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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cine Amadora chega à 2ª edição! Fazer da cidade a "grande tela do cinema lusófono".

Hugo Gomes, 05.03.25

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"Manga d'Terra", de Basil da Cunha, exibido no dia 6 março

Procurando na cidade da Amadora, a sua história, a sua língua… ou melhor, as suas línguas, e, transversalmente, o seu cinema, o Cine Amadora aposta em ser mais do que uma mera montra de filmes, e sim, a pretensão de transformar o cinema numa ferramenta de proximidade, numa ponte cultural e social, num evento que transcende estâncias e conformidades. 

Na sua segunda edição, que decorrerá entre 6 e 9 de março, com entrada livre nos Recreios da Amadora, Eron Quintiliano, diretor artístico do festival, revelou ao Cinematograficamente Falando … o que esperar deste regresso — e as suas ambições de tornar o evento um cantinho afetivo desta cidade, distanciando-a culturalmente do cognome de “subúrbio de Lisboa”. Porque há vida na Amadora, e logicamente, Cinema!

O Cine Amadora tem vindo a afirmar-se como um espaço de resistência e celebração do cinema lusófono. O que diferencia esta segunda edição da anterior?

O Cine Amadora mantém o seu compromisso com a valorização do cinema em língua portuguesa, mas, nesta segunda edição, aprofundamos ainda mais as nossas temáticas e ampliamos a programação. Um dos grandes diferenciais desta edição é o reforço da presença de realizadoras, consolidando a missão de dar visibilidade ao trabalho das mulheres na sétima arte. Além disso, expandimos as ações de formação de públicos com debates, com um olhar mais atento para o diálogo intergeracional e o acesso democrático à cultura, através de sessões direcionadas para escolas e seniores. Esta edição também se fortalece através das colaborações institucionais, como a Carta Branca à Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) e a parceria com outros festivais lusófonos, ampliando a rede de circulação de filmes.

A cidade da Amadora é frequentemente retratada através de estereótipos, maioritariamente desabonadores. De que forma o festival procura desconstruir essas narrativas e apresentar um outro olhar sobre este território?

A Amadora é um território vibrante, diverso e cheio de talento, mas muitas vezes a sua imagem é moldada por estereótipos negativos. O Cine Amadora nasce exatamente da necessidade de contrariar essas narrativas redutoras, apresentando a cidade como um pólo de criação e exibição cinematográfica. A curadoria do festival privilegia histórias que refletem essa pluralidade cultural, mostrando a Amadora como um espaço de encontros, onde diferentes trajetórias e experiências coexistem. A nossa equipa e parcerias trabalham diretamente com comunidades, escolas e coletivos artísticos, há um sentimento de pertença e envolvimento ativo com o público. 

  • "Césaria Evóra", de Ana Sofia Fonseca (dia 9 de março)
  • "Pedágio", de Carolina Markowicz (dia 7 de março)
  • "Big Bag Henda", de Fernanda Polacow (dia 8 de março)

 

O cinema é diversas vezes visto como uma ferramenta poderosa de transformação social. Que impacto espera que o Cine Amadora tenha na comunidade local e no panorama cinematográfico lusófono?

O impacto do Cine Amadora ocorre em várias frentes. No plano local, queremos criar uma relação contínua entre a cidade e o cinema, democratizando o acesso e fomentando o gosto pela sétima arte, especialmente entre os jovens. Com as sessões gratuitas e direcionadas a diferentes públicos, tornamos a experiência cinematográfica acessível a todos, promovendo um diálogo aberto sobre as narrativas que nos representam.

No contexto lusófono, o festival atua como uma plataforma de visibilidade para filmes que muitas vezes encontram dificuldades de circulação. Ao criar pontes entre cineastas, festivais e públicos de diferentes países, o Cine Amadora contribui para o fortalecimento da produção cinematográfica em língua portuguesa.

A programação deste ano reforça o protagonismo das realizadoras e a luta contra as desigualdades de género na sétima arte. Que desafios ainda persistem para que o cinema feito por mulheres deixe de ser visto como um nicho?

Apesar dos avanços na representatividade feminina no cinema, persistem desafios estruturais. As mulheres ainda encontram dificuldades de acesso a financiamento e distribuição, além de enfrentarem barreiras invisíveis na construção das suas carreiras. O Cine Amadora procura contrariar essa tendência, promovendo um espaço de visibilidade e reflexão sobre a desigualdade de género no setor. Ao colocar realizadoras em destaque, procuramos normalizar a presença feminina atrás das câmaras e incentivar a próxima geração de cineastas a ocupar estes espaços com mais força e legitimidade.

