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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Serão Danado ... e há fotos que o comprovem!

Hugo Gomes, 10.04.22

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“Sou eu e a puta da shotgun”

Lembro como se tivesse sido ontem … Foi na projeção de imprensa de “Verão Danado”, na sede do ICA, pronto para ver uma prometida “primeira longa-metragem”, "saidinha do forno” para se “enfiar” em Locarno. Benzi-me inicialmente mesmo não sendo religioso, possivelmente tratei daquele ato como um ato de superstição (ou de preconceito), e como previsto (julgava eu), as imagens começaram a rolar … ou em modo de trocadilho manhoso - “rural”. “Mais um relato de fascínio pela nossa ‘portugalidade’”, revirei os olhos após os primeiros minutos, contudo, e como havia insinuado, “lembro como se tivesse sido ontem”, esse momento, esse filme e esse realizador [ler crítica e entrevista no site C7nema].

Francisco (Pedro Marujo) pode muito bem ser um jovem do interior, mas é em Lisboa, essa cidade-perdição (não se via tal desde “O Sangue” de Pedro Costa), que a sua viagem começa, e como grande parte delas, o trajeto revela-se mais entusiasmante do que a sua derradeira paragem. Já nos seus vinte, o protagonista mal-amparado, de precariedade mas desinteressado na estabilidade, vive o dia como fosse noite e a noite como fosse dia. Ou seja, o que parecia mais um nos relatos abundantes, converteu-se num retrato de uma juventude alimentada pelas últimas luzes da sua “imortalidade” e, mesmo assim, à deriva do seu limbo criado e socialmente gerado. Pedro Cabeleira, o realizador do qual “tivesse sido ontem”, nos enganou bem. Felizmente nos enganou!  

Com “By Flávio" (a sua nova curta-metragem, que estreou no Festival de Berlim), o engodo também acontece, desta feita na forma da atriz Ana Vilaça, aqui Márcia, uma jovem mãe solteira cujas suas decisões parecem remeter-nos a um caminho predestinado, de extrações moralistas ou reflexivo conforme seria a previsão de uma geração refém das redes sociais e das suas ditaduras estéticas. Contudo, retém-se a segunda - ditaduras estéticas - para sermos embalados num filme estetizado sobre a estética que desejamos definir para nós próprios. Por outras palavras, e apoiando-se no primeiro momento da curta, onde aquela foto destinada ao Instagram é cuidadosamente seleccionada, mas sem nunca descartar dos seus devidos retoques (requisitadas manipulações), centra-se na imagem de como nos vemos e como desejamos que os outros nos vejam. A rede social, esse idealizado avatar, converteu-se na nossa identidade priorizada, cuja nossa existência deve-se ser manuseada e comprovada com fotografias ou “pegadas tecnológicas”. 

By Flávio" é em pouco de meia-hora de peripécias um caderno de rascunhos passageiros sem nunca instalar-se, e por um lado, funcionando na “mouche” em nunca persistir nem perseguir os temas (Cabelereira é tudo menos realizador de “filmes-de-tema” e mais autor de "filmes com vida", talvez sangue na guelra seja a palavra adequada). Foi o que aconteceu com “Verão Danado”, os tópicos estão lá para consumo rápido, mas não de jeito efémero, ao invés disso, nómada. O engano, feliz golpe, é já a sua marca. Danado do rapaz!