O que precisa ser dito sobre a "pegada" deixada por "Avengers: Endgame"
Não se fala de outra coisa, os média estão contaminados pela febre de “Avengers: Endgame” e o público também. Após 11 anos de existência, o cuidadoso universo partilhado da Marvel/Disney chega a um culminar, uma frase que já por si é um cliché como uma daquelas propagandas que cai de fosso no nosso senso comum. Mas a verdade é que o filme que se despede de muitas das personagens principais é um evento por si só, nem que seja pela energia emitida nos visionamentos, onde os fãs se emocionam com cada revelação (tal notou-se na projeção de imprensa com a “enchente” de bloggers e de outros oriundos de veículos de cultura geek que transformaram um compromisso formal numa festa), e uma experiência nem que seja pelo case study que sugere.
Porém, nem tudo são “rosas”, há alguns perigos que esta produção poderá gerar, e nem é algo de agora, mas que tem vindo a ser tendência muito mais numa indústria constantemente monopolizada, e aqueles que se dizem críticos para lá das Terras do Tio Sam, que negam o pensamento sobre o filme em prol de uma cultura de consenso e afinidade para com os fãs à imagem do Rotten Tomatoes.
Falo obviamente do pensamento único e nessa imperatividade do consenso. Na primeira, a qual é fácil de identificar, a MCU definiu moldes de sucesso industrial, o qual tem sido seguido por inúmeros outros estúdios com a eventualidade de repetir fórmulas. Assim sendo, é natural apontar esta categoria de filmes como esteticamente anónimos, sem diferenciação de tons e estranguladores de qualquer criatividade artística. No franchise da Marvel são poucos aqueles que conseguem prevalecer o seu estilo face à ditadura desta narrativa entrelaçada (James Gunn, Taika Waititi são alguns dos casos excepcionais).
E continuando nesse mesmo pensamento, gostaria de dar o exemplo do que está a acontecer no Brasil, onde a fragilidade das leis audiovisuais que asseguravam a estreia de produtos independentes ou nacionais, levou a que mais de 80% das suas salas de cinema apenas apresentassem “Avengers: Endgame” como a única escolha de visionamento. Um absurdo encontrar um multiplex de 6 salas, todas preenchidas com o mesmo filme. Em Portugal, houve também esse “exagero”, mas nunca saindo da anormalidade que acontece no “nosso país irmão”.
E essa homogeneidade de conversa instala-se em todo o lado, desde os médias especializados na Sétima Arte, que disparam por minutos artigos sobre artigos, notícias ou meros detalhes sobre o filme, compondo ou desconstruindo por teorias, ou simplesmente o vendendo como a grande obra-prima. E aí chegamos ao segundo ponto, a totalitarismo do consenso.
Confesso que entendo a origem do fascínio de “Endgame”, e do público que assiste e acaba por experienciar uma reação saudosa e emocional. Tal, deriva do afecto que se tem pelas personagens e pelas histórias que seguiram durante uma década (fora as do circuito paralelo do comics e afins) e que os convidaram para fazer parte do seu quotidiano. Nada contra aos adeptos que encontram aqui a sua gloriosa carta de amor. Mas em relação à crítica de cinema, existe sobretudo uma tentativa de cumplicidade com o marketing do filme ou simplesmente uma proteção às multidões furiosas de fãs (grande parte deles são intolerantes a perspetivas contrárias). Como resposta a isso, são oferecidos textos básicos sem qualquer fundamento, isento de reflexão ou de contexto fílmico. Existe aqui mais uma preocupação em vender um filme que à partida já está vendido, do que pensar sobre ele. E isso também funciona para muitas das críticas negativas que partem para vender o negativismo barato (como foi o caso de um texto mal emaranhado que saiu na Folha de S. Paulo).
E o porquê deste ataque a muitos dos meus colegas? Simples, porque quer queiramos, quer não, “Endgame” é uma parte da História da Indústria Cinematográfica e como tal deve ser visto à lupa da mesma. Se será esquecido ou recordado no futuro, isso por enquanto é relativo, mas atualmente há que existir um esforço e um trabalho em dissecá-lo nas mais diferentes fontes: a importância da cultura pop nos dias de hoje; os moldes industriais; o simbolismo destas personagens na cultura moderna; a linguagem cinematográfica (ou televisiva) nela emanada; as previsões de futuro do universo do entretenimento; a política e sociologia por detrás e etc.
Isto tudo para afirmar que o Cinema não é só “Avengers”, nem “Avengers” é o “elefante na sala” que ninguém quer abordar. Mas por enquanto e face ao histerismo envolto, daqui a uns anos seria bom rever e reavaliar o que sobra deste fenómeno MCU. Até lá, contamos com o regresso à “normalidade”.