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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Os Melhores Filmes de 2022, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 28.12.22

Em 2022 pude constatar a queda anunciada do cinema norte-americano, por mais que se tente rechear as nossas salas comerciais com produções à lá Hollywood, pouco ou nada saem deles para além de fórmulas, refilmagens sob selos de novidades, produtos direcionados ao streaming e super-heróis com fartura (demonstrando a sua regra equacional a servirem para universos partilhados).

Num ano em que “Avatar” chega com a soberba atitude de experiência de sala, um “Top Gun”, outra aguardada sequela, abre caminho por via do físico a possibilidade sensorial em sala, isto num ano em que a Academia decidiu promover um filme de streaming (“CODA”, que num estalar de dedos caiu no esquecimento). Se existe filme de Hollywood a merecer destaque neste ano, então Maverick e Tom Cruise (de difícil desassociação) levam a medalha. Porém, também foi o ano em que Michelle Yeoh pode finalmente brilhar nas terra-yankee graças ao frenesim entre o parvo e de genial que fora “Everything Everywhere All at Once” de Dan Kwan e Daniel Scheinert, ou das memórias cinéfilas de Spielberg em “The Fabelmans”, ou do terror de mãos dadas para com o seu legado cinematográfico - “Nope”, de Jordan Peele e “X” de Ti West

Mas este 2022 a congregação de 10 filmes foram para mim difíceis, o que automaticamente me deixa agradado com o turbilhão de novas vozes e novos movimentos que florescem por este Mundo fora, do Japão ao Irão, da França à Suíça, da Noruega ao México, da Coreia do Sul a Portugal. E falando em território nacional, destaco 12 meses recheadas em variadas e diversificadas produções; o rural novamente motor de inspiração ("Alma Viva”, “Restos do Vento), um João Botelho livre e fluido (“Um Filme em Forma de Assim”) e uma surpresa na realização (“Revolta”), já em temática de festivais [ainda sem estreia comercial], as questões identitárias e geracionais com deslumbre encanto ("Périphérique Nord”, “Super Natural”, "Frágil", “A Visita e um Jardim Secreto”, “O Que Podem as Palavras"), mas apesar desse leque de possibilidades, a minha escolha nacional cedeu à melancolia, à incerteza, ao fim da juventude retratado no misterioso “28 ½” de Adriano Mendes

Segue os dez filmes do ano, segundo o Cinematograficamente Falando e respeitando o calendário de estreias nacionais (sala ou plataforma de streaming):

 

#10) 28 ½

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“Doloroso, é verdade, de igual forma que deparamos com a nossa impotência perante o “mundo em cacos” o qual tentamos ignorar - a sequência do comboio, o momento mais hitchcockiano que o nosso cinema português já produziu (e não por decorrer no interior de uma carruagem, mas pelo trabalhado “suspense” oferecido a um espectador com conhecimento suficiente, por exemplo, de que a personagem de Anabela Caetano tem destreza física e experiência para lidar com tão incomoda situação). E são estas constatações, este peso concentrado que nos faz duvidar de tudo e de todos. Perdemos a inocência, fiquemos só a aguardar pelo inesperado, com a fé de este “incógnito” resgate-nos deste estado de existencialismo passivo.” Ler crítica

 

#09) La Civil

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“Por entre guerras de cartéis, Mihai espelha uma descida infernal de uma “inocente”, um mero dano colateral, que cuja contaminação com este ambiente a transforma numa espécie de impiedoso anjo da vingança. Tudo isto lido entrelinhas, de câmara à mão, orbitando de volta à ação e sugerindo mais do que expondo. “La Civil” escapa dos lugares-comuns pela sua imposição de poder, descortinando as vozes silenciadas de uma disputa moral.” Ler crítica

 

#08) A Hero

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“Através deste “regalo”, somos induzidos a um confronto entre razões e uma proposta de desconstrução arquitetónica (cada com a sua perspetiva) à definição de “herói”, o indivíduo máximo da moralidade na sociedade. O retorno ao Irão é propício a esses dilemas, uma sociedade “estranha” aos olhos ocidentais opera como uma distopia possível sobre as mais variadas questões morais e éticas. Como tal, “A Hero” é uma “caixinha” de tópicos para um debate pós-sessão, e Farhadi feliz para que isso aconteça.” Ler crítica

