Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

São mais que as mães ...

Hugo Gomes, 11.03.23

Everything_Everywhere_All_at_Once-962646354-large.

Um caldeirão de possibilidades em jeito trocista e em modo “chico-esperto”, Daniel Scheinert e Daniel Kwan (a mesma dupla que fizeram Daniel Radcliffe de um canivete suiço humano em 2016, ou a “crazy party” do videoclipe “Turn Down for What” do DJ Snake) tinham tudo para falhar na imensidão do seu ridículo, porém, o filme, que resgata Michelle Yeoh dos intermináveis papéis-tipo de anciã de artes marciais que Hollywood a sequestrou, é um dedo médio esticado aos ensaios metafísicos que os extremamente sérios Nolan e Villeneuve executam com gosto. 

Mas não se deixem levar pelo seu absurdismo e pelas referências metalinguísticas, “Everything Everywhere All at Once” remete à nossa mortalidade, insignificante existência digamos, tratando-a com respeito, astúcia e sobretudo Humanidade. É filosofia açucarada multifacetada, entendida sem dissertações complicadas (acima de complexas), envergando-se por uma montagem frenética (hiperativa, sublinhamos), conectada ao seu espírito (multi)dimensional. Schrodinger, ou Lovecraft, meros peões neste falso-wuxia tecnológico maximiliano que repesca em “bom porto” aquilo onde “The One” (filme-tentativa com Jet Li, datado de 2001) exercitou. Aqui o ensaio deixado, insurge-se perante as “fuças” de uma vaga multidimensional ressonada nas estratégias mercantis em outras estâncias (cinema de super-heróis, estamos de olho em vocês), embora nas mãos dos Daniels [nome carinhoso] sabe a um uoque salteado e confraternizado para com a nossa mesquinhez humana. 

Porque se o observarmos de lado, o destino, essa onipresente temática no cinema norte-americano popular, não é mais que uma mera anedota, cruel piada contada aos “infelizes”. E assim seja, ditada como história infantil, paródia ao body horror, ou aspirante a Wong Kar-Wai em dó romanesco, disfarces e muitos para apaziguar a amargura de uma vida desencantada, austera, rodeada de sofrimento para quer que se vá. Para Evelyn (Yeoh), essa intrínseca “infelicidade” (talvez a existência é por si infeliz) manifesta-se das mais variadas fontes, do passado que nunca fora concretizado, ao presente arrependido, ao futuro incerto, de relações familiares perdidas, exaustas, fragmentadas. Ora, “Everything Everywhere All at Once” é “tudo e mais alguma coisa” na vida de uma mulher, quiçá a fantasia abraçada enquanto escapismo, ou o refúgio dos inconsolados perante a decadência do quotidiano. 

Há no núcleo desta parafernália sci-fi a mais identificadora das histórias, e nela, o seu alicerce emocional - entre pais e filhos, resulta a epifania, o macguffin, o conflito e a sua loucura, nela está origem e a solução. Talvez peque por ser demasiado longo, com isso ostentando a sua proeza criativa (“what the fuck ali” ou “what the fuck acolá”), mesmo assim, nada nos faz negar de facto estarmos perante de um sucessor de “Matrix” por direito. 

Aos cépticos quanto à “comparação” ou desaprovação da herança, basta relembrar a renúncia do qual a referida obra dos(as) Wachowski foi recebida em épocas da sua estreia - "filosófico, isto? Está tudo doido”. Não creio que a constatação seja imediata, isto leva anos a consagrar-se, mas para “Everything Everywhere All at Once”, o selo de Óscar (basta nomeações), revelou-se no seu “calcanhar de Aquiles”, colocando na berra um filme fora dos parâmetros “oscar bait”, com isto colocando-o à mercê dos "cinéfilos” temporariamente acordados, para que no final da cerimónia do Kodak Theater regressem aos seus sonos cíclicos Para quem vê o cinema numa só dimensão e não procura-o em outros “mundos paralelos”, este é definitivamente um filme a milhas deste discurso “oscarizado”.