Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Só a estética fica ...

Hugo Gomes, 04.11.21

eternals-celestial-tiamut.webp

Após a experiência de ver "Eternals", conseguimos perceber a marca deixada por Chloé Zhao neste novo “épico por entre tempos” da Marvel e do seu Universo Cinematográfico sob a custódia da Disney: os cenários falam por si e está aqui aquela desolação imensa que reduz as personagens e os seus problemas a nada (e, ao mesmo tempo, a tanto) perante a dimensão do Mundo.

Mas a realizadora aqui é exatamente isso - estética - porque a identidade transparente de vários filmes que culminou no oscarizado “Nomadland” é traída pela força da máquina de produção Marvel. O espectro fica e engana-nos com a sensação de autoralidade inexistente. E nem se pode dizer que a culpa seja dela, mas antes do sistema de Hollywood em que surge inserida e a coloca como refém de uma empresa gigantesca e do seu projeto megalómano de fecundar e continuar um universo povoado de herois e vilões. Fora das lamentações autorais e artísticas, "Eternals" poderá ser aos olhos dos fãs um rebaixamento completo do Universo Marvel pois é um pastelão de duas horas e meia de personagens atiradas ao pontapé para conquistar um espaço que não lhes pertence.

Era uma aposta arriscada, mas não inglória, a de trazer à vida do cinema estas figuras secundárias e desconhecidas para muitos comuns dos mortais espectadores, apenas devidamente reconhecidas pelos fãs mais entranhados em tudo o que é Marvel. Para compensar, juntou-se um elenco estrelar, diversificado e aclamativo (Angelina Jolie a desafiar o seu “star power”) e a seguir segue o resto: os valores de produção, o CGI sem falhas aparentes, as sequências de ação movidas pela tecnologia que confirmam que tudo é agora possível, acrescidos da exaltação do romantismo e moralismo em vésperas do Armagedão. Portanto, "Eternals" é e não é um filme de Chloé Zhao. Eis um objeto convencional e convencido da sua complexidade (e vencido por ela), mas que constatamos com o tempo que é mais presunção no meio dos clichés de uma narrativa que praticamente se resume a "flashbacks" atrás de "flashbacks", tendo como brinde... mais "flashbacks".

Tudo isto é visualmente bonito? Sim, mas insuflado, automatizado e, pior de tudo, sem alma e sem personagens. Apenas uma "prova dos nove" para quem está habituado e se queixa do “mais do mesmo” da Marvel, aqui a testar a profunda devoção dos seus fãs.

Aqueles que me desejam a morte, a minha como a do “star system”!

Hugo Gomes, 19.05.21

Those-Who-Wish-Me-Dead-review-1.jpg

Num período, como este que experienciamos, onde grande parte do cinema americano é dependente de específicos polos “criativos” como o cada vez mais vincado subgénero de super-heróis ou o orientado e tido “cinema independente norte-americano”, uma recente produção encabeçada por Angelina Jolie faz-nos suspirar perante os resquícios de uma extinta “star system”.

Aquilo que era visto como a grande força de uma indústria, a sua comercialização de personalidades “fabricadas” que competiam por legiões e legiões de seguidores, atingiu o seu auge durante a época de ouro de Hollywood tornando-se esporádico e por vezes até (aparentemente) infalível até à chegada dos anos 2000. O que aconteceu não foi bem simples, mas o “salto em queda livre” obteve coordenação com as drásticas mudanças nos hábitos dos espectadores, da natureza das produções (cada vez mais focadas em personagens adaptadas dos “quadrinhos”) até à migração de passadas “grandes estrelas” para as séries televisivas, que por sua vez transportavam as audiências mais velhas deixando as grandes telas à mercê de outras faixas etárias.

Curiosamente, já Anthony Mackie durante a sua intervenção na Comic Con de Londres (em 2017), quase em modo de confissão, apontava a baixa qualidade da Hollywood contemporânea com o declínio do sistema estrelar, isto, perante um público que salivava por novidades da franquia “The Avengers”, o qual o ator participa enquanto personagem Falcon. “Já não existem mais ‘movie stars’. Anthony Mackie não é uma estrela de cinema, mas o “Falcon” é.” Hoje em dia entendemos o quanto desesperante que algumas antigas estrelas de cinema resistem à sua própria decadência, em esforços e resultados humilhantes, e nomes, outrora movedoras de multidões, como Will Smith, Tom Cruise ou Arnold Schwarzenegger, lidam com verdadeiros fracassos de bilheteiras, concorrendo com propostas mais familiarizadas ao público-alvo da indústria atual. A esta altura, o leitor desespera pela volta de 180º dada numa crítica a um filme como “Those Who Wish me Dead”, segunda longa-metragem dirigida por Taylor Sheridan (quatro anos depois de “Wind River”), mais popular enquanto argumentista de “Sicário” e do neo-western desconstruído “Hell or High Water”.

dead3-1.jpg

É bem verdade que este thriller de ação ambientado no Estado da Novo México, em plena estação de fogos florestais, encontra espaço no circuito comercial e na atenção dos medias e dos espectadores menos dados a efemérides cinéfilas como o filme de Angelina Jolie, realçando a réstia de poder numa estrela moribunda, mas ainda capaz de erguer, enquanto Atlas, um produto genérico como este. Sheridan toma posse de rascunhos do western, modelo de um enredo atualizado e, por vias de algumas piscadelas, atual (sendo este um guião com colaboração de mais outras quatro mãos e baseado num livro de Michael Koryta).

A subcamada política, porém demasiado sugestiva de forma a evitar confrontos ideológicos, funcionam como fuel nesta demanda moralizante (ao estilo desse velho género norte-americano), em que a personagem de Jolie (papel considerado a Nicolas Cage), uma bombeira acompanhada pelos seus fantasmas interiores, é “apanhada” no seio de um “complot”. A já batida equação do “homem errado, no sítio errado e na hora errada”, neste caso, obviamente, a mulher equivocada numa derivação de “Intriga Internacional” (“North by Northwest”), falha em “abraçar” os seus lugares-charneiros destas produções, pela desespero/apelo à emoção lacrimejante e por fim, como mero pormenor, os antagonistas, involuntariamente “inofensivos”. É como se os dois larápios de “Sozinho em Casa” dessem de caras com a “Tomb Raider” … uma luta bem desigual.

Embora não esperássemos tamanha viragem no género, “Those Who Wish me Dead” cumpre todos os requisitos necessários para entender-se como produto de ação passageira, e o fator Jolie opera aqui como um dos destaques salientes disto tudo. Não … não é a ressurreição do “star system” hollywoodesco, e sim, o espectro dessa sua (anterior) forte presença entre nós.