Será a justiça civilizada?
A realizadora Teodora Mihai “apropria-se” duma história envolvente de narcotráfico e do flagelo de raptos ocorridos no norte mexicano, conduzindo essa jornada ilícita e ambígua pelos olhos de uma civil - Cielo (Arcelia Ramirez quase leva o filme de atrelado) - que vê a sua filha sequestrada por essa mesma rede. Mesmo com o resgate pago, a protagonista é “aprisionada” em esquemas atrás de esquemas, cujo desespero a leva a unir-se a militares especializados no combate aos cartéis, uma associação que revelará em Cielo uma fúria constante, o antídoto à sua constante impotência, como também acesso a um mundo onde por vezes a salvação é tão ou mais sádica do que as forças que combatem.
Coloquei aspas na palavra “apropria-se” com um simples propósito, trata-se de um relato mexicano, puro e duro e evidente nas suas entranhas, fruto de uma pesquisa intensa quanto a este cenário, contudo, a cineasta é de origem romena (a primeira longa-metragem), a encarregada de trazer para o grande ecrã esta desesperada resistência maternal. Se por um lado, encontramos um enredo que facilmente envergaria pelos estreitos caminhos da vigilância revanchistas (“Taken” depressa nos ocorreria na ponta desta intriga) ou nos habituais jogos culturais e político-sociais entre mexicanos e norte-americanos, a fronteira como trincheira, que deu origem a toda uma tendência por vezes muito bem-sucedida (“Sicario”). Contrariando isso, “La Civil” afronta-se na óptica de uma “civil”, fora das brigas entre federais e criminosos, rompendo também as objetivas da ação normalmente reconhecidas nas variações hollywoodescas, para encaminhar num registo de realismo austero (não é por menos que o romeno Cristian Mungiu e os irmãos Dardenne integram a produção do filme).
Porém, sendo um filme próximo de uma cadência documental (o projeto foi pensado como um documentário, transitando para a ficção como mera segurança) é vertiginosa a transformação algo tortuosa da personagem de Ramirez, em paralelo com a de Álvaro Guerrero (ator célebre no mundo telenovelesco mexicano), o pai da jovem raptada, que manifesta uma impotência ainda maior, tendo em conta que a sua masculinidade é conflituada pela ocultada e não perceptível carência.
Por entre guerras de cartéis, Mihai espelha uma descida infernal de uma “inocente”, um mero dano colateral, que cuja contaminação com este ambiente a transforma numa espécie de impiedoso anjo da vingança. Tudo isto lido entrelinhas, de câmara à mão, orbitando de volta à ação e sugerindo mais do que expondo. “La Civil” escapa dos lugares-comuns pela sua imposição de poder, descortinando as vozes silenciadas de uma disputa moral.