Quando o maléfico já não é assim tão maléfico ...
Em “Maleficent” (“Maléfica”) podemos evidenciar duas tendências que parecem virar moda para os lados de Hollywood (e não só!). A primeira é a humanização da figura antagonista, ou seja, do vilão, cada vez mais visto como uma personagem incompreendida e cuja malvadez é sempre fruto de análise psicológica. Como vivemos numa era onde o politicamente correto domina, todos os atos de crueldade destas mesmos personagens são ecos de traumas anteriores ou razões desculpáveis. A segunda é a modernização dos contos de fadas nos dias de hoje, o que com a iliteracia das novas gerações em relação às histórias originais poderá providenciar uma ignorância ou distorção da «realidade». Neste último ponto, o argumento utilizado e aceite na indústria é que como a Disney possui os direitos de tudo e todos no que diz respeito a estes contos folclóricos, e sendo “Maléfica” uma produção diretamente vinda de “A Bela Adormecida”, não estamos perante a história dos Grimm ou de Charles Perrault, mas sim da versão de animação de 1959.
Nesse mundo animado vangloriado pelos atributos técnicos, Maléfica (a personagem) talvez tenha sido o grande foco de interesse de uma história velha e repetitiva desde os tempos dos nossos egrégios avós, e já nesses anos a Disney sempre parece ter valorizado os seus vilões como foi o caso, a força condutora de todo uma intriga regida pelo eventual final feliz. Talvez seja por isso que uma nova avaliação desta antagonista fosse motivo que chegue para um spin-off deste género, mas será que realmente precisávamos?
Apesar da dedicação de Angelina Jolie em tornar-se num boneco da Disney (em principal destaque nas sequências “arrancadas” integralmente da animação original), “Maléfica” sofre de outro grande mal: a modelização de um mundo fantástico, sendo que a história desconhecida da personagem de Angelina Jolie, toda aquela harmonização entre criaturas mágicas e imaginárias e as intocáveis florestas dotadas de fadas e pós de “perlimpimpim”, seja algo visto e nada de surpreendente, até mesmo para as mais novas audiências. Tudo isto acompanhado por um visual tecnicamente competente, pudera, não fosse o facto de Robert Stromberg (vencedor de dois Óscares pela direção artística em ”Avatar” e a toca do coelho de Tim Burton que fora “Alice in Wonderland”) estar na direção (os efeitos visuais talvez sejam dos mais qualitativos deste ano). Mas até nisso sente-se um certo desleixo, principalmente nas posições de luz e o uso desta.
Para complicar as coisas, “Maléfica" ainda expõe as vulnerabilidades do argumento quando estamos perto do final, onde parece que a produção apercebeu-se do tempo da duração e decide incutir um desfecho cínico, apressado e nada emocional. Aliás, já que falamos em tendências atuais, não poderíamos deixar de referir que esta nova produção da Disney surgiu numa era pós-”Frozen”, ou seja, em que a emancipação feminina e o fortalecer dos laços familiares são alternativas encontradas para expor uma ausência de ingenuidade romântica. Sim, “Maléfica” vale a pena por Angelina Jolie e até mesmo pela doçura de Elle Fanning, mas existe de momento uma necessidade urgente de preservar os antigos contos e não transformá-los em rotineiros guiões distorcidos de Hollywood. E quanto à transformação do vilão, a Disney fez bem melhor e sobre um tom mais descontraído em “Wreck-it-Ralph”, por exemplo.