O Cinema Morreu porque Godard deixou de acreditar nele.
“Porque estás triste?
Porque falas para mim com palavras e eu para ti com sentimentos.
Contigo não se pode ter uma conversa, tu nunca tens ideias, sempre sentimentos
Não é verdade, há ideias em sentimentos!”
Pierrot le Fou (Jean-Luc Godard, 1965)
… que poderá ser respondido com “a condição do Homem – pensar com as mãos” neste “Le livre d’image”, onde se confirma o cineasta franco-suíço como um Deus da Destruição, a destruição pelo seu próprio trabalho e pela própria ideologia. Enquanto no anterior “Adieu au langage” esse apetite dizimador era por si previsto no título, o abandono da ideia de Cinema, ou melhor, da linguagem cinematográfica (erro seu, visto que na destruição surge a criação e no filme galardoado em Cannes de 2014, encontramos uma linguagem na não-linguagem), com este novo trabalho, adivinha-se [especulação], portanto, um filme-testamento. E sob esse signo nasce uma lei termodinâmica, a entropia.
O caos, novamente em vigor para nos induzir uma das doutrinas mais antigas de Godard, o valor da imagem, quer desfeita, quer renegada (como a intervenção cruel à sequência de “Johnny Guitar”). Em sua execução, “Le livre d’image” funciona como literatura em estrofes, solicitando ao espectador a tarefa de atribuir simbolismo a toda esta desarrumação, o interpretarmos e o associarmos às nossas ideias e identidade. É um filme que nasce connosco, como também pode morrer connosco, e é essa razão porque a tristeza abala-nos. Godard já não pensa mais em Cinema, não pensa mais em imagens nem aufere carinho por estas, “rasga-as” e as enquadra desordenadamente em contexto nenhum.
O mesmo se aplica à sonoplastia, desde os trechos dos filmes recortados até ao seu monologo que o indicia num mundo aparte (“terrorismo é uma das melhores armas”). Sim, o debitar de pensamentos de um ativismo algo burguês sem ligações aparente que desvanece da mesma forma que as imagens … já disse o quanto maltratadas estão? Se sim, então não é demais repetir. A certa altura pode-se ler num dos intertítulos a palavra Remake, porta direta ao “refazer”, ao “reconstruir”, ao “refilmar”, ao “remontar”. Sim, é um remake, claro e possível de “The Three Disasters”, curta sua que integrou o filme triádico “3X3D”, a continuação de um ego sem fenomenologia, superior … arrogantemente superior.
Com isto me despeço com o sentimento: se o Cinema Morreu foi porque Godard simplesmente deixou de acreditar nele.