O que há depois do Amor?
Digamos que “After Love” é britânico até à medula, principalmente na sua conjuntura dramática, simples e por vezes leviana, atingido calculados pontos de rutura para com essa suposta ambiência harmónica (que relembramos como clímax). A longa-metragem de estreia de Aleem Khan é a representação do pós-fábula - “e viveram felizes para sempre” - um exercício que se estende pelos caminhos que o amor percorre após a sua consumição, neste caso, do trágico destino da mortalidade.
Mary (Joanna Scanlan, vencedora do Melhor Atriz nos BAFTA), uma mulher da cidade portuária de Dover [Reino Unido], cujo marido subitamente falece (uma sequência de abertura sem ênfases que pontua a nossa impotência para com a eventualidade e imprevisibilidade da morte), descobre por vias de mensagens de telemóvel que o “amor da sua vida” tinha uma amante, e consequentemente, um filho. Sem rumo algum, a nossa protagonista descobre o paradeiro dessa “família secreta” do outro lado do Canal da Mancha, mais precisamente na cidade de Calais [França], conseguindo-se "infiltrar-se" naquele “outro lar”, uma “outra vida”, porventura, desconhecida do seu anterior companheiro. Se existe algo que “After Love” consegue, de uma forma orgânica, é o de conquistar-nos pela sua ausência de antagonismo, liderando assim uma jornada espiritual de uma mulher ao encontro do lado oculto do homem que julgava conhecer. É um facto que várias ideias podem ser extraídas daqui, desde a sugestão de poliamor ou simplesmente uma mensagem anti-rancor para com as desventuras amorosas (desfavorecendo uma possibilidade de narrativa de luto).
O olhar de Aleem Khan em todo este cenário (sendo realizador britânico com raízes paquistanesas), é de uma orientalidade que invade conceitos ocidentais, tal como são impressas no retrato da protagonista (mais apropriativa do que enraizada culturalmente, estabelecendo assim uma ponte, não somente metafórica para com as duas “margens”, mas para com os dois distintos olhares, dando a sensação de universalidade), uma combinação multicultural que resulta numa nova temporalidade. Aliás, as temporalidades que surgem após desfechos do Velho Mundo são claramente a tour-de-force de um filme que indicia conflito, mas que não se apoia inteiramente nele. No fim, isso mesmo, um estado de espírito alcançado com um coração humanista sem traço algum de agressividade e demonização.
É o perdão como palavra-chave, mas não de jeito autodeterminado e (re)compensatório, e sim, de pacificação com a memória de quem nos fez, nem que seja por um dia, feliz.