Um Cineasta Maldito ou apenas um Cineasta Esquecido?
Partindo de "Rocío" (1980), o primeiro filme capturado pela censura espanhola e ainda hoje proibido de exibição no seu território (conta-se uma sessão envolto de polémica na primeira edição do Festival de Sevilha), o cineasta Fernando Ruiz Vergara foi impedido de concretizar qualquer outro projeto que tinha em mente. Movendo-se de um lado para o outro, entre Portugal e Espanha, o ibérico deixou-nos em 2011 com ideias soltas e material inacabado. Concha Barquero Artés e Alejandro Alvarado Jódar esgueiraram-se pelo seu espólio, abrindo caixa a caixa, contemplando essas projeções e transformando antigos desejos em esboços de filmes. Este documentário interage com o ato de recriação e com a veia documental ao dissecar a pergunta que nos trouxe até aqui: quem é Fernando Ruiz Vergara?
Através de uma abordagem arquivo-performista, o filme ecoa a personalidade do cineasta, do seu derrame profissional ao seu intimismo, com o fantasma de "Rocío", esse seu filme de denúncia e munidos de ferroadas políticas, a perpetuar-se e a sobrevoar todas as lógicas narrativas experimentadas em cada hipotético projeto falhado. "Caixa de Resistência" manuseia o lado politizado do seu vulto, extraindo dessa insuflação de atos incumpridos uma própria encenação política. Nada é deixado ao acaso: o ativismo do cineasta transfere-se para os dois realizadores e investigadores, que, por sua vez, encenam a sua politiquice sob outra perspetiva. Os filmes aqui imaginados nunca serão os mesmos que Vergara idealizou, isso é certo, mas a sua dimensão política também se altera na transladação — e é aí que entramos nas questões mais pertinentes.
Com um filme completo, Fernando Ruiz Vergara é um cineasta ou apenas a sugestão de um, consoante a expectativa de cada interveniente? Ou, virando a pergunta de lado: pode considerar-se cineasta aquele que não tem obra concluída? Será o ibérico, montado por fantasmagorias e fantasmas, um cineasta de um cinema não físico, não espectral, não evidente?
"Caixa de Resistência" não responde a nenhuma destas questões, mas alimenta o debate sobre o que é ser cineasta. Mesmo que, por vezes, se perca entre o filmado, a autoria de Vergara e as possibilidades trazidas pelas nossas anotações e trechos que os outros “criadores” executam em ordens de vidência. Sonhos mal paridos ou pesadelos infalíveis — como se verá um cineasta no calor da sua resistência?