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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Netflix & Chill? Ou como o espectador é capturado pela fórmula e pela Adèle ...

Hugo Gomes, 23.12.24

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A Netflix aproveitou a decadência de um género tão associadamente hollywoodiano, trazendo-o de rajada para a sua linha de produção. Enquanto a grande tela se encontra praticamente monopolizada por Tom Cruise, a “casa do ‘N’ vermelho” transforma esta acção turística, de milhões dispendiosos, numa pipoqueira festa para pequenos ecrãs, no conforto das salas de estar. Por vezes, são 100 ou 200 milhões gastos, seja com Chris Evans, Gal Gadot, The Rock ou Chris Hemsworth — o protagonista pouco importa. O que interessa é seguir à risca o sonolento impulso destes espectadores refugiados na sua confortabilidade: montagem rápida, trocista e… puf! … eis o novo “êxito” netflixiano destinado apenas a ocupar uma vaga no referido catálogo.

Voleuses”, traduzido como “Ladras”, poderia ter sido uma conquista de Mélanie Laurent, enquanto realizadora, no género da acção, mas transforma-se numa travessia no deserto em termos de ideias narrativas e cinematográficas. Tendo em conta que, há alguns anos, Laurent brilhou com “Respire” (2014), posteriormente escolhido como cartaz oficial da 54ª edição da Semaine de la Critique de Cannes, aqui está relegada ao papel de tarefeira, cumprindo encargos para “encher chouriços”. Igualmente protagoniza ao lado de Adèle Exarchopoulos — a merecer o cachet na sua choruda forma — e de uma antagonista Isabelle Adjani, automatizada, como bem sabe, para evitar esforço em vão.

O filme flirta constantemente com um conceito de “cinema” de fundo (meramente de fundo), mas acaba por entregar um produto esquecível, sem estilo e completamente padronizado… talvez a estética vencedora da Netflix. Locais, há muitos; as actrizes, ao que parece, aproveitaram essas férias pagas com requinte; e os espectadores, por sua vez, pagaram a devida mensalidade para promover a sua própria domesticidade.

Ansiedade toma o controlo da Pixar

Hugo Gomes, 11.07.24

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Alerta Puberdade!

A sirene ecoa em aviso vermelho, e as emoções, perplexas com o que está a acontecer, fazem de tudo para “despachar” o botão que misteriosamente surgiu no painel de controlo (ou sensorial) com as gordas palavras “Puberdade” assinaladas. Tal não evitou que uma equipa de demolição remodelasse o espaço que as audiências de 2015 conheceram com fulgor e emoção. Isto foi seguido pela chegada de novas emoções, um novo quarteto liderado pela laranjinha Ansiedade.

Em 2024, Riley, a personagem humana que servia de carapaça para as intrigas entre emoções — aqui personalidades comicamente abstratas — cresceu, e, pelos vistos, continua a crescer à medida que falamos. A adolescência está ao virar da esquina, um território amplo e fértil para novos tratados nesta simplificação do funcionamento humano, com a Saúde Mental na berma da sua contemporaneidade. Mesmo com isso em jogo, é impossível não encontrar em “Inside Out 2” (dirigido por um quase “desconhecido” Kelsey Mann) a fórmula vencedora, confessamos, um pouco cansada dos últimos ensaios, mas aqui centrada nessa pedagogia em forma de historieta. 

Enquanto em 2015, o filme assinado por Peter Docter (que também esteve por detrás de “Up” e “Soul") explicitava o papel da tristeza no crescimento das nossas personalidades, aqui a complexidade da identidade é a mais-valia da sua moral. Não somos perfeitos, e os maniqueísmos que interiormente assumimos como verdades não correspondem à nossa essência. Talvez seja por isso que, mais uma vez, Alegria (com voz de Amy Poehler) seja uma discutida “vilã” neste díptico, sendo ela o factor, o direto e indireto, dos conflitos internos de Riley, tratando de atos movidos pelas melhores das intenções (ou cegueira emocional talvez). Mesmo assim, em outra lição estudada pela psicologia simples de “Inside Out”, precisamos dela, sabendo que, segundo ela própria - “Maybe this is what happens when you grow up. You feel less joy” (“Talvez seja isto que acontece quando cresces. Sentes menos alegria.”). Quanto mais voltas na Terra temos mais apercebemos deste facto.

