Da última vez que Acácio de Almeida assumiu a realização, foi há 47 anos num acontecimento cinematográfico denominado de “As Armas e o Povo”, a colheita de emoções e a transição de um país novo vivendo as orgásticas comemorações do 25 de Abril e do primeiro 1º de Maio. Mesmo “não creditado" ele esteve lá, porém, apesar do longo hiato, de Almeida não esteve longe do cinema, pelo contrário, bem perto, presente e criativo. Não é por menos que se tenha vangloriado o estatuto de lendário diretor de fotografia da cinematografia portuguesa, o seu percurso é também uma recolha de experiências, impressões e dedadas digitais.
Em Acácio de Almeida existe um cinema seu, tão seu como dos que assinaram os créditos de realização. Portanto, é com 47 anos em “segundo plano” (as aspas importa para desfazer o literal sentido, como se no cinema existisse hierárquicas artísticas, apesar de encontrarmos nela uma pirâmide composta por capitães e sargentos, assim como praças, já dizia Joaquim Pinto em “E Agora? Lembra-me”), entre Macedo a Oliveira, Cunha Telles a Azevedo Gomes, Villaverde a Costa, ou Silva Melo a César Monteiro, que regressa com uma direção da sua (co)autoria. Só que não é um filme. Quer dizer, é um filme, uma metragem, uma expressão traduzida em imagens anexadas a palavras, é um trabalho como manda a bitola cinematográfica, não vamos destroçar o Cinema como algo padronizado. O que realmente quero dizer é que Acácio de Almeida elabora ao longo de 60 minutos uma reunião, quer de amigos, colaboradores, rostos e mãos que lhe teceram o cinema tão dele como nosso, e através desse círculo de “conhecidos”, começou a falar. Ou talvez seja a deambular, pelos seus pensamentos, as reflexões de cinema que “pintou” e mais do que isso, na combustão desse seu universo - a Luz.
Trabalhar a luz, é como trabalhar os signos da vida. É ser Deus por um dia, ou melhor, por uma rodagem. É questionar a nossa existência. É ceder ao reduzido da nossa insignificância. Para Acácio de Almeida, não somos mais que “Objetos de Luz” (o título revela mais do que a designação), filhos da escuridão apenas contornados pela sua antítese: “O que somos nós em relação à luz? Qual o elo que nos liga a ela?” Perguntas lançadas ao abismo, posteriormente respondidas com a confirmação do óbvio - “somos feitos de luz”. Mas a jornada até essa resposta indefinida é um questionamento da Ordem do Cinema, a dita e simbiótica corrente de todas as partes, não é mais que uma ilusão. A Luz é o centro de tudo, como do fim dos mesmos, e Acácio de Almeida pensa em luz.
O filme (aí está a minha contradição) é inicialmente o arranque desse filosofar, presentes em encenações (Manuel Mozos, o nosso “zeitgeist” era cameo mais que esperado) ou de constatações (Isabel Ruth e Luís Miguel Cintra a constatar que o tempo avança, a juventude morre e só a luz que projeta essas “memórias” imagéticas de um passado “lucidamente” imortalizado). Acácio de Almeida brinca por momentos com a sua filmoteca, mas cede ao bucolismo como via de criar um filme seu concretamente enquanto interroga o seu espaço (“O cinema é uma prisão, a prisão da memória. Aprisiona para libertar (...) fusão de tempo e de espaço. Actos de transfiguração”).
“Objetos de Luz” (não esquecer o outro “lado da laranja” - Marie Carré, a atriz, que certa vez banhou-se na luminosidade de “Agosto”, quer de Acácio’, quer de Jorge Silva Melo - também assumida como realizadora aqui) soa-nos como um espólio de ideias, e poderia ser um legado deixado, um livro que encontra sentido em filme, pronto a ser projetado através, disso mesmo, da luz. Talvez seja por isso que faça sentido nesse formato, ao contrário de uma página de papel, o filme revela-se na casa de Acácio de Almeida. A sua luz, a sua escuridão, o seu contraste e a sua criação.