O derradeiro caso de Sherlock Holmes
Setenta atores depois, chegou a vez de Ian McKellen vestir a pele do famoso detetive vitoriano, Sherlock Holmes, naquela que poderá ser a aparição mais humanista da personagem surgida na sétima arte. Em “Mr. Holmes” somos logo induzidos a uma transição, onde a Londres reconhecida, o biótipo das aventuras do homónimo detetive e do seu parceiro Watson, é substituída por uma casa de campo em Sussex. Este é um pequeno “paraíso” rodeado por colmeais, essa paixão oculta do protagonista que transcreve-se como os novos mistérios dignos de serem resolvidos. Mas, mesmo assim, algo perturba o agora nonagenário Holmes – o enigma que esconde, por detrás da sua genialidade que se dissipa a olhos vistos, a obsessão por um caso não resolvido há mais 50 anos e que fora o seu último trabalho enquanto detetive.
Adaptado de um livro de Mitch Cullin, “Mr. Holmes” marca o regresso à competência de Bill Condon em humanizar as suas personagens, isto depois dos fracassados ensaios na saga “Twilight” e no sofrível “The Fifth Estate”. É um Condon dos tempos de “Gods and Monsters” onde, curiosamente, também havia trabalhado com McKellen num retrato simbólico de um génio “desconhecido”, o realizador de “Frankenstein”, James Whale. A dupla tem agora outro alvo de desmistificação, aquele que é considerado um dos primeiros heróis da literatura do século XX, num trabalho que parecia seguir o mesmo registo de Billy Wilder no seu “Private Life of Sherlock Holmes”, de 1970, mas que revela-se uma extensa crónica sobre a velhice.
Todavia, é Ian McKellen que conduz o filme para outros patamares, instalando-se com uma versatilidade única e uma paixão não proclamada em trazer dignidade a um génio no seu leito de senilidade. Nota-se ainda a sua dualidade em trazer uma entidade comum em duas divergências temporais e realçando, por fim, a complexidade dessa figura lendária. Tendo em conta este empenho fabuloso de um Senhor que parece arranjar formas de sobreviver à avançada idade na indústria cinematográfica, é possível, se os Óscares fizerem justiça, de que uma nomeação à categoria de Melhor Ator poderá ser mais que certa.
Contudo, se é bem verdade que Bill Condon é um experiente diretor de atores, não está longe da mentira de que a sua focagem neste setor o torna vulnerável na exploração da intriga propriamente dita, sendo que “Mr. Holmes” possui a grande fragilidade de deter seres cativantes com que se concentrar, mas com uma narrativa demasiado formatada a instituir. Um prejuízo extenso à dicotomia de abelha / vespa, que diversa é vezes invocada, mas nunca devidamente explorada, compilados com abruptas paragens neste processo de desmitificação de uma lenda, dando lugar a um registo mais emocional de um dos maiores génios do nosso tempo.
E é pena, visto que em “Mr. Holmes” o debate sobre a natureza de Sherlock Holmes tenha sido acesa (debate, esse, se trata de uma personagem ficcional ou simplesmente real), onde Ian McKellen prova ter sido o homem perfeito para nos levar acreditar, de uma vez por todas, que a figura existe para lá da imaginação de Arthur Conan Doyle.