Vejamos, não estamos aqui perante um grande filme da Pixar, receio que esse grau o perdemos há algum tempo (traço uma linha no muito subestimado “Soul”, produção chicoteada pelo medo da COVID e do streaming que transforma o cinema em algo caseiro). Contudo, opera nesse espírito de encontrar uma razão na sua ‘sequelite’, com um humor mais apegado à trama e um universo expandido. Tem o seu momento “pixaresco”, lágrima ao canto do olho pela identificação comum que os temas trazidos ressoam nos espectadores, personagens devidamente carismáticas (o impagável sotaque de Adèle Exarchopoulos enquanto ‘Ennui’, ou Aborrecimento) e o coração requentado. Mas … e o mas está sempre presente por estes lados … já não vimos isto? Quer dizer, a Pixar já não se tornou nela própria numa fórmula previsivelmente identificável? Talvez sim …

Alerta Sequela!! Por este andar, teremos mais divagações na mente.

We are suppressed emotions!

Fim da Humanidade, o "sonho húmido" secreto da Civilização

Hugo Gomes, 02.11.23

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"Sonhamos” com a destruição da civilização desde o seu nascimento. Faz parte do nosso ADN. A submersão de Atlântida, a queda do Império Romano, as sete pragas do Egipto, ou, como é recentemente projetado, o Apocalipse (essa ideia nunca caduca), são sintomas de um desejo autodestrutivo que encontra a sua romantização nas diferentes plataformas artísticas, nomeadamente no Cinema. Com “Le Règne Animal”, somos levados a outro medo, talvez correlativo ao fim da Humanidade como a conhecemos; referimo-nos à perda das nossas características enquanto seres “civilizados”, ao retrocesso às nossas ancestralidades, ou seja, ao primitivismo, ao animalesco. 

Essa ideia foi recentemente transmitida em grande escala no “War of the Planet of the Apes”, a terceira parte das prequelas rebeldes do clássico de Franklin J. Schaffner, em que uma misteriosa doença atinge os sobreviventes humanos do conflito com os símios sapientes, reduzindo-os a “selvagens”, explorando a hipótese de uma animalidade como erradicação do antropocentrismo. No entanto, entendemos que, mesmo ao romantizar/fabular esse desfecho, podemos extrair dele um reflexo da nossa contemporaneidade. 

Voltando ao “Le Règne Animal”, Thomas Cailley, que já havia conduzido a Humanidade (num contexto íntimo) ao seu próprio survivalismo com a primeira longa - “Les Combattants” (filme que revelou a atriz "desaparecida em combate" Adèle Haenel) - disfarça-se numa variação cine-apocalíptica, substituindo os subutilizados zombies e outros mortos-vivos numa epidemia que gradativamente converte humanos em bestas híbridas. A narrativa segue a ótica de uma relação entre pai e filho, sendo este último inadvertidamente portador da misteriosa patologia. Digamos que poderíamos antever o pior em “Le Règne Animal” se a sua produção fosse fruto dos estúdios americanos, previsivelmente preenchida com CGI à vontade ou embrenhada nos seus clichés para as grandes massas. 

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Ora, sendo uma produção francesa (leia-se europeia) e tecnicamente bem alicerçada, este cenário algo distópico relega-se para segundo plano, nunca ocultado, até porque a panóplia de criações antrozoológicas evoca ‘fantasmas’ da sua contemporaneidade [Covid, refugiados, populismo]. O resto é um drama familiar com algumas veias shyamalianas, nada formidável, nem vergonhosamente rejeitado. Porém, “Le Règne Animal” vale pela sua sugestão, pelas possibilidades, nunca cumpridas, de como pôr termo à nossa Humanidade de maneira orgânica. Uma contemplação sobre o retorno às reminiscências naturais que, ironicamente, sempre repudiamos no âmbito do nosso progresso, tudo isso no velcro de um “monster movie

