Retrato de família
Uma rústica janela de pedra é visionada como uma moldura que enquadra um burro num acidentado retrato. Singela e planeada imagem servida de abertura em “Return to Dust”, sexta longa-metragem do chinês Li Ruijun, mantendo-se ativo na sua região-berço, a cidade de Gattai, situada na fronteira da Mongólia, terra de quatro e austeras estações, signos o qual seguimos um casal improvável. A cena-introdutória aqui mencionada não é pura coincidência, essa automaticamente nos dialoga, subtilmente e em mudez animalística a cerne de tudo o que iremos contar neste retorno poeirento, um olhar romantizado, a procura de um embelezamento provisório na rudeza do seu mundo.
É por estas e por outras, que um camponês é unido a uma mulher com deficiências através de um casamento arranjado. Ela um fardo familiar, ele um solitário como ninguém, convergem numa família “fabricada”, e desse traço, forçosamente ou não, Ruijun filma um afeto a tecer ciúmes à inocência. O carinho dos gestos, o silêncio ou as palavras economizadas numa rotina partilhada como bem entendem, momentos remetidos ao conforto de uma pobreza sem volta. “Return to Dust” é esse “burro emoldurado”, não apenas numa captação bucólica, e sim na transfiguração, algo ilusória, de desgraças, miserabilismo e denúncias político-sociais embrulhadas numa falsa-ingenuidade, ou diríamos melhor na busca de uma beleza qualquer, que apazigua a dor, a nossa, a deles, ou de mais alguém que deseja manifestar empatia. Não se trata de um punho erguido no ar, nem sequer num dedo indicador esticado acompanhado por um olhar inquisidor, ao invés disso um encolher de ombros, uma expressão impotente e um - “é a vida” - libertado num sofrido suspiro.
O trágico tem a sua beleza, e a pobreza, longe do que se espera, não contém fórmula definitiva para a filmar. É possível "emoldurar" a miséria sem nos sentirmos insensíveis ou exploratórios? Sim, basta ter compaixão e com “Return to Dust” existe compaixão por estes “pobres coitados”.