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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Um slapstick de outra dimensão!

Hugo Gomes, 13.12.19

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Venha quem vier, não existe humor tão certeiro na atualidade como aquele que experienciamos nas produções da britânica Aardman.

Estas animações britânicas em stop-motion, que imortalizaram personagens como “Wallace, Gromit” e, por fim, “Shaun the Sheep” (“Ovelha Choné”), trabalham as gags de forma astuta, ligadas a referências, mas sem nunca depender delas. Por sua vez, é o processo criativo de tão trabalhoso grafismo que nos faz maravilhar com a proeza de execução dessas mesmas piadas. E sim, há algo de muito british na sua condução, invejavelmente ligado ao minimalismo do slapstick, quase digno dos primórdios cinematográficos, muito mais com o universo de “Shaun the Sheep”, onde exercícios sem diálogos audíveis assumem-se como desafios para o próprio storytelling. Se direcionarmos estas produções para as camadas mais jovens, devemos ter em alerta as propostas verborreicas e musicadas dos concorrentes.

Personagem secundária (surgiu pela primeira vez em 1995) que depressa foi promovida a estrela do seu próprio programa de televisão com mais de 130 episódios e que consequencialmente obteve uma aparição cinematográfica em 2015, é agora a repetente destas andanças na grande tela com “Farmageddon”, onde o seu universo choca com a panóplia referencial sci-fi. Não brilhando no seu guião, visto que refaz os lugares-comuns da invasão alienígena, é na narrativa minada de easter eggs e sátiras da cultura popular que se concentra a grande força desta aventura do ovino matreiro que tenta ajudar uma criança de outro planeta.

Desde “2001: A Space Odyssey” até “Close Encounters of the Third Kind”, “Farmageddon” cita toda uma constelação capaz de deliciar os mais jovens graças à graciosidade de um humor universal, enquanto ao mesmo tempo encanta adultos com a sua capacidade de comunicar. Claro, sem esquecer a qualidade da animação, do por vezes desprezado stop-motion.

Era uma vez … o homo futebolis!

Hugo Gomes, 04.03.18

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Está escrito naquilo que chamamos a “História do Homem”, que desde a descoberta do fogo uma criatura sapiente conseguiu por fim moldar o seu redor em prol das suas necessidades, com isso tornando possível a sua própria alteração. De homo habilis ao Cro-Magnon, a espécie humana foi capaz dos maiores feitos, esses que o colocaram numa posição acima de qualquer outra raça animalesca que caminhava sobre o planeta. “Early Man” (“A Idade da Pedra”) não é a habitual jornada alusiva a “Era uma vez … O Homem” (“Il était une fois… l’homme”, de Albert Barillé) que iria resumir em hora e meia e com os habituais gags do seu estúdio Aardman – toda essa viagem ao moderno hominídeo.

Nada disso, aliás existe um dispositivo mais aprofundado nesta animação stop-motion, uma tentativa de consolidar a nossa importância como humanos, a partir do simples facto de termos tornado espectadores. Confusos? Aliás, como esclarece a filósofa francesa Marie-José Mondzain no seu célebre ensaio, a conversão do homo sapiens a homo spectator (homem-espectador) é a capacidade de olhar para a imagem e ir para além do ato de contemplar, refletir e atribuir a representação aos meros traços desenhados e cravados em pedra. É a arte rupestre, os mistérios ou os simples devaneios artísticos dos nossos antepassados, e possivelmente a primeira tendência antecipadora do Cinema, o veículo pré-histórico de narrar ou apresentar uma mensagem pronta a ser encriptada.

E são essas gravuras no qual concentra o núcleo de toda a intriga “futebolesca” deste “Early Man”, mais dos que evidentes “chutes na bola” que um grupo de homens das cavernas, no intuito que reaver as suas terras, terão que executar em frente à chamada “civilização”. E novamente, são esses testemunhos pictóricos que arrancam e desfiam todo este enredo contaminado pela astúcia dos gags e pela proeza de o fazer sem ridicularizar qualquer faixa etária. Tendo a batuta de Nick Park, um dos “cabecilhas” dos estúdios Aardman, responsáveis de êxitos como “Wallace & Gromit” e “Chicken Run” (“A Fuga das Galinhas”), “Early Man” é um objeto lúdico de animação sofisticada, conseguindo, em paralelismo com o seu primo americano Laika, fundir o tradicional e árduo stop-motion com o CGI (aqui utilizado somente como segunda demão). O resultado é gratificante para os olhos da mesma forma que as personagens conseguem emancipar dos iniciais códigos de caricatura.

Porém, é também sabido que nesta história de uma liga de futebol a atravessar os primeiros passos do Holoceno exista um certo quê de “freedom” às burocracias estabelecidas por outrem. Em língua mais atual, as provocações do Brexit que caíram aqui como inequívocos, que segundo algumas fontes, Park escrevia tempos antes do fenómeno sociopolítico acontecer. Talvez esse equívoco atribuía ao filme um inesperado cariz crítico, vestindo com uma máscara de moralismos encharcados neste tipo de produções.

Mas sim, “Early Man” recorre facilmente à sapiência, assim como evidencia o seu lado mais “primitivo”, a sujeita emoção.