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Catherine Deneuve na rodagem de "La Chamade" / "Heartbeat" (Alain Cavalier, 1968)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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A morte manifesta-se de diferentes maneiras aqui em Cannes, a começar pela simulação de Alain Cavalier que em “Être vivant et le savoir” [Fora de Competição] experiencia o fim, mesmo indiretamente, através da resistência de uma velha amiga sua perante o cancro. Luta que acabará em tragédia e nisso, Alain Cavalier, sem medos de utilizar o seu modelo de cinema-manual, expõe o intimismo, os pensamentos e uma dor controlada com a perda de outros (o seu mundo desaba perante os seus olhos). A morte anda de lado com este novo trabalho do realizador de “Thérèse” e “Irène”, não só pelos fatídicos eventos filmados por Cavalier, como também a sua reimaginação para com o seu próprio fim. O realizador passa para o outro lado da câmara e, após a finalização do seu monólogo, suspende a respiração. Por breves minutos, os espectadores assistiram à queda do cineasta, o seu abraço correspondido com a morte que o cerca. É um filme-testamento, sentimos isso.
Após uma breve introdução de Thierry Fremaux, o poeta (tal como o diretor artístico de Cannes o apelida) entra em palco e emociona-se com a calorosa recepção com que a Sala Bunuel o recebe. Discurso feito e sai inesperadamente da sala. Só depois do filme é que percebemos a sua atitude. A morte aproxima-se cada vez mais e não vale a pena invocá-lo desnecessariamente.
E a morte persiste em outras propostas do festival. Ken Loach procurou no seu cinema característico responder indiretamente a indiferença das sociedades modernas com este tópico. Depois do vencedor da Palma de Ouro, “I, Daniel Blake”, Loach regressa à Competição com “Sorry We Missed You”, onde analisa através de uma família nas suas plenas dificuldades financeiras e sociais, um novo tipo de trabalho precário. O surgimento da “economia gig“, segundo o realizador nas suas notas de imprensa, que veio originar uma nova e disfarçada forma de “escravatura”. O que é que isto tem de relacionado com a morte? Simples, é um filme que ataca uma certa ideia persistente nas sociedades ultra-capitalistas: “temos que trabalhar até morrer”. E que vida é essa, se passamos grande parte dos dias a trabalhar, a gerir horas, a conseguir subsistir através de contratos cada vez mais apertados e sempre monitorizados pela tecnologia.
“Sorry We Missed You” usa essas questões e oferece-nos um filme-exemplo que facilmente poderia entrar em território panfletário, não fossem os seus atores, meros desconhecidos que vêm para a Croisette provar através de uma intensa carga dramática, que merecem um lugar neste universo chamado Cinema
Mas também a morte é o inexplicável, o sobrenatural e o fantasioso. “Atlantique”, uma das obras que aguardávamos com mais expectativa na Competição Oficial, trabalha com o prenunciado fim como o recomeço. Numa cidade costeira do Senegal, a tragédia também faz parte dos romances proibidos, quase shakespearianos, e os fantasmas deambulam na noite como gatos pardos oriundos do mar que se encarregam de guardar os corpos. Dirigido pela atriz Mati Diop (“35 Shots de Rum”), “Atlantique” é um novo exemplo do dispositivo Apichatpong Weerasethakul: a naturalidade com a sobrenaturalidade existente. Mas fora isso, estamos perante um belo filme que oscila pela terra e pelo longínquo e desconhecido oceano, para mais uma vez “tocar na ferida” da questão dos refugiados. Esse vai-e-vem ao improvisado cemitério marítimo para chegar a terra firme, como espíritos de assuntos pendentes, é feito com graciosidade.
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