O Cine Amadora não se limita à exibição de filmes, mas aposta também na formação e no intercâmbio cultural. Como vê a importância dessa vertente educativa dentro do festival?

A dimensão educativa do Cine Amadora é essencial. Para além da exibição de filmes, oferecemos workshops e encontros com realizadores, criando um espaço onde o público pode consumir cinema, e também compreendê-lo, discuti-lo e, quem sabe, produzi-lo. Acreditamos que um festival de cinema deve ser um catalisador para a criação de uma comunidade cinéfila ativa e engajada. Nesse sentido, o intercâmbio cultural é um dos eixos centrais do festival, promovendo ligações entre criadores lusófonos e estimulando a colaboração entre diferentes geografias e perspetivas.

Com sessões dedicadas a públicos específicos, como escolas e seniores, o festival reforça a democratização do acesso à cultura. Como tem sido a resposta do público a essa abordagem?

A resposta tem sido positiva. As sessões para escolas, deverão ser momentos de envolvimento e debate, onde os alunos descobrem novas cinematografias e são incentivados a refletir criticamente sobre as histórias que consomem.

As sessões dedicadas aos seniores buscam proporcionar um espaço de encontro e memória, onde a sétima arte funciona como um elo entre diferentes gerações. Para nós, este tipo de programação amplia o público do Cine Amadora, reforçando a importância do cinema como ferramenta de inclusão e partilha intergeracional.

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"Chelas nha kau" do coletivo Bataclan 150, dia 9 de março

Gostaria que nos falasse sobre as parcerias do Cine Amadora com outras instituições [MUTIM] e festivais [Olhares do Mediterrâneo, MICAR], em particular a ligação à Escola Superior de Teatro e Cinema, que nesta edição recebe uma carta branca para apresentar uma seleção de trabalhos dos seus alunos.

A colaboração com a Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) é um dos pilares do Cine Amadora. Ao conceder-lhes uma Carta Branca, reconhecemos o papel essencial da ESTC na formação de novos talentos do cinema português.

É especialmente simbólico poder exibir uma curta-metragem de Leonor Teles, uma cineasta que deu os seus primeiros passos na ESTC e que hoje é um nome incontornável do cinema nacional. Com esta parceria, criamos um circuito de visibilidade para jovens realizadores, reforçando o compromisso do Cine Amadora em fomentar a renovação do cinema lusófono.

Depois de um ano zero experimental e uma primeira edição de consolidação, o que podemos esperar do futuro do Cine Amadora? Há planos para expandir a mostra para além dos Recreios da Amadora? Extensões ou itinerâncias?

Neste momento, não temos planos para expandir o Cine Amadora para além da cidade, mas sim reforçar a mostra e consolidar a Amadora como a grande tela do cinema lusófono. O nosso foco está em fortalecer a programação, aprofundar as parcerias e continuar a atrair novos públicos e profissionais do sector. Para o futuro, pretendemos ampliar o festival no sentido de introduzir sessões competitivas, permitindo a participação de filmes inesperados e representativos de todos os países de língua portuguesa. Acreditamos que a produção cinematográfica tem crescido significativamente, mas muitas dessas obras encontram dificuldades em alcançar o seu espaço e distribuição. Queremos descobrir e dar visibilidade a esses filmes, oferecendo um palco onde possam ser vistos e reconhecidos.

A expansão dentro da própria cidade está também nos nossos planos, assim como a possibilidade de extensões itinerantes, levando o festival a novos territórios e públicos e reforçando a nossa missão de tornar o cinema mais acessível e diversificado.

Queremos que o Cine Amadora continue a fortalecer-se como uma plataforma essencial para o cinema lusófono, promovendo novas narrativas, estimulando a reflexão crítica e, acima de tudo, fazendo da Amadora um centro vibrante da sétima arte.

Toda a programação poderá ser consultada aqui

"A Culpa não morre solteira": o ano terrível para o Cinema Português

Hugo Gomes, 24.12.22

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"Km 224" (António-Pedro Vasconcelos, 2022)

2022, mais um ano, mais lamentações a caminho. O Cinema Português, essa formalizada instituição que muitos adoram cuspir, resiste face aos números vergonhosos nas bilheteiras nacionais, mesmo que, muitos deles beneficiam de “boa imprensa”, de críticas esplendorosas, artigos requintados e o esforço hercúleo por parte das suas distribuidoras e produtoras em os promover. 

