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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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O Fabuloso Destino de Sasha

Hugo Gomes, 13.11.24

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Uma Amélie de caninos aguçados: é assim que se pode descrever este relato vampírico com uma abordagem moralmente adocicada à eutanásia enquanto sugestão criativa.

Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person” – um título literal e sem disfarces – conta a história de uma “nosferata”, Sasha (Sara Montpetit, “Falcon Lake”), que, desde criança, contraiu empatia pelas suas vítimas, vulgo humanos, o que a impede de os atacar para se alimentar. Os seus extremosos pais, preocupados, tendo recorrido a toda ajuda médica ao seu alcance, não têm outra escolha senão deixá-la temporariamente com a sua sádica e predatória prima, na esperança de que esta a persuade a aceitar a sua verdadeira natureza de vampira. Pelo caminho, Sasha cruza-se com um jovem vítima de bullying (Félix-Antoine Bénard), decidido a pôr fim à própria vida, que se oferece como refeição voluntária. 

Esta primeira longa-metragem de Ariane Louis-Seize é uma espécie de goma romântica, apelando ao absurdismo da sua alegoria fantasiosa, e da comédia negra com que manobra perante uma intriga de superação / aceitação do próprio fado. Entende-se as razões para que este ensaio sobrenatural esteja a conquistar um mar de gente. Em primeiro lugar, vivemos numa época em que a fantasia vampírica parece ter-se dissipado desde o fenómeno “Twilight” e os seus bastardos, que deram origem ao “vampiro integrado” numa sociedade capitalista-depressiva-niilista – com uma vertente hedonista ressaltado no “Only Lovers Left Alive” de Jarmusch –, um estilo que acabou por gerar o culto (filme + série) “What We Do in the Shadows”, de Taika Waititi. “Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person” inspira-se nessa realidade alternativa, onde os vampiros são símbolos de capitalistas vorazes e elites do 1%, no entanto, a política aqui é apenas cenário; o que realmente importa é, e aqui entra o segundo ponto, a sua narrativa agridoce. 

Este é um feel-good movie com sangue em jorros e um romance tween (ainda que a protagonista tenha 60 anos num corpo de 20) para aquecer corações. É uma mistura bizarra, tal como foi o popular e autista “Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain” – aqui sem presença inaugural e sem os olhos vidrados de Audrey Tautou, embora não se deva desvalorizar Sara Montpetit. Ainda vamos ouvir falar dela sim, do filme não tanto.