As endiabradas

Hugo Gomes, 04.07.23

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Escuridão apodera-se da tela, acompanhada por gritos vários, pânico sentido em sincronização com um ruído feroz de fundo, um ruído que podemos identificar como labaredas. Incêndio? A nossa imaginação funciona e é com isso que contamos. As primeiras imagens após o breu confirmam as nossas suspeitas, um clarão dividido entre tons amarelados e alaranjados, um fogo parte do fundo tomando conta de todo o plano, um grupo de raparigas - de costas voltadas ao espectador - gritam desalmadamente como temessem pela própria vida, os seus fatos reluzem perante o espectáculo piromaníaco como escamas de um peixe qualquer, salientando no resgate da luz envolta. Elas voltam-se, por fim, os seus rostos são uma mistura de medo e inquisição, no centro, uma face identificável - Adèle Exarchopoulos - a atriz de olhos lacrimejados, a representação dos seus temores. 

Nada sabemos, até porque entra o intertítulo “Les Cinq Diables” (“Os Cincos Diabos”), e as imagens de incógnita violência dão lugar a uma escapada por uma região alpina, um registo possível graças a existência desse “aparelho voador”, o drone, aí nos deparamos com um um cenário de verde exuberante sem percebermos que será ali que iremos integrar, sem sair de lá, na restante duração do filme, o marcado regresso de Léa Mysius (”Ava”, 2017). Portanto, os primeiros minutos incentiva-nos a um mistério, o que terá sucedido ali naquele pacato vilarejo encostado à mata dos Alpes, em lagos de regalar a vista onde uma sisuda Adéle de fato-de-banho justo atravessa numa episódica natação quotidiana, deixando à sua filha menor a supervisão dos minutos, 20 para sermos específicos, o limite do seu corpo perante as gélidas águas? Paraíso dirão muitos, mas um poço de lamentos dirão outros, histórias ocultas e adversidades mal pregadas aconteceram ali, nos confins de “Les Cinq Diables”, deixamos o título de lado e passamos à tabuleta da terriola. 

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Este é um thriller que recorre à envolvência do seu ambiente como muitos hoje tomam partido (um misticismo quase exótico parece infiltrar nessas suas veias), malabarismo entre o intimismo e o sobrenatural, esta última imposta como solução cuja mortalidade não consegue corresponder. Mysius aproxima-se do segredo dos “Les Cinq Diables” como um animal-predador furtivo: antes do ataque definitivo planeia a sua estratégia, acerca a presa, “brinca” com ela de forma perversa numa espécie de deleite à sua superioridade na cadeira alimentar, e como não restasse mais nenhum ato, salta ao encontro da jugular para lhe atribuir o “beijo da morte”. Só que aqui, esse esperado e derradeiro clímax é amortecido pelo reencontro do perdão, e é sob signo que tudo parece funcionar, uma forma de redenção para com o passado, mais do que se apressar em conquistar-se enquanto conto fantástico. 

E no vórtice da trama, a tão referida e “trombuda” Adèle, de risos reservados a esses momentos que aparentemente tanto lhe afectam, a atriz celebrada mundialmente com “La vie d'Adèle” de Kechiche, tem contrariado essa carreira de “femme fatale” dos novos tempos que muitos lhe tentaram induzir, e após algumas experiências agradáveis, seja no sector da comédia [“Mandibles”] ou no drama [“Rien à Foutre”], avança com um dos seus papéis maduros. Sem querer menosprezar Mysius e a sua arquitetura estetizada com que tenta transformar aquela comunidade num cerco à sua possível fantasia, é na atriz que deparamos o motivo de operação de tudo o resto, sem rasgos de ego nem afirmações a miopias, porque tudo equilibra-se ao seu redor. É difícil imaginar este projeto sem ela. 

Adèle Exarchopoulos: "Na vida real sou tímida, no Cinema consigo contrariar isso porque converto-me numa ideia do realizador"

Hugo Gomes, 24.02.23

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Rien à Foutre (Julie Lecoustre & Emmanuel Marre, 2021)

A dupla Julie Lecoustre e Emmanuel Marre concretizaram um filme - a primeira longa-metragem com a sua assinatura conjunta - que pudesse consolidar um retrato, ora existencial, identitário e precário de uma geração. Focou-se então no universo das linhas aéreas, mais concretamente o serviço de bordo, as hospedeiras, ou as "aeromoças" (designação comum do outro lado do Atlântico). 

