicação social) como sinais de estarmos no caminho certo.

Quanto à premiação propriamente dita, apesar de “Monte Clérigo” de Luís Campos ter sido o vencedor da categoria de Melhor Curta de Ficção, foi a animação de Maria Hespanha, “A Rapariga de Olhos Grandes e o Rapaz de Pernas Compridas" que se autointitula de grande vencedor da noite. Foram quatro os prémios atribuídos; Animação, Argumento, Direção Artística e Banda Sonora [Pedro Marques]. Seguido pela também animação “Ana Morphose” de João Rodrigues (Som / Efeitos sonoros e Efeitos Visuais), “Maria José Maria” de Chico Noras (Montagem e Caracterização), “Natureza Humana” de Mónica Lima (Realização e Direção de Fotografia [Faraz Fesharaki]) e “Febre de Maria João” de Afonso e Bernardo Rapazote (Ator Secundário para António Mortágua e Guarda Roupa). Já os restantes, foram para a atriz Teresa Sobral pela sua interpretação em “Sagrada Família” de Diogo S. Figueira, Isac Graça como Ator em “Heitor Sem Nome” de Vasco Saltão, Maria Leite como Atriz Secundária por “Abafador” de Silvana Torricella, Gabriel Pêra vence Interpretação Infantil por “Capa de Honras, La Cuonta de L Garotico I L Bielho” de Rui Falcão, e “Défilement” de Francisca Miranda como Curta Documental.

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Os premiados e os jurados / Fotografia.: Ricardo Fangueiro

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Fotografia.: Ricardo Fangueiro

*Bruno Gascon (realizador), Inês Sá Frias (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Bernardo Freire (crítico), André Pereira (videografo e editor de vídeo), Filipa Amaro (realizadora), Carolina Serranito (programadora), Hugo Azevedo (diretor de fotografia), Bruno Bizarro (compositor).

Manuel Mozos: "Mas é óbvio que terei o fantasma do “Xavier” para me assombrar"

Hugo Gomes, 10.03.18

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Manuel Mozos

Manuel Mozos é uma peça importante no cinema português contemporâneo. A sua geração, na qual cabem autores como Pedro Costa, Teresa Villaverde e Joaquim Leitão, tem sido apontada desde sempre como “salvadores” de um cinema escasso. A sua prolificidade tem o transformado numa figura constantemente presente, contudo, em comparação com os demais, a sua visibilidade é quebradiça. A culpa, possivelmente, é de um certo e proclamado fantasma: Xavier.

De qualquer modo, é “Ramiro” que com carinho o recebemos no seu regresso à ficção, nove anos depois de “4 Copas”. Esta história de um alfarrabista preso à sua passividade e ao passado glorioso que deixou fugir entre mãos é uma comédia tragicómica que vai ao encontro de uma Lisboa a passos da sua modernidade, assim como da personalidade que Mozos assume nesta “Glória que é Fazer Cinema em Portugal”.

De onde surgiu a ideia de Ramiro?

Bem, a ideia não é minha. Esta surgiu de Telmo Churro e de Mariana Ricardo, que escreveram o argumento, e me propuseram certo dia. Aceitei e, uns dias depois, eles apresentaram-me uma versão reduzida que gostei. Foi então que incentivei-os a avançar com essa mesma ideia. A partir daí trabalhamos em conjunto, tínhamos reuniões, encontros, mais propriamente, íamos falando. No fundo […] o projeto encontrava-se bastante próximo daquilo que tenho feito na arte da ficção. Uma intriga sobretudo centrada nas personagens, sendo a central alguém um pouco desfasado da realidade, e os espaços que vão desaparecendo e que se vão transformando.

De certa forma, Ramiro é uma personagem tragicómica, como disse, o seu mundo está a transformar, mas ele não recusa tal metamorfose.

Ou seja, a ideia era mesmo ter esse pendor tragicómico. Porém, não queríamos uma personagem somente restringida a esse sentido. Não pretendíamos um “velho do Restelo”, que olhava permanentemente ao “antigamente”. Queríamos fragilidades, uma figura inábil na sua relação com os outros, criando assim uma certa comicidade, digamos.

Existe uma frase dita pelo próprio Ramiro que desmistifica toda a sua personagem que é “E foi então que descobri que sou um ser passivo”. Aliás, porque como nós já percebemos, o mundo mudou mas ele não quer saber dessas mudanças.

