Sentimentos compartimentados ...
Juho Kuosmanen novamente ostenta um conformismo passivo para com as desilusões que a vida toma, um código linguístico que translada do seu consagrado “The Happiest Day in the Life of Olli Mäki” (2016, vencedor da secção Un Certain Regard de Cannes), sobre um pugilista que se balança no triunfo ou no esquecimento, até pairarmos neste transiberiano de nome “Compartment Nº6”.
As desventuras de uma finlandesa aspirante a arqueóloga (Seidi Haarla) movida pelo magnetismo de uns petroglifos russos ainda por descobrir, inicialmente forçada a criar ligação com o seu companheiro de carruagem, um, à primeira vista, repugnante russo (Yuriy Borisov) que se revela num ser misterioso e de uma estranha fragilidade emocional. Enquanto espectadores entramos na dúvida quanto aos sentimentos mútuos destas personagens de pólos opostos, assim como no tom indiciado pelo filme. Portanto acreditamos no romance acidental no meio daquele gélido caos sentimental sustentado por um humor caracteristicamente nórdico, de jeito calculista nas estranhas de uma sarcástica “criatura”, mas não é isso que Kuosmanen nos dá numa bandeja.
“Compartment Nº 6” é a união de dois derrotados pela vida, errantes perante um incógnito que se dá pelo nome de experiência. O destino é o que menos importa num percurso de dúvidas, hesitações, falsas-certezas e revelações subliminares de estados de alma, no fim de contas com tantos hieróglifos para decifrar tão próximos da nossa vivência, os tais achados arqueológicos que servem de macguffin e que pelos vistos ninguém ouviu sequer falar, soam a meras desculpas para eventuais desilusões. Mas faz parte do sentido invariável do nosso crescimento pessoal, irmos aos "confins de mundo” para nos depararmos com a solidão crónica na qual estamos envolvidos.
Nunca me canso de citar Fernando Lopes na sua breve aparição de "The Lovebirds" de Bruno De Almeida - “Existe uma beleza triste na derrota” - e tendo esse signo em vista, é de facto inegável a beleza nas ferrovias de “Compartment Nº6”. Resistindo à melancolia como uma falhada festa!