 

#07) In Front of your Face

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“E aí está o trunfo deste enésimo filme, um Hong Sang-soo amadurecido, elegante e delicado na sua estética (sem com isso ceder a “makeovers” radicais), que nos fala sobre vida, morte e promessas vencidas e embebidas em álcool, por sua vez de “pinga envelhecida", sem nunca descrer da sensibilidade desses mesmos temas, com quem encara o encerramento já visível do outro lado da esquina. Deste lado o cético que testemunhou um milagre, pequeno mas que basta, num cinema que sempre fora mais preocupado em alimentar o seu culto do que verdadeiramente interrogar as suas próprias emoções.” Ler crítica

 

#06) Onoda, 10 000 nuits dans la jungle

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O Cinema é também memória, não em jeito memorialista e intimista, mas antes de uma lembrança do que esta arte foi e do percurso percorrido até à sua presente forma. Embora “Onoda” seja uma produção atual, é um filme hoje impraticável pelas mais diferentes razões. Não se trata de resumir ou mencionar gestos de outros e de distantes tempos, Arthur Harari persiste numa vinheta histórica para aludir ao “coração das trevas”, abraçando a selva como a mais eterna inimiga dos Homens. Tropicalismo? Exotismo? Nada disso, esta floresta que albergará os últimos resíduo de uma Guerra desvanecida assume-se como uma armadilha, um labiríntico cativeiro, onde o tempo estagnou num cruel sigilo e a carne está predestinada à sua regressão natural. Harari cumpriu, onde muitos falharam, o de trazer de volta um Cinema físico, protetor da sua herança e com ela a possibilidade de avançar “mato a dentro”. 

 

#05) Azor 

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““Azor”, primeira longa-metragem do suíço Andreas Fontana, marcou presença na edição de 2021 da Berlinale na secção Encounters, um thriller assombroso que tece um universo que bem poderia ser extraído dos enésimos “filmes sobre Máfia” ou dos gestos calculados e maturados de Costa-Gavras. Aqui, nesta Argentina dos anos 80, sem nunca condicionar a um evento histórico preciso, o silêncio é de ouro e a meticulosidade poderá garantir a nossa sobrevivência nesta descida ao inferno capital.” Ler entrevista ao realizador

 

#04) Un Monde

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“Não olhemos para as crianças como um poço de inocência, mas antes como “peregrinos” que desbravam “novos mundo”, claramente “novos” diante dos seus respectivos olhos, e é esse “mundo, a palavra transportada do título original (“Un Monde”) que Laura Wandel concretiza um tratado experiencial num biótopo a nós familiar, e igualmente distante.” Ler entrevista com a realizadora

 

#03) Vortex

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O tempo destrói tudo”. Gaspar Noé "pavoneou" esse lema ao longo da sua filmografia, todas elas indiciadas no ato de provocar. Enfim, o tempo ameaçou destruir, até porque Noé, perante uma  hemorragia cerebral que o quase levou às “portas da morte”, desliga-se dos aspectos xamânicos e místicos, ou da crueldade exaltante em ira, que testemunhamos nos seus filme para se partir numa claustrofobia formal e existencial. Protagonizado por Dario Argento, demonstrando-se decadência física (ontem, um “maestro” do terror, hoje, uma vítima do terror pendular da sua expirável “carcaça”), “Vortex” veste-se de negrume desumano, discreto, e acutilante a um quotidiano vencido, corpos arrastam-se e mentes dilaceram perante o voraz apetite do tempo. Em jeito de “split-screen”, amantes que depois do seu coro distanciam, mais e mais, até que os vestígios do seu último sopro temporariamente instalam-se nos lençóis usados. Morte, fim, nada de digno, nada de romântico, Gaspar Noé parece saber do que fala.