Concretamente há uma certa resistência saliente da parte dele em fechar-se ao Mundo, não é que esteja contra o Mundo, mas ele próprio forma ao seu redor um casulo. Depois, quando tenta espreitar fora dele, depara-se com um cenário não muito confortável. Ramiro vai repentinamente viver com algumas situações que para pessoas “mais normais” [risos] não seria nenhum problema, mas para ele são grandiosos desafios, porque simplesmente limitou-se àquela redomazinha, o entre a casa e a loja, a loja e a tasca com os amigos. Um mundo pequenino, portanto.

E aí entra o paralelismo com as novelas. Ramiro consegue por fim ver telenovelas no ecrã e subitamente a sua vida transforma-se em conformidade com isso.

Sim, queríamos brincar com essa dimensão. Ele não ligava às novelas e à conta de outros acaba por tornar-se espectador das mesmas. As novelas acabam por ser um reflexo do mundo em que ele vive, que transforma-se num autêntico conto novelesco.

Quanto à entrada de António Mortágua no elenco? A sua escolha até o processo criativo da personagem.

Não gosto de fazer castings, até porque a certa altura, tendo um argumento sólido, começo a pensar quais os atores que servirão para essas personagens criadas. Uns são mais fáceis de encaixar, outros mais complicados, consoante as hipóteses e dependendo do conhecimento que tenho desses mesmo atores. O único casting feito para “Ramiro” foi o da personagem de Daniela, que seguiu para Madalena Almeida, devido à sua faixa etária. Esse casting exigiu muito trabalho, visto que muitos desses candidatos são atores que fizeram pouco ou que ainda estavam a estudar interpretação. Muitos deles apenas sonhavam.

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Ramiro (2017)

O caso do António foi mais complexo. Eu conhecia-o, não pessoalmente, de duas peças de teatro, e ele não tinha feito nenhum filme. Portanto, decidi arriscar e contactei-o. Ele ficou surpreendido, até porque não estava à espera de fazer cinema, assim me disse numa conversa muito aberta, onde também lhe confessei o pouco que conhecia do seu trabalho. Começamos a fazer ensaios e a perceber melhor como iriamos conceber a personagem central. Pouco a pouco, íamos tendo conversas sobre o argumento, sobre a personagem e às tantas julgo que ficamos convencidos que valia a pena o risco. Sinceramente, estou bastante satisfeito com a decisão dele e da sua parte julgo também estar.

Até que ponto esta personagem do Ramiro tem um polvilhar de autobiografia?

De alguma maneira sim. Na verdade, quando li a primeira versão do argumento que me entregaram automaticamente exclamei, pelo que eles afirmaram: “Sim, é verdade. Por isso é que propusemos a ti”.

De facto, o que não quero é que julguem que aquilo representado é a minha vida. Sim, existem algumas similaridades, ou proximidades da minha vivência com a do Ramiro, sem dúvida, mas isto não é um filme autobiográfico. Ao trabalhar no filme notei sobretudo esses elementos, mas de certa forma os meus filmes anteriores já indiciavam isso, essa conformidade para com a minha vida. Aqui talvez possa ter mais proximidade, mas sempre vi este lado biográfico representado em outros projetos meus como “Xavier” ou “… Quando Troveja”, que respetivamente marcam e espelham etapas da minha vivência. Em relação a “Ramiro”, não gosto de carregar isso, quem me conhece poderá identificar tais ligações.

O Manuel tem a consciência de que a personagem do Ramiro possui um livro da sua autoria que é visto como uma obra fundamental da literatura portuguesa, mas esquecido e cujos objetivos não foram cumpridos. Isso torna-se uma alusão ao seu “Xavier”, cujas infelicidades de produção o desviaram da obra que poderia ter sido. Quero com isto pegar numa frase apropriada de um documentário, “Glória de Fazer Cinema em Portugal” – Custa fazer Cinema no nosso país?

Sim, custa. E se custa. Mas não é só para mim, é para todos. Obviamente o título de “Glória de Fazer Cinema em Portugal” possui uma carga irónica, principalmente para mim hoje. Mas nem sempre foi assim, quando estava a fazer o “Xavier”, detinha um certo tipo de ambição, aliás trabalhava no filme um ano depois da primeira obra – “Um Passo, Outro Passo e Depois…”.

