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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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O "bom" populista?

Hugo Gomes, 31.03.23

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Após a saída do visionamento de imprensa de “La Straneza”, decidi rever aquele que é possivelmente mais interessante dos filmes de Roberto Andó, realizador italiano de altos e baixos, mas que se mantém coerentemente numa certa tradição de crónica política. O filme em questão intitula-se “Viva La Libertà”, apresentado em 2013 (e com honras de abrir a Festa do Cinema Italiano do seguinte ano), era na altura vista como uma comédia de farsas e dotado de tamanha ingenuidade, porém, esse dito lado inocente adquiriu ao longo destes anos um outro tom, até porque “populismo” entrou fortemente no nosso vocabulário e hoje é uma reflexão sem causa nem efeito.

Viva La Libertà" aposta numa dupla interpretação de Toni Servillo (o ator celebrado sob a luz de Paolo Sorrentino, e que pouco a pouco se lançava em projetos díspares a esse mesmo universo, muitas vezes trazendo resquícios destes consigo), aqui encabeça gémeos, de um lado, um líder político vencido por uma crise existencial, e por outro, um filósofo delirante recém-saído de um hospício. Quando o primeiro “desaparece”, possivelmente em “busca” da sua “Grande Beleza”, o segundo toma o seu lugar, e a sua imprevisível natureza eleva o seu partido, anteriormente em estado de decadência, num dos fortes candidatos a governo em Itália. Isto porque o "irmão louco” faz política de afetos, de “verdades” e lança de cabeça para a consensualidade do seu eleitor e não o oposto, aqui abandona a ideologia e disfarça esse vazio com o “bem da vontade do povo-freguês". Digamos que por aqui paira uma certa sombra à lá Silvio Berlusconi (curiosamente, Servillo iria ser o incontornável ministro numa falsa-biopic assinado pelo seu "compincha" Sorrentino, em 2018), nessa jogada politizada de aproximação com as populações, recorrendo à incoerência discursiva equivalendo-a gestos humanizados e identificadores.

Ao sabor da sua estreia, “Viva la Libertà” seria encarado como um exercício recorrente à velha fórmula de “troca de papéis" sob um cenário de política (o equivalente italiano e menos simplista de “Dave” de Ivan Reitman), onde facilmente caímos que "nem tordos" na valsa do impostor. Hoje, com tantos peões populistas a acenarem à liderança da contemporaneidade do discurso político, prometendo fundos e mundos em diálogos vazios, aquelas “verdades” que muitos juram ouvir e que não passam de delírios provenientes de um “povo” cansado dos mesmos truques, acabando por “cair” em outros velhos truques, "lobos em vestes de cordeiro". Contudo, talvez influenciado por estas mudanças repentinas na esfera política, Roberto Andó inconscientemente incentivou o debate: será que existem bons populistas, ou tudo se resumo no fruto das nossas próprias convicções?