O canto das mulheres embruxadas e dos homens ridículos
As bruxas do leste na óptica de Tereza Nvotová (“Filthy”) não são mais do que vítimas de um prolongado e intrínseco Patriarcado, essa palavra instigadora das mais polarizadas facções; de um lado motivando um ativismo feminista e de desconstrução social, do outro provocando a quem não encara a “culpa masculina” como repertório extendido. Porém, a realizadora declara que na sua segunda longa-metragem - “Nightsiren” (vencedor do Leopardo de Ouro de Locarno, na secção "Cineastas do Presente")- o objetivo não é o de executar um enésimo statement, e sim “resgatar” os negros tempos de bruxarias e lançá-las a uma “fogueira” de reflexão quanto a um obscurismo hoje duradouro.
Tal como o cartão que abre o filme, a supersticiosidade ainda compõem quotidianos nos países do leste (neste caso a Eslováquia), levando todos os indivíduos, seja de género for, a serem reduzidos a peças numa maquinaria de opressão e de culto masculino. “Nightsiren” ostenta esse lado de cenário sociopolítico enquanto testemunhamos uma jovem retornada ao seu local de origem, cujo um conjunto de traumas (sejam de infância, sejam na sua suposta fase de emancipação) a perseguem, induzindo-a a uma investigação própria. Ao longo da sua jornada, por vezes impactadas com “visitas de fantasmas do Natal Passado” acaba por ceder a uma “teia” de misticismo e de misoginia entranhada.
Facilmente poder-se-ia insinuar a citação de um registo folk horror, ou dos ambientes atmosféricos que fizeram “The VVitch: A New-England Folktale” de Robert Eggers (por exemplo) no sucesso de culto hoje descrito, porém Nvotová não se interessa em trabalhar atmosferas (mesmo que aquelas sequências florestais apelem a um outro filme, daqueles habitáveis no esoterismo sexual e no xamânico, fazendo uso carnal e orgástico da fotografia de Federico Cesca) e sim na introspecção da sua protagonista (Natalia Germani) e no choque com uma comunidade sistematicamente medievalista.
Portanto esse lado de “cinema de género”, nunca verdadeiramente abraçado, assume-se como um disfarce para eventos maiores, a linguagem em que muitos artesãos dialogam (de George A. Romero a Wes Craven, de Ishirô Honda a Luis Ospina, sem esquecer obviamente de Jordan Peele) de forma a abordar as políticas e preocupações em ensaios “mais ou menos” figurativos que prevalecem anos após anos. “Nightsiren” é somente a tradição, não convém aclamar um “terror contaminado pelas causas / agendas sociais” [segundo essas vozes críticas], visto que é através do “cinema de género” no qual deparamos com a via, a lente abstrata para ver este nosso mundo. Tereza Nvotová fala-nos de sistemas, e o resto operam como os seus palanques de oração.