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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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O paradoxo dos dois minutos

Hugo Gomes, 22.01.22

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Pouco sabemos sobre Kato (Kazunari Tosa) até ao insólito acontecer. Aspirante musical e dono do café no rés-de-chão do seu apartamento, é certo dia “visitado” pelo seu “eu” futuro no televisor do seu quarto. O próprio fala para si com um adiamento de dois minutos, tempo pouco, mas o suficiente para causar um paradoxo temporal. Kato e a sua trupe de amigos tentam decifrar aquela anomalia, e igualmente aproveitando a “especialidade” daquele loop até percebendo que o futuro, por mais curto que seja a previsão, deve ser conservado até ao limite (mas por quem?). 

Beyond The Infinite 2 Minutes” nasceu no centro da Europa Kikaku, uma comitiva teatral que tem conquistado um nicho nipónico próprio e apostado na produção televisiva e cinematográfica, entre os cabecilhas do movimento está Makoto Ueda, responsável pelo argumento desta caricatural viagem temporal. Em constante loop formal, a primeira longa-metragem de Junta Yamaguchi percorre um cenário limitado em um ininterrupto travelling (e sem espaços para as personagens se introduzirem na ação) de 70 minutos, absorvendo o máximo da gag idealizada e por sua vez pavoneando com as suas devidas capacidades. O que não revela muito, visto que o filme junta a ideia e abraça carinhosamente a sua desengonçada concepção, consistindo para preservar um lado camp nisto tudo, da mesma forma que um sentimento de desleixo improvisado parece apoderar a intriga. “Beyond The Infinite 2 Minutes” é curiosamente um exercício lúdico da estupidez mais criativa, o que poderá soar pejorativo e contraditório, mas é um facto que o argumento rodeia uma ideia esgalhada de ficção-científica artesanal, mantendo a sua farsa até ao fim. Porém, a sua estrutura, desenvolvimento, assim como o seu clímax, remexem numa sátira hiperbólica e assumidamente inconsequente. 

É de notar uma aproximação deste “Beyond the Infinite 2 Minutes” com o seu conterrâneo de culto, “One Cut of the Dead” (“Mortos, Vivos, Câmara, Ação!”, 2017), de Shin'ichirô Ueda. Ambos têm raízes performativas (apesar de “Beyond’” não ser uma peça na sua génese, é de mesma essência, pensado e projetado para que assim fosse) e fiem no seu criado vórtice, o gag estendido e prolongado que nunca rebaixa a sua capacidade para uma mentalidade alarval, nem nunca demonstra pretensiosismos para os retirar da mera “piada” enriquecida com uma intenção de criar “cinema imediato” e tecnicamente fluido (será que encontramos aqui a "cura" para a indústria japonesa dominada por adaptações de mangas e produções calcificadas com aspirações hollywoodescas?).

No final, há que se rir do futuro, de Nostradamus, das previsões apocalípticas ou do desconhecido que se esconde e espreita. Viver o momento, eis a chave, porque até mesmo míseros 2 minutos conseguem fazer toda a diferença.