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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Roma fora de casa ... e de horas

Hugo Gomes, 28.04.24

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Não fiquemos surpreendidos com as constatações estéticas que este “Adagio” nos apresenta de imediato, tendo em conta que a sua mão assinante é a de Stefano Sollima, realizador que povoa os três mundos; Itália e a sua indústria, Itália para o Mundo por via Netflix e Hollywood (“Sicario: Day of the Soldado”). Com este novo filme, terceira parte de uma possível e não-pensada trilogia, são abocanhados os dois primeiros “mundo” com foco no terceiro, até porque Sollima, perante uma Roma apocalíptica - onde os ventos sopram com notícias de uma incêndio de enormes proporções com o clarão, as cinzas e o odor a queimado servindo como um postal, e pelas intermitentes cortes de energia que lançam o caos escurecido na capital italiana - é uma atmosfera que tem tudo e ao mesmo tempo familiarização pelos diversos panorâmicas em modo drone, é uma periférica comum na nossa atualidade, desde a produção mais rasca até ao grande orçamento. Portanto, as vistas da cidade, tão bem condizem na grande tela como no pequeno ecrã, assim justificando o “N” colorido que dará a vez à “Netflix” na antecipação dos créditos iniciais.

Falar de cinema, com C, hoje em dia, a nível visual, é cada vez mais uma discussão pela desapropriação e deserdação das mesmas categorias grandiloquentes e plenitudes, ou seja aqueles ditos planos unicamente ligados à experiência de sala transladaram para produções caseiras, domesticando essa linguagem como um “ferro a fogo” para com a sua ambição. Sollima entende muito bem isso, essa sensação de grandeza, não prescrita somente à sua linguagem de vista, mas também no pretensiosismo da sua narrativa. ora, confessamos, fiel ao seu espírito “Suburra”, o realizador reveste a cidade e a usufrui como uma personagem à parte, ou, vulgo no verdadeiro protagonista, o testemunho silencioso de um crime e a sua sucessão de malapatas que vão despertar uma organização criminosa há muito entendida como extinta. 

Nesse âmbito, o casting faz as suas maravilhas, entrelaçando os possíveis, três grandes atores da cinematografia italiana da contemporaneidade - Toni Servillo, Valerio Mastandrea e Pierfrancesco Favino (com uma caracterização de meter dó) - estes gigantes trazem consigo uma aura de lenda, mesmo que a sua apagada mitológica seja forçadamente improvisada no seu momento. É nesta trindade que encontramos marcos narrativos que delineiam os seus actos (ou arcos), seja a escuridão de Mastandrea como o pontapé de arranque à trama propriamente dita, a loucura de Servillo como o “adagio” (apropriando-se do título) que o enredo investe e por fim, o pathos de Favino como o clímax. Os três nomes que balançam nos seus respectivos arcos entende-se, são também eles as gárgulas da cidade de Roma, depositando na antiga metrópole a sua personificação. 

Sollima, com este retrato todo, mais uma vez mesclado os seus temas prediletos - corrupção, corrompimento e salvação - gera uma produção requintada (e requentada) com um ritmo que vai do frenético ao pausado, ao calculado ao despedaçado, mas sempre respeitando o paladar de um espectador despreocupado com transgressões ou leituras mais intensificadas. Porque “Adagio” posiciona-se no grande ecrã como no pequeno, sem distinção e sem convicções de um lado que seja.