Quem são? Para além de atravessar os corredores do avião de sorriso estampado e prontidão para servir os passageiros? Que pessoas são estas, cujas felicidades e tristezas das suas respectivas vidas são mascaradas por uma compostura de criadagem no alto-ar. Longe da fantasia que muitos alimentaram (e alimentam), o emprego de travessias intercontinentais se revela numa realidade bem diferente, uma instabilidade que resulta em solidão crónica, em bovarismos sem classe e um sentimento de futuro incerto, desmanchado por uma postura de indiferença. Não só de hospedagem aérea, mas sintoma geracional, “Rien à foutre” é um diálogo dessa mesma; geração rasca, cansada, limitada aos seus sonhos igualmente limitados e estandardizados. 

Porém, o que poderia ser um exemplo de cinema-social, denunciante ou ativo, um fruto da sua contemporaneidade, é na sua concepção, uma obra pessoal e humana. No centro, está Cassandre, 26 anos, assistente de bordo numa companhia low-cost com a ambição de servir voos mais requintados, e porventura em direção ao Dubai. É o sonho do momento, talvez o único que se conscientizou de forma a decretar dissertação aos seus sentimentos de luto e do entranhado solipsismo que a tormenta. Cassandre, poderia confundir-se com a “multidão” farda e munidos de lenço amarelo prontos a bem-servir o passageiro, poderia, mas é Adèle Exarchopoulos que lhe dá vida, ou, por outra perspetiva, maneja os fios da marioneta que esta jovem se “emancipou”.   

Atriz-criança que cresceu, estrela em constante ascensão desde a “ruptura” com Abdellatif Kechiche - o sempre controverso “La vie d'Adèle” (cada vez mais, adicionando a passagem dos anos) - Adèle poderá ter sido “prejudicada” por anos e anos de um falso arquétipo de “femme fatale”, e por isso tenha decidido “aventurar-se” em outros espaços aéreos. Em “Rien À Foutre" (“Zero Fuck Givens”), um slogan silenciosamente emaranhado, viva, por fim, o seu tão requisitado protagonismo. 

Falei com alma do projeto em 2021, nos ecos da sua estreia do filme na Semana da Crítica, em Cannes.  

O seu trabalho neste filme alterou de alguma forma a sua percepção em relação a este trabalho [assistente de bordo]?

Absolutamente! Mudou radicalmente. Confesso que em tempos fantasiava com este trabalho, mas após este filme apercebi da realidade precária e existencial em que estas pessoas vivem, das suas condições de trabalho e até mesmo o descompensador salário. Mas algo que tive a clareza de entender, é o quanto perdido muitas destas pessoas encontram-se, muitas delas eram capazes de fazer quatro voos por dia, logo as suas vidas pessoais se revelavam naufrágios ambulantes. Esta é a realidade.

Rien à Foutre (Julie Lecoustre & Emmanuel Marre, 2021)

“Rien À Foutre" passaria facilmente por um filme à moda de Ken Loach, porque esse “mundo” é mais que exploratório …

É pura exploração, não existe condição humana neste trabalho. Estas pessoas são seres humanos e pela nossa sociedade, geralmente, são vistas como peças robóticas, dispostas 100% a servir-nos.

Para além de um cenário precário envolvente à profissão, o filme o traduz numa espécie de código genético de uma geração. Existe uma sequência em que a nossa protagonista e algumas colegas suas são abordadas por um grupo de manifestantes que protestam por melhores condições salariais e de trabalho, demonstrando um choque entre os valores de diferentes faixas etárias. 

É verdade, mas em certa maneira essa sequência realça o individualismo de uma geração que perdeu essas ideias coletivas, e que ao mesmo tempo acredita nelas, só que arranjou uma outra forma para alcançar os seus objetivos laborais. Entendo que a nossa geração seja considerada uma geração sacrificada, a viver num outro tipo de precariedade, projeção de vida e salários nada satisfatórios, e isso torna-nos desesperados em conseguir e manter um trabalho minimamente sustentável.

Outra sequência crucial no filme, demonstra um exercício de riso estendido que leva a sua personagem às lágrimas, dando a entender uma empatia fabricada e procedural nesta profissão. Não é o mesmo que o trabalho de atriz? Falsear algo para proteger um papel?