Mas o cinema nacional demonstrou-se alheio aos planos do grande público, que o diga o veterano António-Pedro Vasconcelos e o seu drama de custódias “Km 224” que terminou com uns “míseros” 4.128 espectadores (tendo em conta a sua ambição comercial, 830 sessões contra, comparativamente, as 161 de Lobo e Cão de Cláudia Varejão que arrecadou, até ao momento, valores mais acima), ou o que dizer a estreia de Tiago R. Santos e o quarteto de luxo [Ricardo Pereira, Teresa Tavares, Margarida Vila-Nova e Cristóvão Campos] com “Revolta”, filme que em outros tempos chegaria, na pior das hipóteses, aos 5.000 espectadores, apenas arrecadou 1.719. Melhor posicionado esteve “Salgueiro Maia: O Implicado” de Sérgio Graciano [16.777], o qual convém referir a importância ainda memorial da sua figura-alvo, e a dupla rural “Restos do Vento” de Tiago Guedes e “Alma Viva” de Cristèle Alves Meira [11.685 e 7,537].

Nem mesmo João Botelho, possivelmente o realizador com mais imprensa por metro quadrado nos seus filmes, que nos trouxe uma das suas melhores obras em muito tempo (“Um Filme em Forma de Assim”), não escapou à derrota nessa estrangulada luta nas bilheteiras [2.208], e num ano em que contou com retrospetiva integral na Cinemateca, novamente promovida em todos os meios, mas igualmente captada pela indiferença do seu público-alvo. Cinema português e bilheteiras são um eterno fado e que nada descura da qualidade de muitas destas obras. 

Já os restantes autores propriamente ditos; "Fogo-Fátuo" de João Pedro Rodrigues a exibir a sua legião de adeptos [3.533 espectadores], com cerca do dobro do atendimento, Marco Martins e o seu “Um Corpo que Dança - Ballet Gulbenkian 1965 - 2005” demonstraram adesão ao documentário português (enquanto o mais visto nessa categoria foi “Cesária Évora" de Ana Sofia Fonseca com 7.057 espectadores). Números longínquos para com uma Rita Azevedo Gomes, por exemplo, cujo O Trio em Mi Bemol levou até ao momento 467 espectadores, mais que o tríptico de Joaquim Pinto e Nuno Leonel acolheram [“Pathos Ethos Logos / 178 espectadores]. Comparativamente, com menos promoção e imprensa, a segunda longa-metragem de Adriano Mendes - “28 ½ - concretizou 725 espectadores, em 43 sessões, menos que as projeções do filme da Azevedo Gomes, ainda em cartaz [62 até à data].

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"O Trio em Mi Bemol" (Rita Azevedo Gomes, 2022)

Estes trazidos números serviram para mostrar um só propósito - o constante desfasamento entre o público e o seu cinema - um fenómeno latente à dissertação das salas pelo conforto do ambiente doméstico sob a febre das “novidades do streaming”, ou a cada vez mais “exigente” seleção do que realmente ver numa sala de cinema … a aspas são pertinências visto que o cardápio parece fundamentado em redor de super-heróis ou franchises duradouros. Contudo, quando o tema é cinema português, a discussão resume-se na própria qualidade destes do que no gosto do espectador. Anos a fio a ouvir os mesmos queixumes, enfrento-o esses argumentos com os iguais números.  

Mas antes disso, há que procurar as causas para esse divórcio? Possivelmente, um dos graduais problemas, como havia sido sugerido, seja a reputação que a nossa produção adquiriu e acumulou ao longo destes anos. As avenças de “Amor de Perdição” de Manoel de Oliveira ou os enterros antecipados a António Macedo (o sketch satírico de Herman José fantasmagoricamente ainda povoa na nossa imaginação coletiva), conspiradas raízes para este boicote orquestrado ou até politizado que hoje fomenta furiosos pedidos de uma renovação de histórias, de estilos, de ritmo, de atores e sobretudo uma “americanização” do nosso cinema, em jeito de encabeçar sem grandes histrionismos um catálogo de um globalizado streaming

Porém, o desejo é diferente dos sucessos, “Dois Duros de Roer” ou Curral de Moinas: Os Banqueiros do Povo, inquestionavelmente amadora televisão descaradamente embutida na tela conquistou espectadores (48.830 e 314.115 respetivamente), muitos deles assinantes dessa “carta de exigências". Com este cenário em conta, para quê continuar a debater sobre o que o cinema português precisa de fazer para “apelar” ao seu público? Claro que não, como todos os divórcios, a culpa não morre solteira. 

Escusado será totalmente imputar a nossa produção tendo em conta que o dito “espectador português” tem demonstrado ao longo destes anos zero paladar no ramo.