 

#02) The Worst Person in the World

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The Worst Person in the World” é de uma manobra arriscada em pleno século XXI que é o de dar uma oportunidade a estas mesmas personagens de recontar as suas vivências, e demonstrar que ainda há espaço para elas, sem as glorificar ou as vitimar. No fundo, aquela pessoa “horrível”, a “culpa europeia branca sentada no sofá”, é um fruto social que revolta-se silenciosamente contra esses parâmetros. Ler crítica

 

#01) Drive My Car

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“Poderíamos dizer tanta “coisa” sobre “Drive My Car”, poderia e posso, mas é ao terceiro visionamento que percebo, emocionalmente, a cerne de toda aquela palavra (Hamaguchi contou-me o quanto a palavra se tornou no motor do seu Cinema) não está na conquista dos sentimentos, mas as tréguas para com as nossas mágoas, aquilo que nos endurece perante um “mundo em chamas”. Talvez o meu "refúgio de cartão” esteja no Cinema, como disse em tempos, este parece comunicar comigo, ou é somente a manifestação do seu lado zeitgeist, e nós não somos tão “especiais” assim. Conforme seja a verdade absolutista, um facto é que “Drive My Car” vive entre nós, é um filme do nosso tempo projetado para quem olha para ele com desconfiança.” Ler Texto

 

Outras menções: Everything Everywhere All at Once, Nope, Top Gun: Maverick, Memory Box, Flee, The Girl and the Spider

Andreas Fontana: "A violência do “Azor” está fora do campo do filme. Distanciado, sim, só que não ausente."

Hugo Gomes, 24.11.22

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"Azor" (2021)

Na gíria bancária, “azor” significa “cuidado com o que dizes”, é uma palavra embalada num castrador silêncio funcionando simultaneamente como um aviso e ameaça perante as aventuras em territórios obscuros. E é com “azor” na mente e secretamente mencionado por quem bem ou mal lhe deseja, que Yvan De Wiel (Fabrizio Rongione, ator ambientado ao cinema dos Dardennes), um banqueiro privado genebrino, parte para Buenos Aires, Argentina, no trilho deixado pelo seu misteriosamente desaparecido colega, a fim de reconectar as ligações e os negócios estabelecidos com os seus clientes. Aí “mergulhará” num mundo de promiscuidades onde os vários poderes encontram-se diluídos num só monopólio. O dinheiro e o poder são religiões monoteístas, e a ignorância é uma bênção em climas ditatoriais. 

Azor”, primeira longa-metragem do suíço Andreas Fontana, marcou presença na edição de 2021 da Berlinale na secção Encounters, um thriller assombroso que tece um universo que bem poderia ser extraído dos enésimos “filmes sobre Máfia” ou dos gestos calculados e maturados de Costa-Gavras. Aqui, nesta Argentina dos anos 80, sem nunca condicionar a um evento histórico preciso, o silêncio é de ouro e a meticulosidade poderá garantir a nossa sobrevivência nesta descida ao inferno capital. 

Ao sabor da estreia mundial no festival berlinense, conversei com o realizador sobre esta sua obra e o que mais o fascinou neste território desconhecido e “conquistado”. Fontana falou das suas raízes como incentivo à concepção de “Azor” e também de uma violência que, como tudo no filme, goza da ausência. 

Curioso, que a sua anterior obra [a curta-metragem “Pedro M. 1981”] lidava com a busca de um “personagem” desaparecido. Volta com “Azor” com o mesmo registo, no trilho de alguém em parte incerta, estamos perante a sua “imagem de marca”?

O “Pedro M, 1981” como o “Azor” lidam com a ausência de pessoas como motor narrativo, é o elo de ligação entre ambas as obras, apesar do desaparecimento no “Azor” ter uma ressonância política. Trata-se de um recurso que me agrada, essa, da personagem-ausente, que é verdadeiramente estimulante porque o espectador acaba por projetar nessa ausência uma imagem idealizada, ao contrário da mecânica da personagem em questão, qualquer uma poderia preencher aquele "desaparecimento". No caso do Azor, aquele banqueiro é uma personagem invariável, a sua ausência surge de maneira distinta para qualquer personagem, resultado da adaptação do mesmo aos desejos dos demais, tornando difícil a sua decifração. Por outro lado, essa ferramenta é um íman ao interesse do espectador, porque esta identidade desconhecida alimenta a curiosidade do mesmo, logo é sinónimo de fidelidade para com a narrativa. 