Mas foi a partir daí que as coisas mudaram, quer dizer, até certa altura pensava “isto está a correr bem”, mas o “desastre” trazido por “Xavier” [devidos a problemas de produção] colocou isso de parte. Apesar de tudo, consegui ir fazendo filmes, uns mais visíveis, outros menos visíveis, e num determinado ponto, visto que já não tenho a juventude, nem o fulgor de há trinta anos, posso fazer uma auto-ironia daquilo que faço, e por outro lado estar apaziguado com essa ideia.

Há ainda esse lado, o do realizador que teve um percalço e ficou numa situação esquecida de visibilidade. Esse é um lado que pode aproximar à figura do Ramiro, que trará escrito um livro importante de qualquer maneira, mas de algum modo bloqueou a sua criatividade.

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Xavier (1992)

Mas ao contrário do Ramiro, o Manuel não bloqueou …

Sim, não bloqueei, mas em termos de visibilidade é um bocado parecido. O de viver com a ideia de que poderia ir para um lado mas a carreira não seguiu. Nisso sim, há um paralelismo com o Ramiro.

De certa forma é um pouco triste todos relembrarem que foi o realizador do “Xavier” e constantemente estarem a trazer isso à tona?

Não. Para já, há algo muito curioso que é o facto de muita gente não ter visto o “Xavier”. Sim, podem falar ou conhecer a história por detrás, mas são mais aqueles que o nunca viram. Por outro lado, felizmente, isso já é levado por outros dois filmes meus que eventualmente tiveram mais visibilidades, como no caso do “Ruínas” e do “Outros Amarão As Coisas que eu Amei”, ou até mesmo o já referido “Glória de Fazer Cinema em Portugal”, que de algum modo me deram um outro tipo de atenção. Mas é óbvio que terei o fantasma do “Xavier” para me assombrar [risos].

É certo que em “Ramiro” encontramos influências do cinema de Miguel Gomes, aliás, recorda-se que trabalhou em inúmeros projetos do realizador e os argumentistas de Ramiro são colaboradores habituais.

Nós conhecemo-nos pela primeira vez no Porto durante uma edição do Fantasporto, onde projetava o meu “… Quando Troveja”. Na altura, Miguel era jornalista do Público, e em alturas do festival escreveu uma crítica muito benéfica, aclamado que o filme seria uma referência no cinema português. Lá contactou que gostaria de fazer-me uma entrevista e fez, e foi a partir daí que, de algum modo, criamos uma amizade.

Na sua segunda curta-metragem (“Inventário de Natal”), o Miguel convidou-me para o cargo de anotador e responsável pela montagem do filme, uma colaboração que foi repetida com a sua primeira longa (“A Cara que Mereces”), onde trabalhei no argumento ao lado de Telmo Churro. Mais tarde conheci a Mariana Ricardo.

Quando tinha o projeto “Ruínas”, pertencíamos todos à mesma produtora, sendo que criamos uma espécie de relação quase familiar. Obviamente não é a única produtora em que tal sucede. Várias começaram desta maneira. Apesar de tudo, o Miguel nunca faria o “Ramiro”, assim como eu não faria o “Mil e uma Noites”, não por não querer, mas se isso acontecesse resultariam filmes completamente diferentes. O cinema do Miguel é dele mesmo, o meu é o meu. Não sei até que ponto as influências são óbvias, mas acredito que o facto dos argumentistas oscilarem entre projetos, compõem uma espécie de núcleo o qual o Miguel assume. Núcleo base como motor da sua filmografia. Não trabalho assim, porém, se eles [Churro e Ricardo] propuserem outros argumentos para mim, ótimo.

Um facto curioso, "Ramiro" foi o filme escolhido para abrir a passada edição do Doclisboa …

[risos] Confesso que também fiquei surpreendido após a proposta do Luís Urbano [da produtora Som e Fúria], e ao mesmo tempo hesitante, visto que é uma ficção e não um documentário. Então falei com a direção do Doclisboa que se sentiam agradados com a escolha. O argumento encontrado é a possibilidade de abrir portas no festival, não restringindo a um só formato de cinema.

