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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Conspiração Macedo

Hugo Gomes, 30.10.17

Nos-Intersticios-da-Realidade-ou-o-Cinema-de-Anton

Para João Monteiro, existiu uma “conspiração”, uma tentativa de fazer esquecer aquele que, para além de ter desafiado um regime e uma religião, insurgiu-se com a forma de fazer cinema em Portugal. António de Macedo, um dos nossos raros exemplos de cineastas do cinema de género, foi esse rebelde, um corpus de estudo neste filme que visa procurar as causas do seu (in)voluntário afastamento, assim como a rendição de certos e velhos inimigos (António-Pedro de Vasconcelos).

Monteiro, um dos programadores do MOTELx, encontrou na figura assombrosa de Macedo um motivo para as inúmeras edições da sua mostra, com foco na secção Quarto Perdido, que consistia em “vasculhar” em arquivos por filmes que Portugal esqueceu, muitas vezes não por querer, mas sob derivações de forças maiores. Depois do trabalho terreno, Monteiro comprimiu toda a sua investigação e concebeu-a num formato de documentário. Um formato sem forma, assim por dizer, de molde televisivo com rigor jornalístico, mas esquivo no que refere à linguagem cinematográfica. Mas, em todo o caso, o objetivo não foi a construção de um documento expressivo com “garra” de transgredir toda uma arte. Falemos de “Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo” como um exemplar recheado de uma certa motivação de ativismo, com ansiedade de ser sobretudo ouvido, neste caso, visto e refletido.

Não é só o legado de Macedo que está em causa aqui. Monteiro, seguindo esta via, questiona todo um Cinema que foi direcionado por uma única vaga de pensamento. Até certa altura culpa-se os “godardianos”, os seguidores fundamentalistas do cineasta francês, de tamanha importância histórica (vamos ser fatuais), cuja imagem tornara-se iconoclasta, divindade acima de cinéfilos esclavagistas. Macedo tem palavras fortes para todo este movimento e a Jean-Luc Godard em particular, neste seu holofote. E refletindo nesse “todos querem ser um novo Godard” percebemos no estado que o nosso cinema parece ter atingido atualmente, um pensamento meta indiciado por um filme tão disforme, quase centralizado a um lado pedagógico, sobre um dos realizadores mais interessantes e dedicados que Portugal soube alguma vez produzir. 

O "menosprezo" da importância do cinema de investigação

Hugo Gomes, 25.10.17

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Quem é Bárbara Virgínia? (Luísa Sequeira, 2017)

Há uma vertente que levemente tem surgido no panorama do documentário português, uma vertente jornalística, não a de mera entrega de informação, mas de investigação. Essa no qual poderá denotar o pessoal (identitário) ou coletivo (demanda para a divulgação, preservação de memória). Este tipo de documentários, que se prolongam ou evitam o cinema como mera lente de documentação de imagens (que porventura poderá anexar-nos a memórias etnográficas e épicas), não são de todo bem vistas na comunidade-nicho da cinefilia. Há quem os acuse de aligeirar o poder e possibilidades (de momento infinitas) de Cinema, desde a sua narrativa até ao estilo intrínseco e extrínseco, porém, e tendo em conta a muita da seleção presente de um Doclisboa, poderemos considerar esta “básica” forma de fazer documentário num registo outsider e porque não, na maioria dos casos, mais experimentais e concisos na sua abordagem.

Como exemplo desse cinema-investigação, Catarina Mourão elevou-se numa busca ínfima de autodescoberta com “A Toca do Lobo”, onde seguiria o paradeiro do avô da realizadora, figura que não conhecera por completo mas que deixou marcas. A realizadora / documentarista apresenta-nos um objetivo claro na sua proposta (“descobrir quem é este homem”), convite claro que o espectador retém no seu arranque, a viagem, essa, vinculada num híbrido entre a investigação propriamente dita e a deambulação pelas memórias pessoais. Em todo o caso, porque não reconhecer “A Toca do Lobo” como um objeto no limiar do intimismo e da retribuição social.

De estética pessoal, mas de caráter mais urgente, está “Quem é Bárbara Virgínia?”, de Luísa Sequeira, outra investigação [presente nesta edição do Doclisboa] que regista um pedaço de História portuguesa, neste caso Bárbara Virgínia, a multifacetada artista que se tornou na primeira mulher realizadora nacional, atualmente “apagada”, é o corpus de estudo que despoleta uma tremenda jornada de conhecimento pessoal com vista maioritária para o público e memória futura na “salvação” deste personalidade. O objetivo neste caso encontra-se no título (Quem é Bárbara Virgínia?). O espectador tem com isto a certeza do que vai encontrar, a proposta é clara. Quanto à forma como a mensagem é emitida, essa tem a sua razão de divergir dos moldes, digamos, televisivos. Luísa Sequeira consegue sobretudo uma investigação com uma apresentação intimista, até porque esta procura torna-se, para todos os efeitos, bastante pessoal (apercebemos o quanto a imagem de Bárbara Virgínia transgride da meta de estudo para a transferida pessoalidade numa determinada sequência, a anunciada morte de Virgínia e a reação da nossa documentarista perante tal).

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Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo (João Monteiro, 2016)

Porém, talvez de caráter urgente acima da sua pessoalidade, temos “Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo”, de João Monteiro, uma contagem de linguagem televisiva que visa em projetar o legado de Macedo e apurar as causas do seu “desaparecimento”. Obviamente que este documentário completamente destilado por entre footages e talking heads possui um propósito de preocupação pública e patrimonial, mas se o considerarmos como um objeto cinematográfico de requinte, a sua pobreza não o exaltará como algo mais. Contudo, o objetivo de Monteiro é mais do que simplesmente integrar uma teoria estilística, social e cinematográfica, é como um apelo, um ato ativista, esse, que poderá originar consequências futuras, quem sabe, a revalidação absoluta de Macedo, não simplesmente como tentador do cinema de género em Portugal, mas como cineasta. Estes três exemplos recentes de documentário português, uma minoria perante a divulgação dos festivais, formam um cinema de causa-efeito, a investigação como uma narrativa que não deve ser sobretudo desprezada.

O outro cinema, com exceção de alguns casos que conseguem através dos seus meios desbravar a sua linguagem, apresenta-se como máscara, escondendo a incapacidade e o amadorismo de muitos “documentaristas” pretensiosos, em busca do caminho fácil do estatuto autoral. Esse anti-cinema não deve ser sobretudo erguido como o Cinema, assim como o cinema na sua forma mais clássica, universalmente empática, não deve ser rebaixado a anti-cinema.