Nas suas notas de intenção refere “Azor” como uma alusão a história de “Conquistadores”, bem sabendo que a descolonização é uma discussão recorrente nos dias de hoje, gostaria que me explicasse o uso desse termo ao indicar a sua obra. Temos uma alegoria ao colonialismo moderno? Já agora, tendo em conta o seu filme, continuamos [nós europeus] a olhar para o Novo Mundo numa perspetiva colonial?

Primeiro, devo dizer que não sou um teórico nem acadêmico para aprofundar a questão colonialista. Referia ao termo “Conquistador” num prisma literário. Obviamente que se é uma figura de forte conotação política e histórica, mas também reserva uma aura literária fortíssima. Os “conquistadores” deixavam diários sobre as suas conquistas, o qual tracei paralelo com os do banqueiro e as suas determinantes viagens. Suponho que eles, nas suas saídas profissionais, têm como objetivo “conquistar” um terreno, uma pessoa, uma posse, sejam “territórios virgens" ou propriedades de outros. Esses banqueiros a que refiro não são aqueles que se encontram sentados num balcão aguardando o depósito dos clientes. Nada disso, para estes banqueiros, esse estilo de vida é ofensivo, eles viajam de forma a angariar clientes e fundos, daí o termo “conquistadores”. 

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Andreas Fontana

Quanto ao colonialismo em si, há um grande debate, porém, na Suíça existe uma realidade bem distinta, um mundo de bancos e alta-finança que partem por este mundo fora ao encontro dos mais cobiçados clientes. Julgo que temos aqui uma espécie de neo-colonialismo, porque muitas destas “instituições” possuem ligações ou financiamento a organizações militares que desbravam novos territórios para si. Na Argentina, encontramos muitos sectores que pertencem a investidores que não são argentinos, muitos deles são ingleses ou até mesmo suíços. Em questão de energia nuclear ou farmacêutica são principalmente suíços. 

É sabido que o seu avô foi banqueiro privado, ou seja, direta ou indiretamente está habituado a este universo. Foi daí que surgiu a inspiração para este “Azor” e até diria, interesse?

Para dizer a verdade, não sei se o meu interesse por esta história vem com as minhas raízes, como bem disseste, o facto do meu avô ter sido banqueiro privado, ou de que com este "background" me sentia legitimado para abordar e materializar este universo no grande ecrã, visto ser um tema complexo, ambicioso e difícil. Não creio na questão de sangue, mas sim na questão de herança, diria até simbolicamente nesse sentido. E a herança não é só apenas dinheiro e direito, é também toda uma temática do “não-dito”. Sinto, como muitos da minha geração, uma vontade de falar sobre ‘coisas’ que simplesmente não nos queriam falar. 

E o facto de ter um avô banqueiro também facilitou a minha entrada neste mundo e na minha pesquisa sobre bancos suíços e até mesmo em relação à Argentina. É bizarro, mas a Argentina tem um enorme fascínio pela Suíça, país, que segundo eles, é uma representação da perfeição a todos os níveis.

Deixou claro nas suas “notas” de que a Argentina que reconstitui no seu filme, é uma Argentina sem contexto histórico próprio, não inserida em nenhum período concreto. Mesmo a menção da década de ‘80, esta Argentina poderia ser a de ontem como a de quarenta anos atrás. Há algo de “não-lugar” neste retrato de Buenos Aires?