É verdade que a fronteira do que é documentário e do que é ficção vai-se esbatendo ano após ano, mas mesmo assim … abrir um festival especializado em documentários. Lá, eles alegaram que de certa maneira “Ramiro” possui uma face documental, o retrato de uma Lisboa em transformação, e cuja inserção na programação poderia levar o festival a passar ficções, até porque os planos deles são apresentar retrospetivas de autores que desbravaram nesses dois mundos. Se formos a ver bem as coisas, o Indielisboa, por exemplo, não passa só cinema independente, nem o Curtas Vila do Conde é exclusivo a esse formato.

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Ramiro (2017)

Pegando nesse termo, “o retrato de uma Lisboa em transformação”, e no seu documentário, "Lisboa No Cinema, Um Ponto De Vista", considera a cidade num local eficazmente cinematográfico?

Absolutamente. Lisboa é definitivamente cinematográfica. Desde o ambiente à sua atmosfera e até mesmo a qualidade e a disponibilidade da luz, apesar disso ser por vezes um pesadelo para os diretores de fotografia. Mas falamos de Lisboa, assim como falamos do Porto, que é igualmente cinematográfica, mesmo soturna e mais pesada. Aliás, gostaria de reformular que Portugal tem das cidades mais cinematográficas.

Novos projetos?

Quase garantidamente estou com um documentário, mas ainda não sei quando irei filmar e antes disso vou preparar o trabalho de pesquisa. Terá algumas proximidades com o “Ruínas”, e será sobre espaços concentracionários no qual esbarrarei em algumas figuras históricas, como por exemplo Camilo Castelo Branco e o poeta António Gancho. Será um filme que relaciona espaços com as personalidades.

Ainda tenho algumas outras curtas a serem preparadas, mas ainda em fase embrionária. De momento procuro ideias para uma nova ficção.

Um “loser” à moda alfacinha

Hugo Gomes, 21.10.17

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Ramiro é aquilo a que poderíamos apelidar cinematograficamente de «loser», uma personagem à deriva da sua sorte, encostada às “cordas” do passado, da glória que lhe nunca passou, nem sequer o esforço que detêm para a atingir. A certa altura, o protagonista-título confessa aos seus amigos que acabara de descobrir a sua passividade (“Sou uma pessoa passiva”), sequência-chave que revelará por completo a sua anti-tour de force, até porque o seu talento, diversas vezes mencionado por outros, nunca fora devidamente reconhecido, assim como conquistado. O seu proclamado bloqueio criativo é simplesmente fruto desse autodesprezo.

Mas Ramiro não é de todo um desprezível, é dotado de uma boa índole, o espectador crê isso através dos seus atos minuciosos, na sua teimosia controlável que nos leva aos seus próprios demónios, o medo; o medo de falhar, automaticamente, o medo de tentar.

É fácil simpatizar com este Ramiro, nem que seja pela interpretação derivante do ator António Mortágua, um laço de empatia com uma audiência que se lança nas prateleiras de um alfarrabista em busca de preciosidades. O que encontramos é “livros esquecidos”, estilos não vingados, enredos antiquados com o intuito de agradar aos “velhos do restelo” ou os reféns das “coisas que outros amaram”. Porém, e utilizando esse mesmo lugar, “Ramiro” enquadra-se num cinema português desadequado, não pela inutilidade estilística, mas como oposição às novas vagas que tendem em: a) manejar a experimentação narrativa e visual no qual diversas vezes disfarça a pura incapacidade; b) a sedução pelos formatos wannabe hollywoodescos, de forma a repudiar toda uma História da nossa cinematografia.

Tal como a personagem, Manuel Mozos cria um filme passivo na sua positiva afirmação, até porque é em “Ramiro” que evidenciamos um cinema lúcido, intrinsecamente português-alfacinha e discretamente irónico, mesmo sob as influências de João César Monteiro e dos seus constantes e castiços trocadilhos. Talvez tenha sido a experiência com Miguel Gomes, outro influenciado pela natureza do anterior “João de Deus”, o catalisador para esta invocação. Porém, Mozos não pretende o mero tributo. O filme concentra-se sobretudo numa saudação, a vénia a uma iminente emancipação, assim como a transformação de Ramiro após a perda do seu mentor.  

Eis um pequeno achado do cinema português, um “livro” poeirento e esquecido na mais oculta das prateleiras que resulta na mais graciosa das descobertas. Sem alterar o curso do nosso cinema, temos aqui filme e não pretensões.