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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Please Baby Please": Amor sem fronteiras, nem preconceitos

Hugo Gomes, 19.11.22

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Objeto conceptual de Amanda Kramer, nome emergente de um cinema norte-americano underground e de tendências queer, que rejeita as ambições ao mainstream que muitos dos seus congéneres “salivam”. Em “Please Baby Please” o “common ground” não é uma exposição às massas, em vez disso um laboratório para a sua irónica “provocação”. 

Terceira longa-metragem da realizadora que de peito aberto refere por “tu” às suas influências ao cinema de Fassbinder e de John Waters - o “mau-gosto” convertido em popluxo como manda os paladares trashs de muita da sua audiência - prova-se no uso desses mesmos gestos na consolidação de um “mais ou menos” remake de “West Side Story”, onde gangues de jovens delinquentes de cabedal e dotes musicais, cruzam deslealmente com “Querelle” de Fassbinder, com todas as plasticidades estéticas e o sonho húmido ultra-colorizado que tal acarreta. 

Kramer arranca em territórios familiares, em criminosos estilosos, bailando em becos “abandonados” de uma cidade noturna rendida à comatose. Um homicídio é cometido, infelizmente captado por testemunhas, o nosso casal … aliás peculiar casal (Harry Melling e Andrea Riseborough). Como garantia do seu silêncio, ambos revelam a morada da sua residência, mas desse encontro, num cruzar de olhares mais intensos que as posses frígidas de medo, é gerado um desejo. Da parte dele, Arthur (Melling), culmina a atração sexual que o próprio nunca se dispôs a sentir, questionando mais do que a sexualidade, a sua identidade social no seu confortável biótopo heteronormativo. Quanto a ela, Suze (uma Riseborough maior que a obra), o constante medo de um eventual reencontro com os seus agressores a liberta das "invisíveis amarras” da sua melancolia, a consciência da sua mortalidade guia-a a uma urgência de viver, a uma correria pelas experiências ainda a serem “descortinadas”. 

A autora parte desses ditos traumas e dos seus diferentes manifestos nas suas personagens e propõe “ted talks” quanto ao binarismo sexual, aos alinhamentos sociais nesses estabelecidos géneros e até mesmo - em foco num cameo especial de Demi Moore - a influência do consumismo na exaltação desses papéis sociais. É um filme-tese (demasiado "preso" ao seu didatico discurso), que por vezes encontra os seus esperados devaneios na estética eclética, “camp” e expressiva ou nas caricaturas-sátiras que se confundem com personagens. Chovem flores, e suplicam-se por amores ausentes dos padrões, da heteronormatividade, dos códigos aí apresentados. 

Please, Baby Please” é uma orgia de temas, de estilos e de gestos pensados na sua possível provocação. Poderia ser mais do que um ato de masoquismo, mas Kramer é sempre um refresco num cinema norte-americano (mesmo que independente), vergado a uma encontrada noção de realidade. Aqui o abandono da credibilidade é um desafio às audiências-refém da dominante “televisão” e dessas novas formas de consumo de “audiovisual”. Aceitamos o travestismo de uma obra com os seus claros, e felizmente, problemas de identidade.