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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

No Pico, olha-se para o audiovisual com foco. Uma conversa com Terry Costa, diretor artístico do Montanha Pico Festival.

Hugo Gomes, 02.01.25

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"First Date", a curta de Luís Filipe Borges

É no ponto mais alto do território português que se dará lugar o Montanha Pico Festival (3 a 30 de janeiro), uma iniciativa da MiratecArts que visa transgredir a ideia convencional de festival como simples mostra de filmes, entendendo que, a partir deste lugar singular, há espaço para debater o futuro e explorar soluções para o universo audiovisual. Sob a vigilância do “gigante adormecido”, o Pico que empresta o nome à ilha, ao cinema e aos filmes, a tela será novamente palco para histórias que vão além do visual, incentivando tanto o público fiel quanto os recém-convertidos ao simples e poderoso ato de “ir ao cinema”. Um gesto cada vez mais desprezado no continente, onde o cinema se tornou um mero “despacha-tempo” momentâneo, e na ilha, onde a escassez de propostas de projeção transforma esse mesmo ato numa forma de resistência.

Nesta edição, temos a evocação de Natália Correia e o regresso da realizadora, muitas vezes esquecida, Rosa Coutinho Cabral, que abrirá as "honras da casa" [toda a programação aqui]. A grande atração será a estreia da curta-metragem “First Date”, de Luís Filipe Borges, com Cristóvão Campos e Ana Lopes (que não é estranha a este ambiente), e que será apresentada pela primeira vez ao grande público. Mas antes disso, de Correia por Cabral, de romances no Pico, teremos um encontro entre críticos e jornalistas de cinema (o Cinematograficamente Falando … estará presente) para debater o papel fundamental da crítica na divulgação e no percurso das suas obras, dos primeiros passos até os “altos voos”. Quem sabe o que surgirá dessa conversa?

O anfitrião Terry Costa, diretor artístico do Montanha Pico Festival, aceitou o convite do evento para partilhar as suas reflexões e revelar o que podemos esperar desta edição, que, embora tenha como epicentro a ilha cinematográfica do Pico, visa unificar os Açores no panorama audiovisual.

Terry, como director artístico do Festival Montanha, qual foi o maior desafio em criar e manter um festival tão singular como este, focado na montanha mais alta de Portugal e nas questões culturais e ambientais ligadas às montanhas?

O Montanha Pico Festival, ou simplesmente Festival Montanha, realiza-se desde 2015. Anualmente, no mês de janeiro, os ecrãs da ilha acolhem uma seleção diversificada de obras, desde curtas e longas-metragens a documentários, ficção e vídeos experimentais, todos com um tema em comum - a cultura das montanhas ou cenários montanhosos.

Desde 2022, o festival conta com um programa adicional intitulado “Made in Azores”, que celebra produções locais. Contudo, o maior desafio tem sido o financiamento, sobretudo no que toca a apoiar a presença de equipas de outras ilhas ou cineastas estrangeiros interessados em participar, algo que gostaríamos de fazer de forma mais consistente.

O festival é aberto ao público e com entrada gratuita, numa tentativa de atrair as audiências para descobrirem algo novo e inesperado. Sem grande apoio promocional, como anúncios televisivos, convencer as pessoas a saírem de casa e dirigirem-se aos auditórios da ilha para assistirem a obras desconhecidas é sempre um desafio, mas um que encaramos com entusiasmo e dedicação.

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"Os Caçadores", de David Pinheiro Vicente, será uma das muitas curtas exibidas no festival

O Montanha Pico Festival tem recebido atenção internacional, incluindo a nomeação para os Iberian Festival Awards. Que impacto tem esta visibilidade para o festival e, mais importante, para a ilha do Pico?

Sempre que somos mencionados fora do arquipélago, surge inevitavelmente a pergunta: Onde fica isso? Não importa quantos milhões sejam investidos na promoção das ilhas, haverá sempre quem ainda não as conheça. Os projetos culturais e artísticos, como os festivais, desempenham um papel crucial, não apenas em dar visibilidade às ilhas, mas também ao abrir portas para o mercado cultural, que cada vez mais valoriza e investe nos destinos que descobre. Quando um festival é destacado em listas de prémios internacionais, atrai a atenção de profissionais do setor, que pesquisam e, no processo, aprendem mais sobre os Açores.

