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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Raposa": o meu corpo, a minha experiência

Hugo Gomes, 16.07.19

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Partimos novamente para a docuficção portuguesa e do prolongado conflito interno da nossa produção cinematográfica. Se por um lado, este mesmo subgénero orienta-se como um facilitismo a muitos cineastas (sobretudo jovens) para integrar os convívios do Cinema Português da “elite”, por outro é o processo criativo que desafia o limite da ficção e do documentário pondo à prova o nosso imaginário e ao mesmo tempo ceticismo quanto à falsidade da nossa veia ficcional.

A “Raposa” insere-se na segunda opção, com a realizadora Leonor Noivo em cumplicidade com a atriz Patrícia Guerreiro (“Quem és Tu?”, “Alice”) a incorporar uma figura / personagem com a qual se debaterá com ela própria, ao mesmo tempo com a canonização do formato. Persona, essa, que chamaremos de Marta, uma anorética que disponibiliza-se em convidar o espectador para o seu incómodo mundo de constante racionamento.

Há um sentimento tremendo de culpa quando estou debaixo de água quente e que me sabe bem. É como se eu não merecesse esse prazer que é sentir água quente na pele“, o senso de mártir, repudia pelo bem-estar e auto-destruição do seu próprio corpo. É assim que “chocamos” com esta conversão, a capa que a atriz veste em prol da experiência de ramo. E por mais que sentimos este quotidiano que retrata o desespero existencial desta condição, a verdade é que o feito de “Raposa” é nos fazer acreditar nesta camuflagem, restaurando a fé na atuação e no método com que a atriz subjuga-se em nome da arte.

Leonor Noivo é a sua parceira de crime, decompondo um filme em 16mm maioritariamente estruturado por planos fechados, de ponto-de-vista ou grande planos sufocantes do seu corpo em desistência com a anorexia. Da mesma forma que a primeira cena do filme simboliza – um baú metodicamente organizado e o voz-off do diálogo entre estas duas mulheres, espelhando o universo meta que iremos penetrar – “Raposa” é um experiência que debate sobre os limites da ficção e do documental, do real e do encenado, do artista e da sua personagem.