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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Sósia de Ronaldo produziu um “objeto estranho”

Hugo Gomes, 20.05.18

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Coloquemos em “pratos limpos” os reais motivos da primeira longa-metragem de Gabriel Abrantes (em parceria com Daniel Schmidt), existir: por debaixo das caricaturas de Ronaldo e do humor deslocado e desvairado, "Diamantino" tende em seguir uma sátira ácida aos movimentos populistas e nacionalistas que tem crescido por toda a Europa (e não só … Portugal não tem sido exceção).

Nesta feita, partimos para um país imaginário num futuro alternativo e não pouco distante da nossa previsão, para encontrarmos o homónimo Diamantino, o maior craque do futebol, um exemplar perfeito do mundo desportivo. O Midas, assim por dizer, perde o seu dom repentinamente, em paralelo com a morte do seu “querido” pai. O protagonista, sem o intelecto necessário para perceber a sua situação, entra num vórtice existencialista e tenta preencher os vazios com atos humanitários, entre os quais adotar uma criança “refugiada” (sem ele saber que é uma agente infiltrada do Interpol) e integrar a campanha de um Partido Político Renovador (que na verdade esconde uma agenda de supremacia nacionalista).

Carloto Cotta, ator habituado a aventuras foras dos habituais contextos do cinema português (como as obras de Miguel Gomes e o esquecido "Paixão", de Margarida Gil), veste com genica este suposto heterónimo de Cristiano Ronaldo, invertendo alguns maneirismos e distorcendo o seu biotipo (as suas irmãs “malvadas”, interpretadas pelas gémeas Anabela e Margarida Moreira), sem nunca se afastar da proposta caricatural.

Obviamente que essas similaridades são chamarizes para que o espectador embarque na corrente da crítica social e política desta rábula de humor direcionado que dispara com jovialidade e encanto de um visual over-the-top. Aliás, é na sua estética (e digamos, um trabalho astuto no campo dos efeitos visuais), o qual Gabriel Abrantes trabalhou para o conceber na sua jornada pelo universo das curtas-metragens [ver com especial atenção “Humores Artificiais” e o segmento “Freud and Friends” do coletivo “Aqui em Lisboa”], que “Diamantino” parece ganhar um propósito na história do nosso cinema. Um fruto, há muito esperado, diga-se de passagem, das novas gerações e dos olhares (longe de um suposto niilismo) frescos quanto à posição da nossa “indústria” para com o país e com o Mundo.

Se há motivos de celebração, “Diamantino” está longe de ser um exercício perfeito. A ausência de dinamismo na sua concepção e da farsa, que tende em dissipar-se no decorrer da narrativa, tornam-no um objeto frágil como um castelo de cartas. Mas face a estas marés “velhacas” da arte do "storytelling", o filme de Abrantes e Schmidt é um autêntico OVNI que promete, sobretudo, futuras reavaliações.

Há muito tempo que não se via um filme português assim … tão … estranho!