Sendo o turismo de montanha um tema central nas discussões do festival, que papel acredita que o Montanha Pico Festival desempenha no incentivo ao turismo sustentável e no diálogo entre cultura e natureza?

Quando temos este tipo de conversa no festival, que alternamos ao longo dos anos, os pontos finais acabam sempre por convergir no mesmo resultado. Sim, queremos turismo. Sim, queremos preservar estes cantinhos do mundo que ainda se consideram paraísos. Mas como receber mais visitantes sem comprometer a natureza?

Nas conversas anteriores, discutiu-se bastante a ideia de implementar taxas para visitantes, algo que ainda não é generalizado nos Açores. Na ilha do Pico, por exemplo, já existe uma taxa significativa para quem pretende subir a montanha mais alta de Portugal, precisamente porque há limitações quanto ao número de pessoas que podem usufruir desse espaço. Será esse o caminho para todo o turismo? Cobrar mais e mais? Ou, talvez, devemos incentivar um turismo mais consciente, que valorize e invista em locais frágeis como ilhas, e especialmente numa montanha isolada no meio do Oceano Atlântico?

O festival levanta essas questões e apresenta filmes que provocam reflexão e estimulam conclusões sobre como garantir um futuro melhor. Se conseguirmos aprender com locais que já enfrentaram esta fase de aumento exponencial de turismo, talvez possamos adotar um caminho diferente, mais sustentável. Assim, será possível alcançar um sucesso duradouro sem comprometer irremediavelmente a natureza. 

O programa "Made in Azores" tornou-se um pilar do Montanha Pico Festival. O que o motivou a incluir esta secção, e como tem percebido a recepção do público em relação às produções açorianas?

Com o programa “Made in Azores”, criamos uma oportunidade para que os trabalhos produzidos nas ilhas conseguissem chegar aos grandes ecrãs na ilha. Ano após ano, mais produtoras participaram, e em 2023 produzimos o primeiro Encontro Audiovisual Açoriano devido à necessidade de as equipas conhecerem-se e desta forma aprenderem mais sobre o que se faz nos Açores

O II Encontro Audiovisual Açoriano traz à ribalta talentos regionais e as suas narrativas. Na sua opinião, quais os maiores desafios e oportunidades enfrentados pelo audiovisual açoriano atualmente?

Nas ilhas, há poucas infraestruturas e equipamentos dedicados ao cinema e ao audiovisual. Estamos melhores hoje do que há 10 anos, mas ainda assim, é sempre um desafio para produções maiores conseguirem realizar os seus projetos nos Açores. E, claro, temos o clima instável, que, por um lado, pode ser uma vantagem para a produção, mas também pode facilmente arruinar bons dias de trabalho. Na edição de 2025, apresentamos a segunda edição do Encontro Audiovisual, um evento no qual vamos tentar responder a algumas das questões mais prementes do setor, como, por exemplo, como levar trabalhos produzidos nos Açores, por açorianos, até o continente português. No Encontro, vamos explorar e debater muitos outros desafios. Tenho a certeza de que será um evento muito enriquecedor.

Com Rosa Coutinho Cabral a abrir a edição de 2025, como é feita a curadoria para garantir que filmes como “A Mulher que Morreu de Pé” dialoguem tanto com o público local como com as temáticas globais abordadas pelo festival?

Os projetos apresentados no programa “Made in Azores” podem não ter a temática diretamente ligada à montanha. No entanto, em termos artísticos e poéticos, todos são, de certa forma, “projetos montanhosos”, pois são criados por equipas da região.

Ao promover obras como “First Date”, de Luís Filipe Borges, como avalia a importância de contar histórias contemporâneas e diversificadas sobre o Pico, e gostaria que falasse da ilha enquanto cenário cinematográfico?

As ilhas são cenários fantásticos para todo o tipo de histórias, com ou sem sol, com ou sem bruma (chuviscos). Fundámos o Prémio Curta Pico especificamente para incentivar a criação de histórias que tenham a ilha-montanha como ponto central. O projeto de Luís Filipe Borges, “First Date”, venceu a primeira edição do prémio, pois a história só poderia ser realizada na ilha do Pico. Assim, a sua qualificação com nota alta foi essencial para garantir o apoio, e esperamos que o público abrace a sua antestreia, permitindo que o realizador receba um feedback valioso antes de lançar a obra para o mundo.

