"Dead or alive, you're coming with me!", proclama Peter Weller, ou melhor, Robocop na homónima obra-prima de Paul Verhoeven, enquanto, Roddy Piper, mascando pastilha e com a shotgun a postos, ameaça: "I have come here to chew bubblegum and kick ass... and I'm all out of bubblegum.", numa outra obra-mestra, desta com assinatura de John Carpenter. "They Live" e "Robocop", dois filmes que ilustram o frenesim da sci fi da década de 80, pouco pretensiosa e astuta como deve ser, tendo a violência e o humor corrosivo como brindes. São alguns dos exemplares que serão exibidos nesta terceira edição do Screenings Funchal Festival (do dia 5 a 27 de julho), que, de mãos dadas com o MOTELx, premiará a Madeira ao longo de um mês objetos de culto, ora extraídos da ficção científica dos anos 80, ora dos recentes trabalhos do género de terror com direito a holofote.
Pedro Pão, programador, foi novamente desafiado a apresentar-nos a iniciativa, os seus filmes, as suas representações e a possibilidade de futuras edições com arraial à mistura.
Segundo parece, foram 315 os filmes exibidos ao longo destes 7 anos que marcam a iniciativa Screenings Funchal, como se sente perante este número? Tem a sensação de legado?
É um número jeitoso e que custa a acreditar porque arrancar com isto foi duro. Houve muitos entraves. Portas fechadas que deviam estar abertas e muita porta na cara. A insularidade por si só é tramada e aqui ainda temos algumas especificidades lynchianas que podem ser muito desgastantes e com as quais ou aprendemos a lidar ou desistimos. Eu ainda não aprendi, mas também ainda não desisti. Portanto, de certa forma, é difícil de acreditar, mas não creio que "legado" seja a palavra certa. A sensação que tenho é a de ter feito o melhor que podia (e sabia) com os meios disponíveis. E isso, o que finalmente começa a dar, é uma certa paz de espírito. E mais importante ainda é a sensação de que estas sessões são importantes para algumas pessoas. No final do dia, só isso importa, mas é um número muito bonito.
Este ano, o Screenings Funchal Festival terá como aliado o MOTELx, antes de partimos para a temática do evento, como aconteceu esta abordagem / parceria?
A vontade de trazer o MOTELx ao Funchal começou na minha primeira visita ao festival em 2017. Aquele festival, com aquele público e ambiente, foi uma experiência que me marcou bastante e fiquei com muita vontade de trazer um pouco daquela magia ao Funchal. O cinema de terror por cá geralmente corre bem, mas acho que, apesar de estar melhor, há uma grande lacuna (até neste género) na diversidade das obras que estreiam aqui na ilha. A ideia andou a marinar desde então.
Repo Man (Alex Cox, 1984)
Porquê ficção científica - terror, ou melhor, cinema de género? Como se seleccionou a programação?
Acho que a escolha deveu-se à riqueza e diversidade do cinema de género, das lacunas na oferta e é também uma tentativa de trazer público mais jovem ao Screenings. Tenho particular estima por este género e isso acaba também por influenciar as escolhas. Incluo com relativa frequência cinema de género na programação regular do Screenings Funchal. Recentemente exibimos o “Le règne animal”, “Les Cinq diables”, “Memoria” [Apichatpong Weerasethakul] entre outros e correram bem. Mas não foram bem sucedidos em atrair o público mais jovem que gosta e vai ao cinema ver este tipo de filme. Portanto, aproveitamos estas circunstâncias especiais, e preparamos uma “caixa” que lhes pudesse parecer apelativa (o terror e o sci-fi), para depois apresentar obras autorais o mais estilisticamente diversas possível. E tentou-se no processo, não alienar o público habitual.
Sobre a mostra de culto dos anos 80, continua a existir um diálogo destas alegorias / distopias com a nossa contemporaneidade? Estes filmes ainda funcionam perante um público moderno, e muitas vezes, mais sensível?
Acredito que sim! Acho que nesta selecção o “They Live” é o melhor exemplo disso. O John Carpenter disse há uns anos numa entrevista que o filme não era ficção científica era um documentário. Basta pensar na pandemia para este filme parecer um documentário em vários e perturbadores níveis. Não sei o que poderá querer dizer que filmes futuristas distópicos feitos há quase 40 anos, estejam hoje a se aproximar do género documental. Mas espero que estes filmes também sirvam para pensarmos nisso.
E sobre a seleção infantil?
Toda a secção Lobo Mau do MOTELX é simplesmente incrível. Foi possível trazer ao Funchal o Sustos Curtos que eu acho particularmente mágico. Espero que haja curiosidade por parte dos pais, porque tenho a certeza que os miúdos vão adorar. Acho mesmo importante naquelas idades este tipo de experiências. É um investimento com retorno exponencial garantido.
Ambição para o futuro? O desejo de um ciclo de John Waters mantém-se?
Gostava muito de trazer o Paulo Carneiro e o Pedro Costa ao Funchal e tenho alguns ciclos em mente que gostaria muito de concretizar como por exemplo do Herzog… Mas como é que se escolhem só 4-5 filmes dele? O John Waters continua em cima da mesa. Festejar um aniversário com esse ciclo seria a festa de arromba que a Madeira merece. Adianto em primeira mão que quando isso se concretizar, a edição irá se chamar “Arraial Screenings Funchal”.
Toda a programação poderá ser consultada aqui