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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Prémios Curtas - 2ª Edição

Hugo Gomes, 05.04.24

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É já amanhã (05 de abril) que decorrerá a 2ª Cerimónia de entrega dos Prémios Curtas, Cine-Teatro Turim em Benfica (Lisboa), apresentado por Rui Alves de Sousa (jornalista e radialista da Antena 1) e com exibição de três curtas-metragens (“Azul” de Ágata de Pinho [o grande vencedor da edição passada]), “O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto”, de Bruno Caetano, “Fora de Jogo”, de José Freitas, “Comezainas”, de Mafalda Salgueiro e “As Feras”, de Paulo André Ferreira [vencedor do Prémio Curta de Melhor Atriz Secundária da 1ª edição]). Integrei o júri em conjunto com Bruno Gascon (realizador de “Carga”, “Sombra” e “Pátria”), Inês Sá Frias (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Bernardo Freire (crítico), André Pereira (videografo e editor de vídeo), Filipa Amaro (realizadora), Carolina Serranito (programadora), Hugo Azevedo (diretor de fotografia), Bruno Bizarro (compositor).

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Os nomeados poderão ser conferidos aqui.

Curtas, curtinhas, a origem: 1ª edição dos Prémios Curtas

Hugo Gomes, 13.03.23

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Os premiados e os jurados / Fotografia.: Ricardo Fangueiro

Foi através de uma curta que Portugal desbravou caminho em direção à Kodak Theater, a nomeação à tão cobiçada estatueta norte-americana automaticamente entrou para a História audiovisual do nosso país, e então porquê de estarmos constantemente a reduzi-los a "protótipos" de futuras longas-metragens?

André Marques teve um sonho, criar uma cerimónia de festividades, premiações e de comunhão a esse universo bem português, a resistência do Cinema na sua mais natural essência, a simples e de rápida dicção, a curta. Para isso juntou oito magníficos* e fundou um júri, aliciou e arrecadou apoios, e “convidou” a todos os participantes a inscrever o seu trabalho. A sua vontade fez com que o seu desejo se materializasse. No passado dia 10 de março, sexta-feira nervosa devido à nomeação de “Ice Merchants”, cujos Óscares seriam revelados no domingo seguinte (“será desta?” pensavam todos os que presentes), o Auditório Fernando Pessa em Lisboa encheu-se (deve-se sublinhar), para receber a primeira edição, modesta, ainda com o seu quê de improviso, muitas vezes ocultado graças ao malabarismo e carisma de Rui Alves de Sousa, radialista da Antena 1, que assumia o papel de anfitrião. Intercalado pela dita premiação e pela projeção de três curtas referentes aos três géneros-base (ficção, documentário e animação), a cerimónia ficou marcada pelas promessas do seu fundador, ambicionando seguintes edições em maior escala e a ambição de um “microfestival” em celebração daquilo que a curta-metragem tão bem representa - o Cinema, aqui e agora.   

Quanto à premiação, a noite consagrou “Azul” de Ágata de Pinho com cinco prémios, no qual incluem as categorias de Curta de Ficção, Realização, Argumento, Atriz (também Pinho) e Fotografia (assinado por Leonor Teles). “O Homem do Lixo” de Laura Gonçalves arrecada três distinções (Curta de Animação, Curta Documental, Banda-Sonora), igualando com “Punkada” de Gonçalo Barata Ferreira (Montagem, Caracterização, Guarda-Roupa). Os outros prémios; Vítor Norte recebe o de Melhor Ator (“O Caso Coutinho” de Luís Alves), Nuno Nolasco como Ator Secundário (“Tornar-se um Homem na Idade Média” de Pedro Neves Marques), Rita Tristão na categoria de Atriz Secundária (“As Feras” de Paulo André Ferreira), Rodrigo Manaia em Interpretação Infantil (“By Flavio” de Pedro Cabeleira), e ainda a animação “Garrano” de David Doutel e Vasco Sá no campo dos Som / Efeitos Sonoros juntamente com a ‘dobradinha’ de “2020: Odisseia no 3.º Esquerdo” de Ricardo Leite (Direção Artística, Efeitos Visuais).

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Rui Alves Sousa e eu / Foto.: Ricardo Fangueiro

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Vítor Norte brama ao Cinema após vencer o Prémio de Ator / Foto.: Ricardo Fangueiro

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André Marques, fundador do evento, discursa / Foto.: Ricardo Fangueiro

*Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger do Hoje Vi(Vi) um Filme), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico e fundador do Fio Condutor) e André Pereira (videografo e editor de vídeo da Renascença).

Para Ágata de Pinho o "Azul" não tem dimensão

Hugo Gomes, 11.05.22

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Azul, a cor empregue sem discriminações tanto ao céu como ao mar, e cuja união resulta num horizonte único, duas partes confundidas entre si, tornando a sua desassociação impossível. Naquele determinado ponto, ambos os elementos fundem num só, aquilo que mais próximo teremos da chamada invisibilidade, o que não é mais que a redução de um todo. 

Para Ágata de Pinho e a sua protagonista-espelho, o azul, também ele a servir de título da sua curta-metragem, é um estado de espírito a alcançar, um fim prescrito à sua existência - ou será antes não-existência? Com “Azul” seguimos o corpo mapeado por cicatrizes de difícil cura, e ainda mais profundo, aquelas que residem na alma de quem, conturbadamente, não ambiciona prolongar o seu sopro de vida. Entendemos que neste filme, algo intimista, de uma jovem em prazo de validade, ser ou querer ser invisível converte-se mais do que um desejo, uma missão, ou será antes inquietação?

