"Porquê que lutamos?": Jean-Gabriel Périot responde.
“Une Jeunesse Allemande" foi um dos filmes mais elogiados da passada edição do Indielisboa, um relato inteiramente composto por imagens de arquivo que demonstra a ascensão da Facção do Exército Vermelho, fundada por Andreas Baader e Ulrike Meinhof. Jean-Gabriel Périot foi o mentor dessa estrutura documental e agora é uma das figuras centrais da edição deste ano do mesmo festival que o havia acolhido. Falei com o realizador que tem demonstrado um intenso trabalho a nível de pesquisa, funcionado em prol da “mãe” de todas as questões – Porquê que lutamos?
É a sua primeira vez em Portugal?
Não, é a terceira vez.
Como se sente ao saber que um festival de cinema dedica uma secção especialmente para si?
Posso dizer que fico feliz por ver um festival a passar os meus filmes. Digamos que quando um festival decide dedicar-me a uma retrospectiva e criar uma espécie de “relação” comigo é no mínimo … estranho.
O seu trabalho é quase exclusivamente à base do found footage, mas a questão é como surgem as suas ideias? Olha para uma imagem e elas “falam” consigo?
Tirando algumas exceções, a ideia nunca vem das imagens, e sim dos livros. Quando interesso-me por um assunto comecei por ler bastante, investigo, pesquiso e só depois da ideia formada é que dirijo-me para os arquivos, ou seja, já existe filme antes das imagens. Só houve um que fugiu à regra, “Eût-elle été criminelle…“, o qual eu segui primeiramente aos arquivos. Mas tirando isso, eu começo por inteirar-me num tópico e só depois é que surge o meu “assalto” aos arquivos.
Os seus filmes têm uma forte componente política, por norma eles abordam a luta contra qualquer coisa. Esta sua vontade de demonstrar a insurreição, o combate, a manifestação, surgiu em algum ponto da sua vida, ou simplesmente você é um rebelde que odeia autoridades?
Na verdade, eu realmente odeio autoridades! (risos)
Mas por alguma razão?
Apenas não percebo porque é que algumas pessoas pretendem ser superiores, esse é um verdadeiro problema da autoridade. Por exemplo, eu sou um realizador, por isso poderia superiorizar-me perante os outros, mas para conseguir criar ou manter uma relação com os eles devo manter ao mesmo nível e não assumir como uma autoridade. O mesmo se passa com os políticos ou os chefes de estado, ninguém é superior a ninguém. Mas sei muito bem que precisamos de organização, porém, precisamos ainda mais de partilhá-la. Não cabe a uma pessoa decidir o destino de todos os outros.
E foi então que começou a fazer filmes sobre a luta contra a autoridade de qualquer forma?
Nem sempre isso se aplica aos meus filmes. Mas, por exemplo, mesmo quando deparamos com a resistência, a luta assim por dizer, questionamo-nos do “porquê que as pessoas lutam“. Penso que é uma questão de energia.
Então é essa a questão que procura nos seus filmes, o porquê de nós lutarmos?
Sim, é essa a questão que procuro. Por vezes, quando lutamos, libertamos muita energia e essa mesma energia quebra as nossas rotinas de vida. O universo não é perfeito, mas penso que encontramos o nosso lugar como ser humano enquanto resistimos a algo.
No caso da sua longa-metragem, “Une Jeunesse Allemande”, acredita ter feito um manifesto?
Não, pois penso que quando fazemos um referido manifesto o fazemos de maneira positiva. Se fizesse um manifesto comunista, por exemplo, seria algo do género “nós mudaremos o Mundo, mas ele teria que ser assim”. “Une Jeunesse Allemande” é mais um filme sobre História a ser feita. Assistirmos a tantas pessoas falharem que é como um completo conjunto de fracassos. Nada muda. Julgo que neste filme é mais uma questão “do que fazer” e não “do que recusar“. Tudo resume-se a uma invocação de resistência.
Une Jeunesse Allemande (Jean-Gabriel Périot, 2015)
Referiu numa entrevista que prefere partilhar os seus filmes aos alcances de todos, mas no caso “Une Jeunesse Allemande” não funcionou bem assim. Quer explicar o porquê dessa decisão?
Simplesmente não tem a ver comigo, mas sim com a produção. Porque o cinema é arte e também indústria, e para fazê-lo é preciso dinheiro, então arranjei quem o financiasse e esses mesmos produtores querem o seu dinheiro de volta. É assim que funciona, trata-se de um produto, não se pode divulgar gratuitamente na internet, essas pessoas [produtores] querem a sua “fatia“. Obviamente que para mim, enquanto realizador, é preferível partilhar os meus filmes de maneira que todos possam vê-los.
Foi curioso referir o seu filme como produto, por norma os realizadores evitam esse mesmo adjetivo.
O problema do cinema é que ela é uma indústria. Político, autoral, etc, faz tudo parte da indústria. Como eu fiz muitos filmes sem dinheiro, os festivais sempre foram importantes para a divulgação dos meus filmes, exceto, obviamente, a internet. Mas quando iniciei não havia internet e mesmo assim ela não é suficiente. Por exemplo, eu próprio não gosto de ver filmes na internet, prefiro ir a um cinema ou até mesmo ter um DVD. Mas como realizador preciso de ir a todo o lado. É um preço a pagar para quem deseja fazer filmes.
E quanto a novos projetos?
Vou apostar num filme de ficção acerca de Hiroxima.
Ficção? Quer falar melhor sobre esse projeto?
De certa maneira será uma metáfora sobre o que Hiroxima “aprendeu“. Passei algum tempo na cidade, em preparações para o meu “200,000 Phantoms”, ouvi os seus habitantes, os sobreviventes da catástrofe, os testemunhos. Com tal experiência senti-me mais livre, o facto de ter em minha posse este tipo de História e o conhecimento gerado por este. Uma História preciosa, e igualmente frágil, porque os sobreviventes tentam lutar para serem felizes, mesmo tendo em conta tudo aquilo que passaram. Ou seja, terem a possibilidade de serem felizes, combatendo tudo aquilo que poderá destruir o mundo. Este filme trará não uma questão política, mas sim de como lidamos com o tempo.