O homem de branco e a praça baldia
O Papa Francisco atravessa uma vazia Praça de São Pedro, a fim de celebrar uma missa em prol das vítimas da pandemia, uma imagem convertida num dos momentos-chave do corrente ano 2020. Imagens essas, recicladas por Gianfranco Rosi, como não poderia deixar na composição deste registo documental, deste álbum de viagens da figura máxima da Igreja Católica por este mundo - Cuba, Brasil, Palestina, Arabia Saudita, Iraque, etc - uma “cruzada” em difusão da sua mensagem, humanitária ou de simples fé à sua crença para milhões e milhões.
A travessia do deserto que o Vaticano transformou nesse fatídico ano da pandemia, reserva-nos uma simbologia pensada de um homem de branco que ora para o “boneco”. Se foi essa ou não a intenção de Rosi, é com essa fenomenologia que tiramos partidos das enésimas voltas e “beija-mãos” pelo Globo, finalizados por um discurso de bradar (e apelar) aos céus, a uma utópica e inexistente convivência entre religiões, estados e pessoas. Dessa feita, e cépticos na Humanidade enquanto massa uniforme, pensemos com que maneira um tributo às vidas perdidas no Mediterrâneo - o filme abre com uma chamada de rádio desesperante e impotente entre um barco de refugiados e a guarda costeira (tema “querido” por Rosi, que originou o galardoado Urso de Ouro, “Fuocoammare”) - por parte da eminência terá impacto para com a multidão de Lampedusa que o venera? Ou a conversa sobre a integração dos palestinos no território disputado pelo Estado Israelita? Ou até o “ofuscado” genocidio dos arménios aos turcos? Palavras fortes, razões salientadas, dirigidas ao nada, à desumanização normalizada de quem o assiste, e como o Papa refere, a ideologia como intromissão das suas respectivas sensibilidades e moralidades.
Portanto, caminhar pela praça esvaziada ou intervir numa enchente humana dará ao mesmo. As viagens tornam-se meros processos, protocolos papais deste mundo globalizado, Rosi, silenciosamente, pratica esse detalhado ponto na sua completa montagem. Se foi essa a sua intenção imediata ou não em "In Viaggio", só poderemos dizer que as imagens falam por si, superando jornadas e colecionadores de postais turísticos da nossa Santidade.