Sandro Aguilar: a narrativa não é a prioridade
A Zona (2008)
Dentro do seu Universo, o Cinema (que mais?), Sandro Aguilar poderá dividir-se em duas personalidades. A primeira, enquanto produtor, com uma excecional contribuição nos obriga a nossa eterna gratidão, sendo também um dos fundadores do O Som e Fúria, produtora que nos últimos anos tem apostado em algumas mais consagradas e elogiadas obras da nossa cinematografia (Tabu, Mil e uma Noites ou Cartas da Guerra, só para mencionar alguns). Mas a personalidade que vos falo é outra, enquanto realizador, um culminar de uma paixão em correspondência de uma visão de Cinema e nesse aspeto, Aguilar exibindo o seu “diploma”, tem vindo a consolidar uma ideia de narrativa, aliás, criando com isso a sua própria natureza de autor (bem poderia ser uma terceira personalidade).
Contam-se mais de 14 curtas-metragens e, atualmente, duas longas, num currículo que interliga-se, experimenta-se e motiva as mais diferentes reações. Falamos de um realizador sobretudo tecnicista, sem com isso alegar a sua vertente académica. Aguilar desfaz todas essas rígidas regras, assim como a convencionalidade da própria narrativa. Por outras palavras, não cabe a si recriar “telenovelas” (mencionando os rasgos irados cometidos por João César Monteiro no seu particular episódio de 2000), o realizador compõe sensações (eis um cinema sobretudo sensorial).
Mas para chegar aqui, teve que experimentar. Experiências … experimentalismos … ou somente encorajamentos para um encontro com o seu “eu” artístico, de forma a atingir o momento exato de Mariphasa, esta sua segunda longa-metragem, cuja a forma nos leva, inegavelmente, ao núcleo do seu universo. A obscuridade deste filme, quase que deixa o espectador, literalmente, às “escuras”, é uma prolongação do seu trabalho imposto em A Zona. Em ambos os casos, o cenário é somente uma sugestão, cuja ideia de tal é alargada, expandida até se tornar numa metáfora visual, ou diríamos antes, na estrutura do seu enredo codificado
Em A Zona, a sala de espera de um serviço de urgências, aquela área de compartilhamento da inquietação e o desespero, da coexistência da dor, incide para fora das quatro paredes. Essa dor tem um rosto, no caso do modus operandis de Aguilar, têm gestos e movimentos. Já em Mariphasa, onde assistimos a um primor técnico (destaque para a fotografia de Rui Xavier e da sonoplastia trabalhada por Miguel Cabral e Tiago Matos), a atmosfera é a cânone de um “não lugar”, a cave onde pesadelos são armazenados, sem saber ao certo como estas materializam. Não é por menos que neste universo, a povoação é monstruosa … vá, monstros com “cara de Homem” … que buscam, cada um deles, à sua maneira, a redenção, assim como o título explicitamente suplica para a compreensão (mariphasa, nome atribuído à planta-antidote do Homem-Lobo na sua versão de ’35).
Em seu jeito, quase aludido a esse cinema de buscas algo labiríntico, Sandro Aguilar procura um “Santo Graal” nesse seu Universo, provavelmente o tão cobiçado estatuto de autor, provando ser capaz de figurar lado-a-lado dos autores o qual os filmes produz. O futuro ditará, mas tendo em conta o visto e revisto nestas duas longa-metragens, temos formato e voz. A afirmação vem depois.
Texto publicado no blog da Filmin Portugal (ver aqui)