Com estreia mundial no Festival Internacional de Roterdão, e com uma passagem na última edição do Indielisboa, “Azul” é uma curta com um mundo inteiro no seu interior, esse que trespassa o meramente terreno, sobressaindo o emocional como existencial e porque não dimensional, tendo o corpo, que nos últimos anos, o Cinema lhe apropriou como viagens pelas suas “metamorfoses”. O Cinematograficamente Falando … falou com a atriz e agora emancipada realizadora sobre este peculiar projeto sobre a crise da nossa vivência. 

Confesso que senti ao longo da sua curta um ambiente melancólico e igualmente angustiante, e visto ser protagonizado por si, este desejo de desaparecer, talvez figurativamente, talvez fisicamente, vai ao encontro de um lado autobiográfico, ou até de confissão?

Antes de mais, não é um desejo mas uma crença: a personagem realmente crê que vai desaparecer quando fizer 28 anos. Se fosse um desejo, poderiam existir outras possibilidades ou vontades que substituíssem o desejo anterior, mas sendo uma crença, entramos no campo daquilo que é inexplicável mas que não deixa de ser entendido como verdade única — o que, neste caso, se mantém até determinado ponto.

Sim, este primeiro filme é autobiográfico mas sob uma roupagem ficcional. Não me interessou expor a minha vida, interessou-me sim pegar em certas experiências da minha vida e tratá-las com elementos ficcionais misturados com elementos autobiográficos/documentais, mas entendendo sempre estes géneros cinematográficos num sentido lato, expansivo, ao invés de delimitador.

O Azul, não só do título, mas presente simbolicamente nos diferentes elementos, seja a cor como invisibilidade, seja o mar que sufoca a protagonista, seja até mesmo a fotografia que adquire iguais tons. Como surgiu a ideia do Azul como símbolo do conflito existencial desta personagem? 

A cor azul como símbolo é, para mim, uma leitura que surgiu muito mais tarde e que, na verdade, continua a ser assim lida mais por quem vê o filme do que por mim. 

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A relação com a cor azul enquanto paisagem (e não tanto enquanto simbologia) tinha de estar presente no filme, encontrando diversas transfigurações para a sua presença, pois é uma cor que, como sabemos, carrega já tantos sentidos e simbologias. Eu tentei não pensar nessa carga simbólica e cingir-me, genuinamente, à minha relação específica com esta cor. A cor azul aqui tem para mim um sentido muito directo: naquela altura, eu procurava o azul do mar e o do céu, pela sua abstracção e, simultaneamente, pelo seu sentido de absoluto. É mais uma relação directa de sensações/emoções, do que propriamente de simbologia, que para mim implica uma certa racionalização. 

Sobre 28, não somente a idade que a nossa protagonista deseja desaparecer, mas pelo vislumbre da sua vida, ainda confinada a uma certa austeridade e dependência familiar. É sugerido, de facto, mas existe em Azul uma intenção de rebelião contra uma cada vez procrastinada emancipação à idade adulta? Como vê essa independência tardia? Já agora, também gostaria de mencionar que “28” é também abordado na recente longa-metragem de Adriano Mendes (“28 ½”), representado como uma idade de impasse. 

A crença de que ela vai desaparecer aos 28 anos condiciona tudo o resto: porque haveria emancipação, planos, desejo de futuro, se ela sabe quando a sua existência vai terminar? Claro que há muitas outras questões subjacentes a esta crença — e é o que vamos percebendo com o filme, mas, para a protagonista, esta é a primeira verdade, absoluta e inquestionável… No entanto, sim há na mesma rebelião sob a superfície que, à medida que a data do seu aniversário se aproxima, se torna mais angustiante. 

A expressão livre dessa rebelião, ou a emancipação, ou a “independência tardia”, como colocas, só pode surgir se a personagem sobreviver à sua crença e quiser finalmente encontrar o seu lugar no mundo.

Por outro lado, há uma camada que está sempre subjacente que é a da frustração em relação ao que é ser-se adulto nesta sociedade… A rebelião contra isto é, creio, potente e necessária. 

Sobre o corpo algo abstrato da protagonista, e à sua maneira performativa, existe em “Azul” uma aptidão ou fantasia do body horror? Como é a questão dos corpos relacionada com o estado emocional da personagem? 

Há uma questão muito concreta em relação ao corpo desta protagonista, uma questão de saúde que, invariavelmente, alterou a relação dela com o próprio corpo pois teve de aprender a habitá-lo de toda uma nova maneira — e essa procura por, de facto, habitar o seu corpo (daí o lado mais performativo), não é pacífica e não cessou. 

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Depois, ao aliar a isto a crença do desaparecimento aos 28 — um desaparecimento físico, concreto e material também, em que o corpo vai desaparecer — a relação que ela tem com este só poderia ser bastante específica. 

Tenho, sem dúvida, “um fraquinho” por body horror e espero poder explorar mais esse lado no meu trabalho futuro. 

Quanto a novos projetos? Existe desafio para se aventurar no território da longa-metragem? 

De momento, encontro-me a desenvolver uma longa-metragem para a qual consegui, recentemente, financiamento para a escrita. Entretanto, como esse processo será ainda longo e moroso, espero escrever e realizar mais curtas.