O Sexto Elemento?
Uma adaptação de “Valerian” em pleno século XXI arrisca-se a repetir os mesmos contornos do anterior flop “John Carter”. Eis dois filmes que vieram muito depois do seu tempo, projetados numa altura em que a cultura pop e o reino do space opera encontra-se intrinsecamente embebidos pelas suas próprias influências (muitas vezes sem ter a perceção que os referencia). No caso da publicação franco-belga, “Valerian & Laureline”, criado por Pierre Christin, a sua importância serviu de base para muita da “ficção científica” hoje tida como fenómeno cinematográfico e cultural, nomeadamente “Star Wars”, o qual o seu mentor, George Lucas, sempre assumiu ser fã da banda-desenhada e cujas referências o auxiliaram na criação do seu tão amado universo.
Desde a primeira publicação, em 1967, contam-se sensivelmente 50 anos, e Luc Besson, sempre desejoso em converter este legado para o grande ecrã, experienciou tais templates com o seu “The Fifth Element” (“O Quinto Elemento”, 1997). Sendo um projeto por si arriscado, no seu contexto mercantil (vender space opera fora do conceito “Star Wars” é uma tarefa quase hercúlea para as audiências estivais), Valerian poderá ser induzido a erro pelas gerações mais novas, o de ser ultrapassado pelos seus descendentes, e equivocadamente reduzido a um “frankenstein de ideias”, uma vistosa e histérica criação oportunista. Mas, longe dessa miopia envolvente ao fenómeno “Star Wars”, que hoje parece ter encontrado os seus piores dias de criatividade com o cunho da Disney, Besson encontra em Valerian mais que o jeito homenagem, o júbilo recorrente à fertilidade de uma imaginação interestelar, como se por momentos o realizador francês propusesse um regresso aos seus tempos de juventude, ao imaginário febril daqueles seus “sonhos molhados” envoltos de naves espaciais e criaturas from outer space, anteriormente apenas possíveis no formato quadradinhos.
Se é certo que em “Valerian and the City of a Thousand Planets” deparamos com a típica produção destinada ao fracasso comercial (nem o orçamento ajuda a contrariar a premonição), é bem verdade que se esperava uma autêntica catástrofe qualitativa por entre galáxias. Toda essa “segurança”, podemos assim chamar, advém da sua natureza, despretensiosa e ciente das suas inverossimilhanças. Tudo recorre ao estilo de uma autoparódia, quer com a matéria-prima, quer com a própria filmografia que Besson astutamente brinca nas entrelinhas. Para além de fazer uma constante perpendicularidade com o seu anterior “Quinto Elemento", um caso de “pescadinha rabo-na-boca”, onde o filho torna-se o pai e o pai torna-se no seu próprio filho.
E como é óbvio, 250 milhões de dólares investidos aqui resultam de um visual exuberante que nos remete ao pitoresco e à glória do burlesco criativo. Mas nesse aspeto, Besson é tão próximo de Cameron, tão ligado a esse vínculo tecnológico que suporta a estética do projeto, sempre numa jornada em busca do artificialmente credível, constantemente em confronto com o maior dos seus inimigos – o tempo que nos traz o obsoleto. E é então que o realizador segue os ideais de outro, George Lucas, e o seu paradigma da tela branca, dando asas à criatividade possibilitada pelo CGI e assim adiante, conceber um mundo de raiz. Essa “criação” é nos trazida a largos passos pelos créditos iniciais onde Space Oddity de David Bowie ecoa no profundo espaço, uma montagem de um futuro próximo, atingível daqui a um par de anos, que distância até dar lugar a este tutti-frutti espacial.
Enfim, Besson sabe o que faz, apesar do argumento o atraiçoar por diversas vezes e o elenco ser mais apelativo para gerações novas e não os eventuais fãs do original “Valeria & Laureline”, sem com isto negar a química existente entre Dane DeHaan e Cara Delevingne, ou da sedução natural de Rihanna num papel desvanecido de ênfase (vista como uma solução argumentativa que qualquer outra coisa). E como se trata de um filme de Luc Besson, existe sempre a tendência de sermos polvilhados com deliciosos pormenores … e porque não, encontrar no meio deste lunatismo, uma metáfora estrelar ao transgenerismo? Fica o desafio.