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Terry Costa (à direita) com o realizador Luís Filipe Borges (segunda pessoa à esquerda) na entrega do Prémio Curta Pico.

O festival celebra também o cinema como forma de diálogo entre crítica, jornalismo e público. Como é que este formato, com paineis e debates, enriquece a experiência dos participantes e cria impacto duradouro? Já agora, como vê a relação da crítica de cinema com a cinematografia açoriana?

As questões colocadas pelos colaboradores são o que incentivam os painéis. Este ano, conseguimos reunir um painel com representantes de órgãos de comunicação social, o que nos dará a oportunidade de conversar sobre esses temas e como eles se relacionam com as produtoras locais. Por que é que um filme recebe mais atenção do que outro? Como chegar aos críticos? Como pode uma obra independente, produzida numa ilha, chegar à capital? Estamos a falar de um setor ainda muito jovem nas ilhas. Como podemos ajudar a elevar e incentivar o desenvolvimento de um futuro mais próspero para esta indústria – essa é a questão.

Por fim, qual é a sua visão para o futuro do Montanha Pico Festival? Existem planos para expandir a programação, incluir novos formatos ou aprofundar ainda mais as questões ambientais e culturais globais?

Existem festivais deste género em todo o mundo. Ainda não fazemos parte da rede de festivais de montanha, mas esse é um dos nossos objetivos. Para alcançá-lo, precisamos de aumentar o orçamento dedicado ao projeto, de forma a expandir a nossa presença internacional. Já conseguimos garantir os filmes, mas ainda há muito trabalho a ser feito para atrair cineastas e documentaristas. Em termos locais, quando as produtoras começarem a produzir com o objetivo de fazer parte do programa principal do festival, com a temática montanha, então alcançaremos um patamar de sucesso similar ao que invejo no Festival de Trento, onde todos os italianos querem participar e produzem para o festival. Trento é o festival mais antigo de temática montanha, enquanto o nosso, na ilha do Pico, é o mais jovem, mas já estamos na décima primeira edição.

Do festival nasceu o Cineclube Montanha, e o nosso desejo é incentivar mais municípios a juntarem-se a nós, para apresentarmos cinema além de Hollywood. Passo a passo, estamos criando audiências. Lembro que grande parte dos jovens e crianças da ilha ainda não teve a oportunidade de ver um filme num grande ecrã, muito menos um documentário - estamos a trabalhar para mudar isso.

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Para não perdermos Margarida Gil de vista ...

Hugo Gomes, 18.10.23

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Cavaleiro Vento (2022)

Sessão dupla de Margarida Gil chega aos cinemas portugueses, principalmente para nos lembrar da (ainda) presença da realizadora neste meio, especialmente em tempos como estes em que se clama por mais mulheres na direção de obras de ficção.

É muito difícil uma realizadora conseguir apoio para primeiras longas-metragens porque o ICA está construído como um sistema bastante patriarcal, os júris são maioritariamente constituído por homens.” A frase é de Ana Moreira, em outubro de 2021, ano em que protagoniza a segunda longa de Bruno Gascon (“Sombra”), e não é por acaso que tal declaração saiu dos seus lábios. A atriz prepara terreno seguro numa paralela carreira enquanto realizadora, simultaneamente ostenta um invejável percurso de intérprete como currículo, com algumas colaborações com cineastas de mais forte cariz no nosso cinema. Quem a consegue esquecer enquanto rosto de “Os Mutantes” de Teresa Villaverde, ou, neste contexto, como Adriana no homónimo trabalho de Margarida Gil

A atriz esteve ao lado dessas mulheres antes da questão da pluralidade se tornar um tema mais amplamente discutido, naquela época, esse 'ativismo' ainda era marginalizado, por vezes visto com indiferença, mas de forma alguma inexistente. É, portanto, à luz da atualidade, quando estamos ansiosos por novos nomes e perspetivas, que tendemos a negligenciar as heroínas do passado que ainda continuam ativas. Se Teresa Villaverde teve uma trajetória aparentemente “mais sortuda”, Margarida Gil resistiu em acordos para manter a sua operação artística, resultando em financiamentos cada vez mais escassos. As duas obras apresentadas em conjunto são evidentes exemplos dessa resiliência, duas experiências à parte, a curta - “Cavaleiro Vento” (2022) - e uma longa de 2010 - “Perdida Mente” - que não vira a luz da distribuição comercial. Curiosamente, ambos coincidem enquanto produções oriundas de pequenas produtoras, e geridas por mulheres. 

