O Rick Blaine foi almoçar e deixou a Marie Kondo tomar conta do seu blog
Casablanca (Michael Curtiz, 1942)
É incontestável que a Sétima Arte pode sobreviver sem a crítica. Porém, a segunda permite e muito que a primeira ganhe novas vidas, interpretações, um lastro duradouro, gere debates apaixonados e enriqueça o diálogo entre o espectador e a obra. Quantas vezes não somos colocados perante novas perspectivas sobre um filme devido a uma crítica, seja esta mais ou menos fundamentada, profissional ou amadora, escrita na mais refinada revista especializada ou nos blogues mais amadores? O próprio debate sobre o texto que determinado crítico escreveu sobre filme a, b ou c acaba por fazer germinar toda uma envolvência em volta das fitas que certamente não aconteceria sem a crítica. Nem que seja para insultar o profissional X, Y ou Z. Nesta fase do texto, podemos também começar a fazer um jogo relacionado com a contagem do número de vezes em que a palavra crítica foi e vai ser aqui escrita. Ou, podemos fazer outro desafio, talvez mais útil e estimulante, e contar a quantidade de vezes em que um artigo ou uma (não consigo evitar) crítica foram importantes para a nossa visão sobre um filme ou de uma temática da obra, ou do trabalho do realizador.
Esses textos sobre a Sétima Arte que são regularmente denominados por uma palavra começada pela letra c podem, ainda, ter o condão de inspirar o cinéfilo a querer escrever, a tentar saber mais no que diz respeito a tudo o que está relacionado com o cinema, a admirar esse meio e até alguns críticos. E, juntar o gosto pelo cinema com o da escrita, torna tudo ainda mais interessante. É um vórtice para o qual parece impossível deixar de entrar com a impetuosidade do Pepe a uma perna (ou outra parte corporal que apanhe pela frente). Não queremos ir lá de pantufas, queremos descobrir tudo à bruta. Saber mais sobre cinema, papar tudo quanto é filme, dominar a arte de escrever. Adensa a nossa paixão pelos filmes e pelas salas de cinema, pelos festivais e por toda e qualquer sessão a que consigamos assistir. A escrita sobre cinema obriga quem está a teclar, a pegar numa caneta ou na poética e anacrónica pena, a reflectir sobre a fita, a ter uma postura mais activa e conhecedora sobre o seu objecto de análise. Nesse sentido, os blogs tiveram, no seu tempo, um papel relevante não só para a formação de alguns críticos, mas também para a criação de espectadores mais activos, mais conhecedores, mais apaixonados e militantes do gosto pelo cinema.
No meu caso, apliquei o método Marie Kondo ao blog e deixei para trás algo que prefiro deixar no passado para não ser tentado a voltar a cair em tentação. Porém, existem casos como o do Hugo Gomes que mantém o Cinematograficamente Falando a viver e a produzir de modo admirável. Acredito que ele está à espera que os blogs sejam como os vinis: auge, queda e regresso à popularidade. Não acredito nisso, mas gostava (e acho que um diálogo entre plataformas como os blogs, youtube e podcasts – como já está a ser feito em alguns casos, pode ser bastante interessante). Nem sempre concordo com o Hugo. Por vezes tenho vontade de o insultar (sobretudo quando ele se atreve a não gostar de filmes em Cannes antes de eu ter a oportunidade de não apreciar os mesmos). Mais vezes ainda tinha um gosto enorme de falar sobre cinema com ele depois dos visionamentos (e antes). Acima de tudo tenho pelo Hugo um respeito sincero (caso contrário não saía temporariamente da reforma), sobretudo pela forma como procura evoluir, estar informado e colocar em prática uma das palavras mais utilizadas pelos unicórnios do empreendedorismo: resiliência.
Se a imprensa em papel está pelas ruas da amargura em termos financeiros, muitas das vezes incapaz de competir com a velocidade do online, também o cinema se debate com a facilidade da oferta proporcionada pelos serviços de streaming. São excelentes, também tenho conta em alguns. Porém, contribuem para tornar tudo ainda mais imediato, menos capaz de perdurar no tempo, mais fácil de cair naquele grande saco de gatos que é o catálogo da maioria dessas plataformas. É, por isso, que espaços como o Cinematograficamente Falando continuam e continuarão a ser relevantes. Ajudam e muito a manter vivas as obras cinematográficas, ou, pelo menos, a fazer com que estas perdurem na memória. E, enquanto existir memória desses filmes, certamente estes não vão cair no esquecimento.
* Texto da autoria de Anibal Santiago, escritor do blog Rick's Cinema, hoje, infelizmente, desativado.