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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Pandemónio tecnológico

Hugo Gomes, 07.04.24

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Eles destroem tudo, eles destroem tudo

Eles destroem tudo e não deixam nada

Espero que Zeca Afonso não se revire no seu eterno descanso com esta apropriação e adaptação da letra do seu “Os Vampiros”, mas não pude deixar de desgraçar tal música após esta destruição em massa que foi batizado de “Godzilla X Kong: The New Empire”, mais um episódio do universo partilhado comumente denominado de “Monsterverse”. Este, por sua vez, apropria-se de uma já tradição japonesa, o cinema kaiju, e reveste-a de produção excedente e CGI a rodos.

A “coisa” começou em 2014 com um ensaio mais ligeiro e encostado ao clássico roteiro do lagarto-rei que todos conhecem por Godzilla, num filme assinado por Gareth Edward que havia mostrado em 2010 como fazer um “filme de monstros” por batuta e meia [“Monsters”]. Paralelamente, produziu-se “Kong: Skull Island”, uma releitura do símio gigante virado património hollywoodesco e do imaginário literário de Virginie Despentes. Desta vez, sob juras de vingança de Samuel L. Jackson, transforma-se num oponente para futuras estâncias/rounds bestiais.

Dois avançam e “Godzilla” é novamente protagonista, com a sua sequela e uma galeria de conhecidos monstros do seu universo [“Godzilla: King of the Monsters”, 2019]. E em pleno “lockdown”, o confronto entre o réptil bípede e o primata maior que o arranha-céus. Adam Wingard, em tempos considerado uma promessa do cinema de género [“You’re Next”, “The Guest”], tropeçando em armadilhas mercantis [“Death Note”], enfia-se num buraco tecnológico em prol de um cinema para massas, mas sem cariz humano que o valha. Pois bem, voltou para a sequela!

Entre esta chuva artificial e entre um “homenzinho” dentro de um fato fazendo de uma cidade de miniatura o seu teatro de “faz-de-conta”, optamos pela “graciosidade” do segundo por um simples motivo: Tradição. Em “Godzilla X Kong: The New Empire”, a “tradição” é a sua banalização enquanto espectáculo cinematográfico. Cidades são destruídas com naturalidade avessa, distanciando este mundo do nosso reconhecível (a anos-luz da geografia familiar do reboot de 2014). As personagens são inexistentes, estando lá apenas por arranjos narrativos, atalhos ou macguffins para a megafauna lutar entre si, espelhando mais humanidade que os próprios humanos (foi a regra mantida desde “Godzilla Vs Kong”, logo é para manter). Por exemplo, num terceiro e conflituoso ato, com a grande batalha que já se estrutura como imperatividade argumentativa, Rio de Janeiro serve-se como cenário dessa iminente destruição, terraplanada aqui como um cataclismo excepcional, e mesmo ausente do nosso olhar, danos colaterais são cometidos, no final entre escombros e o apocalipse testemunhado, aplaude pelos titãs destruidores, os “bons”, como ordena a irracional lógica deste maniqueismo. 

Portanto, nem vale a pena estressar com o óbvio, o barulho faz-se, e por cá, os espectadores surdos cedem ao caos oferecido sem a menor resistência. É lúdico de se ver, acreditam nisso, e assim mantêm-se reféns ao tecnologicamente fácil. O que enfraquece ainda mais este “The New Empire” é que estreia a meses do, e podemos já sublinhar, oscarizado “Godzilla Minus One”, gerado em terras do Sol Nascente, demonstrando o quão respeito Godzilla ainda acerca na memória de um país. Os yankees apenas o importam, e é isso.

Não é Série B, nem nunca foi …