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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Simplesmente, "mau porno"!

Hugo Gomes, 12.03.21

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Em “Bad Luck Banging or Loony Porn”, a questão não se resume a “mau porno”, ao invés disso, como a atualidade transformou-se em “pornografia rasca”. A mais recente longa-metragem de Radu Jude (cineasta que tem dado cartas na pós-vaga romena e realçando um cinema muito crítico à história do seu país) venceu o último Festival de Berlim (mesmo que virtual) com distinção, provando além de mais estar ao desencontro do dito radicalismo que muitos querem vender perante o seu formalismo algo tosco, é um cinema que fala na contemporaneidade por vias de uma ridicularização cruel.

O filme inicia assim como um choque frontal. Pornografia explícita e real frente aos nossos olhos, o dispositivo narrativo que culminará toda esta paródia tragicómica de perspetiva quase apocalíptica. Como tal, seguimos a professora Emi (Katia Pascariu), de uma reputada escola, que irá enfrentar o dia mais desafiante da sua vida. Em plena pandemia, ela será sentenciada por um bando de pais raivosos, com a responsabilidade de ditar o seu futuro. O porquê? Porque a nossa protagonista é estrela de um filme de sexo caseiro com o seu marido, que por obra, ainda desconhecida, “cai” na internet à mercê de qualquer um, principalmente dos seus alunos.

Bad Luck Banging or Loony Porn” aborda uma suposta “obscenidade” para a confrontar com outras presentes, e cada vez mais, na nossa sociedade. Enquanto Emi é atacada pela sua exposição sexual, os argumentos vindos destes encarregados são recheados de discursos extremistas, misóginos, antissemitista, homofóbicos e com algumas teorias da conspiração à mistura. Porém, o alvo é a sexualidade da mulher (e podemos colocar em letra maiúscula porque as nossas mencionadas sociedades “modernas” lidam mal com a libertação sexual, muito mais proveniente da área feminina), o resto, esse caldeirão de perversidades, mau-caracteres e gestos antiéticos são banalizados.

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O que resta é uma reação, um impulso aos estímulos que mantêm viva uma sociedade decadente, ainda conservadora e reprimida. “Não há revolução sem revolução sexual”, os ecos do tão atípico “W.R.– Os Mistérios do Organismo” (Dusan Makavejev, 1971), mencionada invocação pelo próprio Jude, inserem-se como um espírito condenado por um fantasiado armagedão. O Mundo à beira do seu ponto final, não por culpa de um vírus, mas por culpa da nossa natureza, rude e apática (mesmo que a palavra empatia seja a segunda mais pesquisa na internet na Roménia, um passo atrás de “felácio”, segundo o dicionário de idiossincrasias romenas que surge como interlúdio dos seus atos narrativos).

Aproveitando o “palanque”, esse dicionário assumido, irónico e mórbido, gostaria de transcrever a passagem de “Cinema”, o qual essa mesma definição invoca a lenda de Perseus, guerreiro mitológico grego, e o seu encontro com a temível rainha das górgonas, Medusa. Como bem sabem, a outrora mais bela mulher do mundo, castigada pelos deuses e reduzida a uma hedionda criatura, tinha como habilidade (talvez seja mais maldição) transformar carne em pedra através de um simples olhar. Perseus conseguiu o feito de dizimar a tal criatura, utilizando um escudo espelhado. Graças a esta ferramenta, o herói pôde enfrentar Medusa sem olhar diretamente para esta. A lição retirada é a seguinte – o Cinema reflete os horrores do mundo para nós, o qual somos demasiado amedrontados para olhar na sua realidade.

Bad Luck Banging or Loony Porn” é, isso mesmo, um espelho da nossa contemporaneidade.