Rita Nunes em "Linhas Tortas": "Sou uma realizadora como sugere a terminologia americana"
“Deus escreve direito por linhas tortas”, já Rita Nunes concebe “Linhas Tortas” por uma escrita direita e sem engodos para além da sua mensagem. Mas não pensem que com isto esteja a reduzir o filme a uma temática que seja - há um óbvio tratado sobre as nossas relações e as identidades nesta era digital agravada com a dominância das redes sociais, esse romance tímido prendido a desejos e telas enquanto barreiras entre Américo Silva e Joana Ribeiro - mas existe uma sobriedade narrativa sem nunca vergar pelos códigos televisivos ou a linguagem imaturada enquanto colheradas de “papas para bebé”.
Produzido por Paulo Branco, “Linhas Tortas” estreia nas nossas salas com um sabor de zeitgeist, um filme português que anseia falar do nosso tempo com a modernidade mas nunca com a sua imediatismo nem pop(ismo). O Cinematograficamente Falando … falou com a realizadora numa breve conversa sobre este seu novo projeto.
Queria que me falasse sobre a génese deste "Linhas Tortas"? Da sua ideia até ao seu processo de escrita.
O projeto começou em 2014, foi precisamente na altura em que falei com o Paulo [Branco], o qual queria que escrevesse com outra pessoa. Aliás, eu não assino como argumentista, mas Carmo Afonso sim.
Sou uma realizadora como sugere a terminologia americana – director – ou seja, dirijo todo o processo, do início ao fim. Executo, para ser mais exata, e esse processo foi o desenvolvimento da escrita que remota a 2014.
O projeto, então, evoluiu durante um ano, até ser submetido ao concurso do ICA, acabando por ganhar o de Longas-Metragens de Baixo Orçamento … um valor ridículo! Para quem não tem noção dos valores dos apoios de produção no cinema, neste caso foram cedidos 250 mil euros, muito baixo, de facto… mas pronto, iria ser um filme muito simples, com poucos décors e o Paulo decidiu arriscar nesses concursos … o qual ganhamos.
Avançou-se então para a pré-produção. As rodagens estavam marcadas para 2016, mas só foi possível iniciá-las no ano seguinte devido a certas razões. Bem, o que quero dizer é que tudo começou com a vontade de fazer um filme, uma longa, visto que há 22 anos, concretizei uma curta que acabou por me lançar. Mas desse episódio até 2019, muito aconteceu, desde projetos e claro, a minha vida. Tentei arrancar outros projetos do qual não consegui financiamento, por isso tive que abandoná-los. Obviamente, que fazer longas sem subsídio é possível, porém, o tipo de projetos que pretendia fazer neste hiato requeria mais do que austeridade.
Depois decidi baixar a fasquia e desistir de outro projeto que tinha, e iniciei a escrita com a Carmo. Ela esteve sempre disponível para explorar uma ideia que teve como base um episódio na vida real dela. Depois foi-se transformando, transformando, até se tornar na escrita de 2017 que é completamente distinta do material que tínhamos em 2016. É um processo de contínua escrita e realização, possivelmente se começasse a filmar daqui a uma semana o filme sairia completamente diferente. Ter um projeto escrito e estagna-lo no momento é praticamente impossível.
Quais foram os maiores desafios durante a pré-produção e produção de "Linhas Tortas"?
Muita resistência, persistência, perseverança, quase todas essas palavras que significam a mesma coisa. É um processo de luta contínua, até mesmo quando já se tem o subsídio, é preciso lutar contra os produtores, às adversidades, até ao fim.
A Rita Nunes termina a sua primeira longa-metragem depois de 22 anos ter se iniciado neste meio, se não estou em erro …
Para cinema sim …
E como acabou de me dizer foi uma curta que a lançou, “Meno Nove”, estreado em 1997 …
Exato!
Mas gostaria que me falasse sobre um outro dos seus primeiros projetos, uma curta que esteve associada à Expo’98, “Amália por Nós”?
É uma coisa muito curta, quase um videoclipe. O que acontece é que em ‘98, na Expo, havia uma praça chamada Praça Sony que possuía um grande ecrã, onde ocorriam concertos e passavam certos filmes sob a programação do cineasta Rui Simões. Nessa curadoria decidiram passar diversos vídeos sobre diversos temas e eu fiquei encarregue de trabalhar algo sobre a Amália Rodrigues. Foi um dos dois vídeos que fiz para a Praça Sony.
E qual foi essa sua abordagem? É que não é fácil aceder a esses trabalhos …
Pois, o que acontece é que foi algo que ficou perdido no tempo. O outro trabalho para a Praça Sony foi um documentário, com 10 minutos de duração sobre o lixo, a recolha e o processo de tratamento. Enquanto que o da Amália, esse projeto foi de uma proposta vaga para homenagear diversos artistas. Esse trabalho contou com diferentes realizadores e eu acabei por ficar com a Amália, até porque sempre gostei do seu trabalho. É apenas um clip, algo pequeno, um playback do “Barco Negro”, cantado pela própria fadista, em que diversas pessoas integravam essa mesmo playback. Desde desconhecidos de Alfama até amigos que apanhei durante o processo, levei-os ao meu local de trabalho e pus-os a cantar, e pronto, a edição simboliza toda uma diversidade que por sua vez representam Portugal sob os acordes de Amália. Possivelmente é algo sem relevância cinematográfica.
Rita Nunes
Você já considerou voltar a fazer curtas-metragens?
Nunca mais. [risos]
Como surgiu a ideia de incluir a música "Not For Me" de Bobby Darin no filme "Linhas Tortas"?
É o acontece em ter grandes amigos ligados à música e outras artes, neste caso foi um amigo meu do Porto que também está acreditado no genérico, que é o Paulo Vinhas, que de vez em quando partilha umas playlists pelos amigos. Então, por vezes venho sempre carregada com músicas para ouvir. Há vários anos uma das músicas dessa playlist me fascinou, que foi a tal de Bobby Darin, “Not For Me”. Tinha vontade de colocá-la num filme, não sabia o como, quando ou o contexto, só sabia que aquele tema era tão cinematográfico. Dada a altura na escrita do guião apercebi que havia uma forma de inseri-la no filme, usufrui então do mecanismo diegese, onde a música teria que encaixar na narrativa. Vejamos, eu não queria uma música qualquer, portanto utilizei esta que tanto pretendia.
O que aconteceu foi um encaixe de vontade, porém, esta “Not For Me” adequa-se ao enredo; as letras, o som, tudo interagiu na perfeição. Fazia sentido aquele tema.