Perdida Mente”, apresentado no Festival Independente de Vídeo e Filme de Nova Iorque, leva-nos ao ator José Airosa, seis anos após ser-lhe atribuído a “cara que merece”. Na “carcaça” de Joaquim, um padeiro clownesco que em certo dia coloca inconsciente as botas no forno ao invés de pão, levando a um prejuízo que culmina no seu despedimento. Sem razão para este ato, a não ser da loucura que lhe vai apoderando a mente, uma doença neurológica degenerativa que o forçará a uma espécie de trágico arlequim, enquanto a sua filha, sonhando com danças e tutus, assume-se mártir, no aparo da sua eventual queda. 

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Perdida Mente (2010)

No cinema de Margarida Gil existe um constante dilema / conflito para com a figura paterna, seja ele ausente ou indigente, e no caso de “Perdida Mente” é um vazio quase espiritual a manifestar-se como antagonismo nesse quadrante parentesco, visto que o corpo de Joaquim expõe-se como uma presença embaraçosamente sem controlo, por vezes oca, designada à sua abstração. Palavras esquecidas, memórias turvas e desfeitas em uma realidade refém de uma alternativa sufocante e degradante. O comboio, aqui o da vida, alegoricamente, instala-se como elemento psico-onírico, a viagem em carris imaginários e de passageiros, testemunhos de uma existência em dissolução, que acenam ao fatídico, ao inevitável e ao total esquecimento de Joaquim perante si mesmo. 

Talvez as botas, essas “cozidas” em fornos alheios, seja a metáfora de um homem impossibilitado de andar, e os caminhos de ferro, apresentados pontualmente, seja um trilho carroleano para a sua própria loucura. Num dos momentos, o ator José Pinto, o “Malagueta”, amigo da família e acidental ‘Anjo da Guarda’ em toda esta situação, se deleita com uma pista circular de um comboio de brinquedo, o objeto inanimado, por mais velocidade que atinja não consegue “sair do seu circuito”. Aqui, o tal “Malagueta”, provinciano e modesto homem em que cada sílaba recorre ao conselho companheiro, uma espécie de alado enviado pelo Paraíso para acalentar dores iminentes, enquanto que José Wallenstein, o médico predatório que interrompe consultório adentro, com teses sociais em formato de tentações mefistotelicas, a amoralidade e por si, a vontade dos Homens acima dos seus vínculos. 

Perdida Mente” é um filme de resistências e cedências, quer a do protagonista à sua condição, da sua filha ao fado ou de Margarida Gil em construir o seu poema para lá das adversidades produtivas (nota-se os baixos recursos, os possibilitados pela produtora Ambar Filmes, tutorada por Solveig Nordlund). Mas apesar da sua aparência “barata”, exibe um lado de rebeldia para com a sua própria causa, por vezes desesperante, entre esses momentos, a de Maria do Céu Guerra, utente hospitalar que na angústia da sala de espera procura ser … simplesmente ouvida pela enfermeira de serviço. No fundo, Gil e o seu “Chaplin debilitado” desejam ser escutados, custe o que custar.

Já “Cavaleiro Vento”, a mais recente curta da realizadora, marca o seu retorno aos Açores, ao Pico especialmente (18 anos desde “Adriana”), conectando mitologias em tramas familiares. É como, segundo Gil, um sonho acordado: a paisagem única da ilha, com o vulcão adormecido no centro da paisagem, ordenando toda a atenção que o mundo pode reter, e um fantasmagórico cachalote levitando perante esse mesmo. Uma fantasia delirante, no entanto interrompido pelo drama que desenrola no ecrã, crónicas de famílias e de pais ausentes, onde a realidade emergente é distorcida pelo escapismo proporcionado pela mitologia que se repete. Através da lenda de Quetzalcóatl, a sagrada serpente de plumas que seguindo os cânones da mitologia tolteca, criador do mundo, somos desviados daquele mundo que Gil nos oferece através do mise-en-scene, conectando tragédias do mundano em narradas tragédias épicas. 

