Século XXI: a sobrevivência estóica do “blog” cinematográfico
Edifício Master (Eduardo Coutinho, 2002)
A relativa perda de abrangência dos “blogs”, particularmente os de cinema, nos últimos anos, diz menos do caráter de sobrevivente daqueles que ficaram do que os tempos de superabundância no qual vivemos: há filmes produzidos numa quantidade impossível de serem distribuídos e divulgados adequadamente; há canais de expressão para o “cidadão comum” numa escala nunca antes imaginada.
O cinema vive uma crise de superabundância, onde milhares de filmes, muitas vezes sem um horizonte maior do que uma exibição num festival de cinema ou umas poucas sessões num centro cultural, são produzidos. Isso significa que a maioria está fadada a um circuito minoritário, algo que não anula a sua relevância mas, certamente, reduz o espetro do público de um “blog” de cinema que pretenda dedicar-se ao cinema alternativo.
Neste sentido, a democratização geográfica permitida pelo “streaming”, potencializando uma multiplicidade de proveniências que o circuito de salas, dominado por três ou quatro companhias nunca permitiu, não ajudou em igual medida na inclusão do espectador em formas narrativas distanciadas do tradicional “story telling”. De qualquer forma, em termos temáticos, possivelmente encontram-se algumas ousadias mais do que o dito “cinema alternativo”, pressionado pelas agendas da “representação” e da “inclusão”.
Já o dito “cinema comercial'', tampouco, está seguro e vem enfrentando crises que parecem não ter fim nos últimos anos - primeiro a pirataria, depois o “streaming” e, para colmatar, uma imprevisível pandemia que afastou as pessoas das salas por dois anos. Em países como Portugal, esse afastamento deixou sequelas: os níveis de frequência às salas nunca retornaram. O cinema pode assim, cada vez mais, confundir-se com a televisão - o que representaria a sua derrota estética definitiva.
Ao mesmo tempo se, como dizia Eduardo Coutinho, notório por “dar voz” aos humildes que não a tinham, “ao expressarem-se as pessoas legitimam-se a si próprias”, não são menos múltiplos os formatos e canais com que hoje “cidadãos comuns” conseguem entrar num terreno que antes era espaço privilegiado da imprensa “oficial” (leia-se, dos grandes grupos de comunicação). Isso, como sempre, trouxe o melhor e pior ao mundo: de um lado significa que pessoas inteligentes e capazes que não encontraram espaço no mercado consigam dar vazão aos seus conhecimentos e interesses; mas, de outro, certamente, trouxe uma explosão de conteúdos que têm como marca maior a superficialidade.
A crítica, por seu lado, pressupõe um juízo de valor mas, como dizia François Truffaut na sua introdução de “Os Filmes da Minha Vida”, o cinema é a única arte (basta pensar na literatura ou na música), onde qualquer um acha-se à vontade para considerar-se um crítico. Essa “confiança” é tal que até livros sobre o tema são escritos por amadores bastante limitados.
Assim, no meio do maralhal, o “blog” de cinema é um estoico sobrevivente.
*Texto da autoria de Roni Nunes, jornalista, editor do site CulturaXXI, colabora com o C7nema e Sapo Mag