A hospedeira de bordo e o trabalho de atuação detém algumas práticas bastante semelhantes, incluindo colocação de uma "máscara social" que nos faz assumir uma outra coisa afastada da nossa verdadeira personalidade. É com graças a isto que as hospedeiras conseguem transmitir aquela sensação de falsa empatia e de servitude inesgotável. No caso específico da minha personagem, a ausência de uma mãe funciona como um fantasma que a vai corroendo porque ela encontra-se numa permanente negação para com esse luto, escondendo-se dele. E julgo que o universo da hospedeira de bordo entra nessa espécie de refúgio e evasão ao luto. Ela aposta nessa ilusão, nessa fantasia que persegue como uma falsa emancipação. No fim de contas, é somente uma rapariga que deseja ser abraçada.

E desejamos abraçá-la de facto. Aquela cena final, cuja fantasia está aparentemente concretizada, a Cassandre parece deparar com a sua própria condição - alguém sentimentalmente esgotada e só - enquanto está no luxo oásis que é o Dubai. 

Nessa sequência, ela mergulha no seu sonho materialista, ela aponta a câmara para si, sendo que esse ato é um ato em que envia uma foto sua para o seu pai, a sua primeira partilha. Mas esse gesto também significa que aquele preciso momento revela-se no limite da sua fantasia, para ela não existe mais nada a concretizar. Também encontro nessa cena uma característica da nossa geração, apenas possível com o fácil acesso a esta tecnologia a qual chamamos smartphones, mais do que coletar memórias, criar uma fotografia como posição de status. Quando a minha personagem está-se a filmar para posteriormente enviar ao seu pai, não está somente a criar uma memória e partilhá-la, como também marcar-se naquele preciso momento, provar não só a sua existência, como a sua presença. Hoje em dia fotografamo-nos para marcar a nossa presença, não para recordar.

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Rien à Foutre (Julie Lecoustre & Emmanuel Marre, 2021)

Mas essa efemeridade que a tecnologia nos providência não se encontra somente na nossa relação com a fotografia, como também nas relações em geral, no filme, por exemplo, a sua personagem utiliza aplicações de encontro de forma a atenuar a sua crónica solidão. Isso cria uma certa dependência, não?

Sim, tenho a noção dessa dependência, ou talvez seja facilidade que essas aplicações de encontros dissipam, de alguma forma, o compromisso e o engajo social dessas relações, o que também é contraditório visto que temos uma facilidade incrível de dizer “Amo-te”, por exemplo, logo não somos imunes a empenhar relacionamentos. Sinceramente, talvez devido à minha idade, não uso essas aplicações, não consigo conceber uma razão para usá-las, se fosse para algum lado e utiliza-se essa ferramenta para algo sentiria-me fracassada. Mas como disse, isso sou eu, que sou bastante tímida. 

Oito anos passaram desde a “A Vida de Adéle”, o filme, que de certa maneira, a “descobriu”. Após todo este tempo, sob novas consciências e percepções na nossa sociedade, e olhando para o que atingiu e as controvérsias que o filme arrecadou, como se sente em relação à obra?

É complexo, porque sinto-me grata pelo filme, mas senti que nos anos seguintes o meu trabalho foi incompreendido. Até voltar a ter controlo na minha carreira, senti não ter acesso aos papéis que merecia, porque simplesmente viam em mim o tipo de atriz que não era, possivelmente condicionado à minha personagem de “A Vida de Adèle".

Falou-me que é tímida, mas depois de “A Vida de Adèle”, apresentou-se em papéis bastante arrojados. A Charlotte Gainsbourg disse numa entrevista que, na vida real, também era uma pessoa bastante tímida, e mesmo assim integrou projetos como “Antichrist” ou “Nymphomaniac”, no seu caso, como é que consegue-se expor, contrariando a sua referida timidez?

A diferença entre a minha vida real e o cinema, é que no cinema os espectadores projetam aquilo que acreditam que eu seja, só que não corresponde ao meu verdadeiro ser. Há uma ideia de que sou extrovertida com base nas minhas personagens, que tenho facilidade em expor-me daquela maneira, mas não sou. Na vida real sou tímida, bastante até, no Cinema consigo contrariar isso porque converto-me numa ideia do realizador. No fundo, os atores são isso, ideias e trabalhos de realizadores. 

