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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Se não passa na “rádio Tuk-Tuk” é porque nunca existiu

Hugo Gomes, 24.02.20

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“Nós e os espanhóis é que inventamos a globalização, e hoje é a globalização que nos lixa”

Afirma o condutor de tuk-tuk (João Patrício) num dos seus enésimos trilhos turísticos por uma Lisboa, que segundo o próprio, vive na sombra daquilo que fora e que se debate quanto à sua identidade. Paulo Abreu (“I Don’t Belong Here”) concretiza em “Alis Ubbo” um mapa sobre as diferentes metamorfoses da capital portuguesa, desde a sua germinação nas margens do rio “Tagus” [Tejo] sob a assinatura fenícia (o título do filme advém da primeira e oficial designação) até à idealização de um quinto império, uma utopia harmoniosa apenas centrada no imaginário de Fernando Pessoa.

A curiosidade neste documento que utiliza e reutiliza as imagens e os sons num prolongado método de mixagem, encontra-se na cadência do seu registo fílmico que compõe uma atribulada e invulgar jornada pela história da cidade, sempre pontuando a sua ironia. É um filme turístico, mas não sob o ponto vista do turista, e sim de quem acarreta os “estrangeiros” de passagem na redescoberta de uma Lisboa vendida à ilusão (será este o dito quinto império?).

O nevoeiro abate-se logo nos primeiros minutos, isso depois do letreiro reafirmar uma das perdas do património citadino, destruído por via desse processo de exposição à estátua de D. Sebastião, o “messias” perdido na bruma marroquina. E após a dissipação, um cruzeiro atraca no porto (Ventura é o que se lê na sua proa, hoje tido como uma coincidência política de mau gosto) “despachando” de seguida os “cidadãos de outros mundos” que vieram “contaminar” Lisboa numa caótica Torre de Babel.

São as diferentes línguas que se amontoam e dificilmente é mesmo ouvir o português perante essa barafunda linguística, somente palavras soltas, aquelas que o condutor de tuk-tuk profere para explicar “à portuguesa” o percurso histórico da cidade, ou da “Rádio Tuk-Tuk” que se ouve lés-a-lés e que contextualiza todo este cenário.

Não se trata de lições de histórias aquelas que Paulo Abreu deseja difundir nesta sua obra, e sim um registo de uma cidade em movimento, instalado como um oásis turístico, a “faca de dois gumes” para a salvação da sua identidade e ao mesmo tempo o seu caminhar para o anonimato; a dita “globalização”. “Alis Ubbo” provoca essa silenciosa discussão, enquanto premeia um ritmo de passagem em toda esta jornada por quatro estações e um punhado de séculos vividos.

Sim, breve e efêmera, como um  guia turístico.