O mestre dos mestres
Segundo Wong-Kar Wai, “The Grandmaster” foi até à data o seu projecto mais ambicioso e árduo, tendo levado cerca de 10 anos a ser concretizado. É também nas suas palavras que entendemos o quão pessoal é este filme, ainda que afirme que mesmo não sabendo nada de artes marciais, cresceu num quotidiano rodeado por essas escolas, chegando a ter contacto com o próprio Ip Man, a figura a qual presta aqui tributo.
Célebre mundialmente por ter tido como discípulo o ícone Bruce Lee, o mestre Ip Man tem-se afirmado últimos anos como uma lenda contemporânea, uma ligação entre uma China secreta e mística e uma China exposta, na qual as artes marciais proliferam, nomeadamente o kung fu, na sociedade moderna. E talvez seja nessa ligação que Wong-Kar Wai se baseia para a concepção deste filme semi-biográfico.
“The Grandmaster” concentra-se num retrato algo “artesanal” de uma transição de épocas, onde visualizamos tempos negros e clandestinos onde o kung fu era a arma predilecta das tríades e a herança das mais poderosas famílias da China, tudo isto dando lugar à decadência do misticismo e tradicionalismo em prol da modernidade (ou em todos os casos a globalização como inimigo comum de um estilo de vida). Toda esta abordagem social prevalece à própria biografia, afastando-se assim do mais comercial e bem sucedido “Ip Man” de Wilson Ip, onde o ator Donnie Yen reavivava esta personalidade para o cinema. O grande Ip Man foi obviamente uma figura que perdurou e se readaptou a essa tal transformação social, uma atmosfera de mudança onde Wong-Kar Wai consegue envergar a sua matriz narrativa, infelizmente enfraquecida pelo estilo quase esgotante que o autor incursa em todo o seu esplendor.
Tal como havia sucedido com o seu muito amado “In the Mood for Love” (2000), Wong-Kar Wai demonstra ser um poeta visual da Sétima Arte, por vezes sacrificando a dimensão narrativa pela própria beleza (ou seja, o conteúdo pela forma), pelos planos faustosos e frágeis (sem falar da magnificências das sequências de ação trazidas pelo coreógrafo Yuen Woo-Ping) e pela perseverança do estilo incutido. O que estou a tentar salientar é que "The Grandmaster" não é nenhuma obra brejeira, concebida sem paixão nem amor. Pelo contrário, é uma poesia visualmente deslumbrante e simbólica para a filmografia do autor. Porém, em prol do perfeccionismo, Wong-Kar Wai abandona uma linha narrativa direta, condensando e esquematizando a história em si.
Contando com as presenças de atores habituais na filmografia do realizador, como é o caso de Tony Leung (na pele do enigmático e trágico Ip Man ) e Chen Chang, “The Grandmaster” é um belo e energético filme de artes marciais e até bem mais pessoal do que isso, o regresso do subgénero aos territórios artísticos. Todavia, a Wong Kar-Wai falta-lhe sobretudo a noção de como contar uma história sem que com isso prejudique a aura, ou vice-versa.
Bonito, mas …