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Cavaleiro Vento (2022)

Assim como aconteceu com "Perdida Mente," o baixo orçamento apresenta desafios que requerem soluções criativas, no entanto, em "Cavaleiro Vento", o formato compacto da obra parece mitigar algumas dessas limitações. É na perspetiva de Margarida Gil que se destaca o afinco táctico-técnico, por exemplo, na câmara serpenteante que segue de perto estas personagens, como se estivessem "presas" a mitos de tempos passados, e igualmente imersas num ambiente familiar  a condizer ao gosto da realizadora. 

Ambas as obras refletem a urgência de não esquecer Margarida Gil, realizadora de mais de 40 anos de carreira, desviada das atenções e obrigada à precariedade dos seus trabalhos. Lembramos-a, antes que perdidamente a tenhamos de recuperar em futuros anos num tom de revisionismo histórico. 

Só sei que "Já Nada Sei" ...

Hugo Gomes, 11.12.22

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A história do “casal mais feliz do Mundo” revelou-se num embuste. Ele, Ricardo (Duarte Pinto), deseja uma mudança na sua relação, porém, sem a coragem ou, melhor, oportunidade, para o decretar. Com isto, mantém secretamente a determinação, dependendo da confidência a amigos que divergem nos conselhos e prescrições. 

Um deles avança, figurativamente, que o caso relembra-lhe certos filmes de ficção científica em que alienígenas conquistam um planeta e após esgotados os seus recursos naturais partem para um outro “habitat” deixando o seu anterior “lar” em difícil fase de recuperação. Gostaria de utilizar esta mesma comparação para especificar o processo produtivo em que Luís Diogo, já com a sua terceira longa-metragem, mantém ativo, o de esgotar “recursos” de onde vai filmar. No “manifesto” que fora “Pecado Fatal” (2014), teve Paços de Ferreira como alvo, em “Uma Vida Sublime” (2018), esse thriller em desbarato, utilizou Castelo Branco como experimento propagandístico e aqui, observamos impotentes a Oliveira de Azeméis como a nova "vítima" para uma terminável excursão pela cidade, “picando” os seus maneirismos culturais e regionais e convertendo cenários em meros convites à exploração (neste caso, existe uma segunda cidade a servir de descarada montagem, Santo Tirso, sem usos para a narrativa). Na realidade, podemos afirmar que Luís Diogo não faz filmes, quer dizer, faz filmes, mas publicitários, campanhas turísticas oportunistas. A trama é só o disfarce, aliás, como a felicidade do seu casal-protagonista, uma capa para propósitos ocultos. 

Todavia, o dito enredo também tem muito que se diga, e nem refiro ao deplorável ritmo, nem sequer aos diálogos escritos com os pés debitados por atores que apenas correspondem aos mínimos requeridos (com excepção de Ana Aleixo Lopes, cujas capacidades estão acima desta obra, e parece saber exatamente isso), e sim, a das armadilhas poeirentas de quem julga dissecar relações numa perspectiva amoral e longe de convenções cristãs (aliás, acaba por ceder inconscientemente à última ao transformar tudo em desígnios de amores perfeitos, ou lá que o que seja). Nesse termo poderia ter aprendido com a cineasta brasileira Laís Bodanzky, em “Como Nossos Pais”, na incessante busca pela imperfeição, o bovarismo crónico que nos é realmente soa garantido numa felicidade artificialmente decretada. Mas Luís Diogo não possui essa astúcia, o seu cíclico conjunto desmonta-se em nunca conseguir lidar com as suas avenças. A mensagem perde-se e muito na sua transmissão. 

Dito isto, desta vez sem tentativas de suicídios literalmente “deitadas ao lixo” [“Pecado Fatal”] e nem “barbas postiças" [“Uma Vida Sublime”], “Já Nada Sei” falha até nesse campeonato trash cujos anteriores conquistaram (“o The Room português”, pode-se ler em alguns comentários da Letterboxd) ao inconscientemente invocar.