O Hotel da Tristeza
Esperemos que Polanski faça mais um filme para além deste, não vá o destino pregar uma partida e empurrar-nos ao fado de que aquele último plano seja a imagem-epítome da sua carreira, uma representação da bizarria e do mau gosto que este "Hotel Palace" ("The Palace") apresenta como sua tonalidade. Uma imagem antecedendo à ardente felicidade de Fanny Ardant (perdoem-me o trocadilho rasteiro) e que, mesmo tirando uma solta gargalhada de espanto ou de embaraço, somos induzidos ao fundo negro dos créditos finais. Será o “bug”, como estes super-ricos amedrontam só de o ouvir? Roman Polanski vai do aproveitamento histórico de "J’Accuse" (um filme mais sobre ele próprio do que o episódio que adapta) a isto, uma sátira negra, e bem negra, de proveito de classes, as castas representadas num hotel de luxo no meio dos Alpes suíços, em vésperas do ano novo - 2000 - o qual se avizinha mudanças e muito mais as ameaças de um fenómeno, "Y2K", o qual viríamos a conhecer enquanto "bug" por terras lusas.
Mas voltando às classes, é algo bem definido aqui, da ralé composta por camareiras, seguranças, canalizadores e outros operários, aos mordomos e recepcionistas, passando pela pobre e ingénua família vinda de nenhures com propósito de conhecer um parente perdido, contrastando com os ricalhaços, vedetas, cirurgiões plásticos, aristocratas, atores em decadência e trapaceiros, verdadeiras aberrações ou "monstros", em alguns casos, e a ponte dessas antípodas é encarada em forma de gerente do Hotel Palace (Oliver Masucci), a ligação comunicacional e servicial, um teste à sua aparente interminável paciência. São classes que são como água e azeite, não há intenções de os misturar, ao menos que essa felicidade "ardente" (perdoem-me) faça sentir como precoce "happy ending"; contudo, é através deles, dos mais altos, que a jocosidade emprenha em sketches soltos, narrativas entrelaçadas onde só as previsões de Nostradamus e o incansável gerente a tentar resolver trapalhadas ou pedidos exuberantes parece interligá-los.
Roman Polanski faz deste circo de aberrações sem um pingo de novidade, nem sequer ácida sofisticação. É um filme a seguir uma tendência perpetuada, basta recordar "Triangle of Sadness" de Ostlund para ter uma ideia de tom, visto que Polanski não abranda nem acentua o tom escatológico e brejeiro neste retrato satírico, caricaturas a servirem de cromos estereotipados dos "super-ricos". Longe de mim defendê-los, porém, nota-se um facilitismo no uso e abuso destes nos quadrantes cinematográficos, enquanto que esta narrativa em forma de teia conduz-nos a lugar nenhum, sem punchline e sem propósito, apenas caviar em desperdício.
Réveillon feito, cada um vai à sua vida, e nesta matéria de comédias, Polanski rendeu-se ao banal, ou melhor, ao vulgar. A cena final, esse infame plano, demonstra o quanto cedido e derrotado se tornou.