O Povo e o "Boneco"
Realmente precisávamos de falar para o “boneco”? Em “Fato Macaco”, o percurso documental segue o propósito de registo (e quiçá de arquivo), testemunhos, muitos deles sob o signo de resistência (grande parte laboral), oriundo dos Bairros dos Pescadores, do Grito do Povo e no centro da cidade de Setúbal. Por entre esta colheita é-nos apresentada uma figura performativa e de presença zeitgeist em toda essa costurada narrativa, aí cedemos à existência daquele tal “boneco” … ou se calhar não!
Para que serve essa figuração para além do mero estruturalismo? Ao ver “Fato Macaco”, de André Costa, surgiu-me vislumbres de “É o Amor” (2013), ensaio documental do cineasta João Canijo (“Sangue do Meu Sangue”, “Mal Viver”), um mecanismo de desmistificação da imagem da “mulher de Caxinas”. Como processo, o realizador convidou Anabela Moreira (uma das suas atrizes de eleição) a enveredar um falso-estudo de personagem, a possibilidade desta interpretar uma da Caxinas com isto infiltrando-se no seu seio. O filme, em si, muitos nos diz sobre esta comunidade sem o uso da pedagogia documental, e por sua vez, consome-se num protótipo de falso-documentário no preciso momento em que Moreira, atriz de método, encontra-se presa na sua espiral criativa, entre complexos de impostor ou de outras inquietações como a autenticidade daquelas mulheres que a confrontam com a artificialidade do seu ofício. “É o Amor”, foca na sua anomalia, na atriz que não pertence a este mundo, para poder, sorrateiramente, integrar este mesmo.
“Fato Macaco" por sua vez, não deparamos nesse convite, a “mascote” não ilude da sua intenção de distração, e pior que isso, os seus momentos a solo soa-nos como enchimentos de uma produção que não esconde a sua modéstia na pesquisa (para mais a duração de 48 minutos, frescura perante mastodônticos em cartaz). Longe de ser um “macaco de imitação” (nada disso), “Fato Macaco” (inserido no projeto “Rota Clandestina” com o apoio da Câmara Municipal de Setúbal), mesmo conquistando com a simplicidade da sua filtragem ou da pureza dos seus relatos, não nos apresenta arrojo algum quanto à sua natureza performativa, ou de diluição entre formato e linguagens.