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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O velho Ulisses ...

Hugo Gomes, 16.04.25

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Enquanto vem e não vem a tal “Odisseia” de Christopher Nolan, “contentamo-nos” com este “The Return”, um regresso de Ulisses à ilha de Ítaca, num tratado desencantado e seco, o que por momentos o seu realizador - Uberto Pasolini - fazendo uso do seu apelido sem associações ao incontornável conterrâneo (Pier Paolo Pasolini, como é óbvio), incute uma secura estranha, quase incómoda, e um quê de realismo sobre a obra de Homero.

Contudo, o seu holofote, vendido como tal, está em outros regressos: o de Ralph Fiennes e Juliette Binoche (28 anos depois do oscarizado “The English Patient”). Ambos são, de facto, um filme à parte dentro das desbravuras desta barbaridade entre homens, numa mitologia lírica que se materializa pela graça da luz, e é precisamente nesses olhares e ressentimentos dos veteranos que a obra sobressai, face a um elenco disperso, entre a incapacidade ou o registo de teatrinho das palavras — sem o Verbo concretamente polido. “The Return”, ou “O Regresso de Ulisses”, na instância do bom português, constrói-se como arco e flecha: na constante destreza de manter uma adaptação literal sem se esquivar à treloucação da alegoria, enquanto isso mesmo, alegoria, e é aí que a tal modernização — aquela que adivinhamos que Nolan incutirá no seu all-star filme de estúdio — está ausente, num depurado projeto sui generis, porém condenado pelo desequilíbrio de forças.

Nem todos são Ulisses. Nem todos são Fiennes, nem sequer Binoche. E muito menos, nenhum deles é Homero. Mas também não nos exaltamos com o supra-saudosismo da fantochada. Se a dita dissonância impera aqui, há que fazer dela o nosso elixir dos deuses. Uma tentativa desigual de arcaísmo cinematográfico.