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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Parabéns, é um Anticristo!"

Hugo Gomes, 05.04.24

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Aproveitando o tema da gravidez indesejada, dentro deste corpo de terror de estúdio há um filme bastardo a desejar ser parido. As contrações são sentidas como rasgos de uma automatização imperativa, por vezes cedida a esses desvarios, seja na cadência calculada de uma atmosfera a ser imprimida até os seus limites, seja pela composição da sua protagonista, ou pelas vias performativas que o cinéfilo bem-aventurado no género reconhecerá de "outras danças" (e possivelmente mais zulawskianas [“Possession”, 1981]).

"The First Omen", a prequela agendada do já clássico de 1976, "The Omen", assinado por Richard Donner e com proveitos na data coincidente "666" (mas mais oportunista foi o seu esquecível remake de 2006), é em todo o caso uma produção com o cunho da 20th Century (sem Fox) detida por um estúdio tão apaziguador como a Disney, e que mesmo assim se esgueira nas extremidades do seu grotesco. Obviamente que a maternidade é um componente recorrente, e nesse efeito não era de esperar uma história visual agradável, mas o interesse em esticar para públicos vastos (o argumento faz as suas “macacadas” nas pastichação e o jumpscares pontuam no seguimento da sua ordem de mercado) faz do seu malabarismo um jogo mais interessante, por vezes roçando o inimaginável macabro.

Em comparação com o original/sequela, é um filme menos insinuante quanto ao imediatismo do seu terror, menos "bem comportado" e mais assente na blasfémia do seu produto. Porém, a vénia, ou subjugação ao seu legado, são opressões que o cometem à direção de um lado vintage - a fotografia obscura de Aaron Morton, condizente com os seus 35 mm, e a banda sonora de Mark Korven, a perseguir a partitura original de Jerry Goldsmith, dois elementos técnicos a banhar "The First Omen" e despi-la da sua aparente banalização. E no fim, através de profecias de medo e dominância religiosa (o zeitgeist atual do nosso mundo estilhaçado), volto àquela protagonista de nome curioso, Nell Tiger Free, a abraçar as trevas e a lançar-se em queda livre nesse tormento. 

São pequenos "milagres" que resgatam esta prequela de Arkasha Stevenson (primeira longa-metragem, e com segurança) do pressuposto inferno do "terror de estúdio". Sim, muito mais interessante do que se julgava ser … e com uma “referência-brinde” a um dos menos relembrados (leia-se subvalorizados) trabalhos de John Carpenter [“Prince of Darkness”, 1987].