Como o trabalho de hospedagem aérea?

Absolutamente, como havia referido, existem muitas similaridades entre a atriz e a hospedeira de bordo, uma delas é a construção de um enigma, aquilo que deixamos transparecer, essa, “máscara social”. Ambas profissões são sintomas daquilo que a sociedade impõe que sejamos ou como comportamo-nos.

Dance with my self

Hugo Gomes, 04.02.23

A liberdade de um filme é medido pelo tempo que é dado às personagens para poderem dançar sozinhas. Ou parafraseando uma das obras menores de Ken Loach ["Jimmy's Hall"] - “We need to take control of our lives again. Work for need, not for greed. And not just to survive like a dog, but to live. And to celebrate. And to dance, to sing, as free human beings.”.

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Spider-Man 3 (Sam Raimi, 2007)

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Babylon (Damien Chazelle, 2022)

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La vie d'Adèle / Blue is the Warmest Color (Abdellatif Kechiche, 2013)

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Saturday Night Fever (John Badham, 1977)

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Frances Ha (Noah Baumbach, 2012)

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Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)

Ya no estoy aquí (Fernando Frias, 2019)

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Bergman Island (Mia Hanse-Love, 2021)

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Grigris (Mahamat-Saleh Haroun, 2013)

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L'événement / The Happening (Audrey Diwan, 2021)

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Kickboxer ( Mark DiSalle & David Worth, 1989)

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Jimmy's Hall (Ken Loach, 2014)

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Cold War (Pawel Pawlikowski, 2018)

Era uma vez dois doidos à solta e uma mosca do tamanho de um buldogue

Hugo Gomes, 14.09.21

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Quando a bizarria se torna um gesto autoral, o “sem razãoQuentin Dupieux assume-se como um dos nomes fortes desse cinema de realidades violadas por um elo absurdo e fantástico, mas sempre pontuadas com o seu quê de existencialismo metafórico. O realizador em estado de graça desde que fez o atípico relato de um pneu assassino em “Rubber” (2010) e cujo anterior conto obsessivo era sobre um homem determinado a exterminar todos os casacos de pele de camurça em “Le Daim” (2019), regressa agora com "Mandibules", um "bromance" constantemente desafiado pelas excentricidades da sua própria jornada. 

Os comediantes Grégoire Ludig e David Marsais interpretam aqui uma espécie de Harry e Lloyd (do sucesso de “Dumb & Dumber”) em versão francófona. São uns taralhocos criminosos, “entranhados” em imbróglios resultantes das suas incapacidades e “imbecilidades”, que se deparam com uma inexplicável mosca gigante e engendram um caricato plano para amestrá-la. Tendo uma veia cómica mais acentuada e reluzente, "Mandibulas" parece funcionar como uma piada prolongada e arrastada por "sketches" dignos desse humor na fronteira do absurdo e da malapata. Mas o filme vive apenas disso, dessa coletânea fluída, e revela-se um esforço inerte, ainda que não se possa deixar de destacar Adèle Exarchopoulos, que nesta arriscada caricatura nos desafia a olhar para ela fora dos contextos “sex symbol” ou da eterna diva “kechichiana” de "La Vie d'Adèle" (2012).

Já a mosca, o acidentado “Macguffin” que dá origem à história, presencia-se como um elemento “normalizado” num biótopo surreal e de uma extravagância sui generis. Mas vemos pouco da criatura, não no sentido visual mas de forma mais interativa com o resto da ação. Embora percebamos que toda esta anedota advém de um pretexto moral e que o inseto colossal é o impulsor, mesmo que soe forçado num final, literalmente, caído do céu. O resto que há para ver é mirabolantemente seco e gasto e, infelizmente, “Mandibules” é um daqueles casos de "ter mais olhos que barriga".

O meu Cinema é feito de Mulheres!

Hugo Gomes, 09.03.19

Não é só o dia 8 de Março que as mulheres devem celebradas, aliás, o dia da Mulher deve ser, sobretudo, normalizado. Todos os dias são dias de mulheres, e todas as mulheres fazem parte dos nossos dias. Como tal, eis o meu contributo, as mulheres especiais que integram o meu Cinema … digo por passagem, que são somente algumas.

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