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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Entre Ilhas": Que nunca "caiam" as pontes entre nós ...

Hugo Gomes, 30.06.22

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Sendo este projeto parte da sua pesquisa académica, a antropóloga madrilena Amaya Sumpsi nunca pretendeu transformar o seu “Entre Ilhas” num ensaio academista ou uma prolongada extensão da sua tese de doutoramento, ao invés disso procura preencher um espaço entre o “vazio” azul que banha mais de 9 porções de terra isolada, essas que se dão pelo nome de Açores.  

Embarcando a bordo do Express Santorini - antigo navio-luxo da frota grega, no filme durante o seu período de ligação entre São Miguel e o Faial - para contrariar uma ideia enraizada entre os “continentais”, de que o açoriano não deseja o mar, ao invés disso é a terra, mesmo limitada que seja, a sua inteira convicção. Uma declaração em forma de arquivo, atendida como alvo a uma resposta duradoura por entre os habitantes destes "pequenos mundos”, tendo como união o mar, não somente pelo aspecto geográfico e territorial, como também pelo espiritual.  

O trabalho de pesquisa da Sumpsi é evidente no documentário, a viagem que parte de um porto em direção ao outro com a promessa de “terra vista”, porém, o filme não se centra numa ostentação de informação (mesmo acarinhando as dezenas de entrevistados, os quais, muitos deles, segundo a realizadora, já não se encontram entre nós), e sim num percurso por entre essas “pontes invisíveis" que o oceano sustenta, e que mesmo assim une as ilhas como um todo. Um choque de passado com o presente, de futuro na venta quanto às oferendas atlânticas - Faial, Pico, São Jorge, São Miguel, Graciosa, Corvo, Flores, Santa Maria, Terceira - os filhos oceânicos que se aproximam, mais e mais, do Continente, enquanto a sua tradição marítima se transforma, deixando pelo caminho os danos colaterais da sofisticação.  

Amaya Sumpsi levou-nos a olhar para lá do horizonte, falando de distâncias, culturais, mas acima de tudo de tempo (o Express Santorini' fazia o percurso em 16 horas). Algo que todos parecem estar unanimemente de acordo, mesmo não tendo a percepção, é que o tempo tornou-se diferente nos Açores, o “bem precioso” anteriormente contabilizado e calculado pelo isolamento, das embarcações de lés-a-lés (facto curioso, o tempo tinha manifestações diferentes conforme a classe social), é hoje inconscientemente descartável. a globalização e os seus efeitos os encostaram mais ao “progresso”, mas também os precocemente retiram do seu berço - do Mar. A negligência converte-os em órfãos quanto às suas origens. 

A trajetória de Express Santorini parece ter encontrado, durante e após a pandemia, o seu fim, a sua obsolescência. Um transporte virado em museu, pronto a ser “arquivado” e esquecido da memória coletiva, e com ele, um pedaço da história antropológica moderna dos Açores partilhará o mesmo destino. As tradições desvanecem no grande azul. Só o Mar recordará de toda a História.