Estou a perceber a lógica e o uso do “não-lugar”, mas não acredito seja o caso deste filme, diria até que este lugar é esfarrapado e distorcido. Vivi em Buenos Aires por vários anos, e quando chegava à cidade tinha uma sensação de entrar numa cidade europeia, dotado de semelhanças evidentes. Contudo, não me sentia genuinamente numa, e esse dilema interno atribuía ao lugar um efeito algo abstracto. É um sentimento difícil de explicar, mas é de que aquele cenário não fosse realmente aquilo que via, era uma miragem, ou até meio embusteira, a de uma cidade europeia que nada de identidade europeia possuía. E não apenas na questão identitária, como também social e política. Tentei mostrar no meu filme todo um universo composto, elitista, bem-educado, e em certo jeito, harmonioso, em oposição a um presente sentimento de violência, como se espreitasse, mas nunca assumisse visualmente. A violência do “Azor” está fora do campo do filme. Distanciado, sim, só que não ausente. 

Para tentar recriar esse sentimento vivido para com a cidade, aventurei-me na concepção de uma cidade minimalista, sempre em contraste e em inconstância. Porém, é bastante difícil posicionar “Azor” num período histórico em concreto.

Nesse constante ambiente de ameaça de que fala, devo sublinhar que a música de Paul Courlet tem um papel fundamental aí.

Sim. O trabalho com a música foi muito intuitivo. No meu último trabalho [“Pedro M. 1981”] não tive essa preocupação, porque pretendia focar no som ambiente e na música em diegese, mas aqui senti a necessidade de criar um ambiente, de instalar o filme num género. Portanto, abordei Paul Courlet, que é um músico que admiro e o qual senti que fosse capaz de transportar “o seu mundo” para um filme, sobre uma possível colaboração … devo dizer que ele não trabalhava para o cinema, “Azor” foi a sua inaugurada experiência no ramo. Pedi simplesmente que me enviasse “coisas”, trabalhos seus e daí tentaria idealizar uma atmosfera, sintonizando um ambiente. Respondeu-me ao pedido, e a partir daí iniciou-se um exercício conjunto de como aquelas partituras musicais pudessem dialogar com o filme ou meramente o oposto. 

Courlet falava de como a música teria que assumir de forma interior em relação ao filme para que não fosse destacadamente notada, assim integraria por completo a obra como um só corpo. Curiosamente, pretendia o contrário, uma música exterior ao filme, como havia falado, que pudesse emanar uma atmosfera e ao mesmo tempo sugerir uma violência que não veríamos, de modo algum, no ecrã. Penso que funcionou às mil maravilhas. 

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"Azor" (2021)

Ao ver “Azor” ficamos com a sensação, e por vários momentos, de estarmos perante a uma variação do género “mob”, gangster ou “filme de máfia”, como quisermos chamar. Diversas vezes o filme declara-se a esses territórios de um forma resistente e inquietante, mas igualmente conduzindo-se nos exatos códigos. E já agora, destaco as comprometedoras gírias e os códigos secretos que este seu mundo é composto, não devendo nada ao tipo de cinema de que falo. Confessa-se um admirador do género?

Sou uma pessoa cinéfila e tenho um especial carinho, não diria de filmes de máfia, mas da temática mistério. Quanto à questão do código, descobri que o banco é uma tradição oral, desta maneira tem o cuidado em não apresentar provas escritas sobre as transações nem do perfil “discreto” dos clientes, nem deixam notas quanto às suas viagens estritamente profissionais. A principal ferramenta do banqueiro é a sua memória, não deixa rasto nem traços. E essa oralidade incentiva rituais e operações secretas, um mundo nas sombras guiado por esses mesmos códigos. Por isso, essa comparação com a máfia não é uma pura coincidência, há uma convergência desses dois territórios. Também devo salientar que este tipo de ambiência e sugestão na Argentina não é despropositada. A política argentina sempre foi encarada por quem vive lá como um extensivo complot. 

E quantos a novos projetos?

Estou a trabalhar num filme sobre diplomáticos em Genebra. Penso que isto tudo faz parte do meu apelo por estes temas, o de gostar trabalhar com “pessoas discretas” [risos]. Já o escritor Stefan Zweig dizia que os diplomatas são “uma espécie de intelectual pouco investigada, mas a mais perigosa que está ao nosso redor”. Tenho muito interesse em delinear e explorar essa sombra que segue o mundo diplomático. 


O filme estreou em Portugal em abril deste ano, com o selo Legendmain Films. Está disponível no catálogo da Filmin Portugal.