Os fantasmas não só se divertem ... como também se vingam!
Beetlejuice … Beetlejuice … Beetlejuice … nome proferido três vezes como uma maldição à lá “Bloody Mary” se tratasse, contudo, é por via dessa invocação que Tim Burton - restringido aquilo que a indústria havia se tornado, e consequentemente o encarou como um prisioneiro criativo - parece renascer, escapar das amarras e, ironicamente, deleitando a “carta branca” de uma major studios.
A esperada sequela de um dos seus, e improváveis, sucessos (nem o realizador percebe de onde vem o êxito dessa obra de 1988), serviu como escape, a porta de saída de uma profunda desilusão para com a arte que prosseguiu por mais de 36 anos. Da nossa parte apontamos, não a um estilo cansado, mas à sua domesticação, principalmente sob o selo Disney, estúdio que desde o seu “Frankenweenie” (1984) jurou não mais trabalhar, promessa rompida 26 anos depois com Lewis Carroll no coração, mas nunca na prática.
Deixou-se amestrar até se tornar insustentável, resultado esse na forma de um elefante alado - “Dumbo” - daquelas live actions sem sal que empanturramos sem consciência. Não fora das versões mais bem acarinhadas dessa linha de montagem disnesca do fácil e do indolor, mas o Rato Mickey foi astuto em orquestrar um certo ódio insuflado a Burton, o culpado, apontaram eles na maior das malícias. O realizador frustrou-se com a experiência, quis desistir, mas antes de assumir-se na mera “tarefa” de um spin-off / série envolto de “The Family Addams” - “Wednesday” - fenómeno viral no comando da Netflix que como tudo o que é acessível nas estratégias de streaming, inconsequentemente o salvou do esquecimento.
“Beetlejuice Beetlejuice” é de matéria diferente, é um filme para estúdio, não há que negar, mas ostentando uma liberdade que quem, como Burton, ofereceu estilismos, maneirismos e estéticas adaptáveis aos mercados. Aí, a Warner prometeu fundos e mundos; da Netflix traz Jenna Ortega, a adição umbilical ao anterior papel de Winona Ryder, regressada, e com Michael Keaton como reprovado dessa fantasmagoria. O ator-”parceiro do crime” é novamente o demónio “bio-exorcista” que quebra a quarta parede com maior exatidão e liberdade que Deadpool (o facto daquele filme quebrar recordes em 2024 é de também quebrar o coração cinéfilo), porque não se resume a um alter-ego com mordaça corporacional e "cultura-pop atirada aos cacos," mas sim numa possessão burtonesca. Aliás Burton fala através desse Beetlejuice, como também o filme é todo ele pontuado por uma certa raiva enfeitada num humor ácido.
Tim Burton e Michael Keaton na rodagem de "Beetlejuice Beetlejuice"
No fundo é isso, sem nunca ceder ao mofo, Tim Burton faz de “Beetlejuice Beetlejuice” um filme sobre o seu tempo, não a do filme / contexto em si, mas de Burton, e como ele se vê na nova realidade, há tabefes dadas a ativismos de moda como também às corporações que o tentaram amordaçar (a piada da Disney é impagável), assim incutindo um rol de preciosidades cinéfilas em paisagens-mercantis órfãs dele. Portanto, não é somente um efeito fénix, é o inteirar-se, não de um homem novo, mas de um "sujeito" determinado em conduzir o seu cinema para épocas fora da sua.
Vista as coisas, é mais que sequela, é mais que entretenimento desfasado para a rentrée, é um exorcismo burtonesco, delirante, descosido e sem papas na língua sem com isto envolvendo em chico-espertices ou no arrojo vanguardista. É Burton sendo Burton a prevalecer como Burton mesmo que as forças que o rodeiam sejam tão anti-burtonescas. E o expressionista "afterlife", o além-vida, traduzidamente para um inferno que nos reserva burocracia e a extensão do modelo capitalista ... delicioso!